Topo

Estrangeiros estão entre separatistas que combatem no leste da Ucrânia

Andrew Roth e Sabrina Tavernise

De Donetsk (na Ucrânia)

28/05/2014 14h11

Durante semanas, houve rumores sobre a presença de combatentes estrangeiros no conflito que se agrava no conturbado leste da Ucrânia, cada um mais estranho que o outro: mercenários de uma empresa dos EUA, a Blackwater, forças de operações especiais russas e até mesmo soldados tchetchenos.

No entanto, lá estavam eles ontem (27) à tarde, descansando na porta de um hospital: tchetchenos com rifles automáticos, alguns com bandagens ensanguentadas, protegendo seus camaradas feridos em um hospital da cidade, depois de um tiroteio com o exército ucraniano.

“Recebemos um convite para ajudar os nossos irmãos”, disse um dos combatentes com forte sotaque russo. Ele disse que era de Grozny e que lutou na Guerra da Tchetchênia, que começou em 1999. Ele contou que chegou aqui na semana passada com várias dezenas de homens para se juntar a um grupo de milícias pró-Rússia.

As cidades afetadas pelo movimento separatista na Ucrânia - Arte/UOL - Arte/UOL
As cidades afetadas pelo movimento separatista na Ucrânia
Imagem: Arte/UOL

A cena no hospital forneceu novas evidências de que os combatentes da Rússia são uma parte cada vez mais visível do conflito aqui, um desdobramento que levanta novas questões sobre o papel do país na agitação. Moscou negou que seus soldados regulares façam parte do conflito, e não há nenhuma evidência de que estejam envolvidos. Mas a presença de sortimentos heterogêneos de combatentes de outras zonas de guerra que estão intimamente associadas com a Rússia seria improvável contra a vontade poderosa do presidente russo, Vladimir Putin, segundo os especialistas.

A revelação da presença de cidadãos russos entre os combatentes turva um quadro já sombrio das conexões complexas e alianças que está começando a se formar. Embora sua presença não desenhe uma conexão direta com o Kremlin, levanta a possibilidade de um jogo russo mais sutil que poderia manter a Ucrânia desequilibrada por anos.

A presença de combatentes estrangeiros recebeu uma confirmação oficial inesperada na terça-feira (27), quando o prefeito de Donetsk, Alexander A. Lukyanchenko, disse que pelo menos oito pessoas com passaportes russos estavam entre os rebeldes feridos que haviam sido levados para os hospitais da cidade.

Ele disse que os russos eram de Moscou e das cidades de Grozny e de Gudermes na Tchetchênia, uma república que faz parte da Rússia e cujo líder, Ramzan Kadyrov, foi instalado pelo Kremlin para controlar a região depois de guerras amargas a partir da década de 1990. Na terça-feira, Kadyrov negou qualquer ligação com os guerrilheiros.

Lukyanchenko também disse que entre os feridos havia moradores da Crimeia, península no Mar Negro anexada pela Rússia em março.

O Kremlin informou que vai trabalhar com o governo do presidente Petro Poroshenko, bilionário ucraniano eleito por ampla maioria no domingo que aceitou as congratulações do presidente Barack Obama na terça-feira.

Poroshenko prometeu esmagar os separatistas que tomaram prédios públicos em duas regiões no leste da Ucrânia, em março. Mas o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, sugeriu na terça-feira que o fim da violência seria um critério para melhorar as relações, o que poderia deixar o novo governo da Ucrânia em uma situação difícil.

Para muitos aqui, a presença desses combatentes denuncia a natureza sombria de um conflito que às vezes parece fabricado.

“É irritante, mas não é muito surpreendente”, disse Stanislav Kucherenko, 32, massagista que mora perto do aeroporto e acordou ao som de tiros na terça-feira. “Isso mostra que essa guerra não é limpa. É criada artificialmente. Se isso é uma revolta pela República Popular de Donetsk, o que os estrangeiros estão fazendo aqui?”

Os estrangeiros são um segredo mal guardado de Donetsk. Vários apareceram em uma reportagem da "CNN" em um desfile militar, no fim de semana, e outros foram flagrados em um vídeo da "Vice News" dizendo: “Nós somos voluntários tchetchenos, afegãos e muçulmanos e viemos proteger a Rússia, proteger os russos e proteger os interesses deste país”.

Não se sabe qual parte dos combatentes rebeldes os homens representam, para quem eles trabalham ou se eles foram pagos. O soldado encontrado no hospital na terça-feira disse que todos os homens eram voluntários, uma explicação repetida várias vezes, mas que não convence os moradores locais.

“Eles dizem que são patriotas”, disse Kucherenko sobre os combatentes estrangeiros. “Eu não acho que há muitos patriotas entre eles”.

O combatente tchetcheno no hospital, que não quis dar seu nome, parecia estar perdendo sua determinação. O comandante da unidade havia dado ordens para que ele ficasse e lutasse pela cidade. Não fosse por isso, ele ficaria feliz em voltar para casa, disse. “Eu não durmo há quatro noites”, afirmou, descansando a cabeça sobre um banco de madeira fora do hospital, com uma Kalashnikov apoiada nos joelhos.

Donetsk estava tranquila na terça-feira. As escolas permaneceram fechadas, e os moradores foram avisados para não deixarem suas casas. Mas os sinais da batalha de segunda-feira ainda eram evidentes. Um caminhão que levava combatentes rebeldes e foi atingido por ucranianos estava caído de lado.

Muitos moradores pró-Rússia elogiaram os combatentes estrangeiros dizendo que eles eram tudo o que tinham para se proteger de uma força hostil ucraniana de Kiev. Yevgeny Matvichyuk, 26, que é da cidade cercada de Slaviansk, disse ter conversado com dois combatentes estrangeiros, um da república russa da Ossétia do Norte e outro do Tadjiquistão, na Ásia Central.

“Eles disseram: viemos da Rússia para ajudar”, disse ele, em pé, na garagem de ônibus em Donetsk. “O que há de errado nisso?”