Leonardo Sakamoto

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Opinião

Ajuste fiscal de Lula precisa doer também no rico para não imitar Bolsonaro

O pacote de ajuste fiscal que o governo Lula deve divulgar esta semana pode socializar a chicotada (com os ricos contribuindo de forma robusta e os pobres poupados na medida do possível) ou manter tudo do jeito que sempre foi. Ou seja, o lombo da classe trabalhadora levando praticamente sozinho a chicotada em nome do bem maior.

O pacote de corte de gastos a ser apresentado pelo governo Lula deve impor um teto para a regra de aumento real do salário mínimo, reduzir a quantidade de pessoas que têm acesso ao abono salarial, aprofundar o combate às exceções no BPC, limitar a complementação de recursos que o Estado põe anualmente no Fundo da Educação Básica e aplicar algumas mudanças na aposentadoria dos militares - nada muito profundo, mas o suficiente para os fardados chiarem, como a idade mínima 55 anos.

Ou seja, as informações vazadas até aqui pegam em cheio o andar de baixo que depende de salário mínimo, abono e pensão para pobres idosos ou com deficiência. Espera-se que, na divulgação do pacote, o governo apresente medidas robustas para que o lombo do andar de cima também seja inserido na chicotada.

Um caminho seria propor o corte de um benefício concedido ainda em 1995 pelo governo Fernando Henrique Cardoso, que é a isenção de taxação de dividendos recebidos das empresas por acionistas. Benefício sim, uma vez que o mimo não está presente nos países desenvolvidos da OCDE e faz com que a classe média pague bem mais impostos que os super-ricos. Atenção você que parcelou o seu Renegade em 24 vezes, uma informação importante: você não é super-rico.

Não é um debate fácil. Há muito se discute taxar dividendos e, em contrapartida, reduzir o Imposto de Renda de Pessoas Jurídicas a fim de aumentar investimentos, mas os mais ricos e os guerreiros do capital alheio passam mal. Outra ação importante seria criar novas alíquotas do Imposto de Renda de Pessoa Física para os que ganham muito.

"Ah, mas isso é assunto para a segunda etapa da da Reforma Tributária, sobre renda." Ótimo, vamos aproveitar que sua apresentação esteja atrasada e propor de uma vez.

A segunda ação seria apresentar no pacote mudanças na forma de concessão de benefícios fiscais a empresas - que são, na prática, gastos públicos. Subsídios precisam ser reduzidos ao extremo, o que também é difícil. O Brasil viu uma avassaladora campanha de propaganda forçar a continuidade da desoneração da folha de pagamento de 17 setores econômicos, ao contrário do que desejava o ministro da Fazenda Fernando Haddad.

Lembrando que as empresas de mídia foram beneficiadas pela prorrogação da desoneração uma que parte delas defendeu em reportagens que pareciam editoriais e editoriais que propagaram desinformação.

Sabe-se que é mais fácil o tal camelo passar pelo buraco da tal agulha do que esse Congresso aprovar o fim do benefício de não taxar dividendos recebidos por pessoas físicas ou rever subsídios. Mas é dever do governo Lula apresentar a proposta, mesmo que caia, para que a população saiba quem defende a sociedade e quem defende apenas os seus.

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Claro que só tirar dos muito, muito ricos não vai resolver as questões fiscais do país. Mas é uma baita sacanagem, para usar uma expressão leve, que o debate da saúde financeira gire em torno de subtrair cascalho usado para garantir um mínimo de dignidade a quem tem menos enquanto ignora-se a discussão sobre acabar com a farra dos que mais têm.

Poderíamos incluir também aqui a revisão das deduções de despesas em saúde no Imposto de Renda de Pessoa Física, que não contam com nenhuma limitação e beneficiam, hoje, principalmente, as classes média alta e alta.

O ajuste fiscal se faz necessário para garantir investimentos e reduzir a inflação, que é um imposto perverso e rouba principalmente dos mais pobres. Além disso, com inflação alta nos alimentos, Lula não se reelege. Mas se o ajuste não estiver equalizado, com ricos contribuindo também, os pobres terão todo o direito que eles estão, novamente, pagando o preço pela crise.

Durante os quatro anos de governo Bolsonaro, o salário mínimo não teve aumento real — que foi uma forma de jogar nas costas dos trabalhadores o peso do ajuste fiscal. Lula acertadamente voltou com a política de valorização do mínimo. Agora, vai mudar a fórmula que ele mesmo propôs, mantendo o aumento acima da inflação, mas colocando um texto de 2,5% em seu crescimento real.

Ao mesmo tempo, os 17 setores conseguiram prorrogar a sua desoneração e o Congresso já disse que não vai voltar atrás com isso. Aliás, quando a desoneração passou, a Faria Lima não explodiu o dólar.

O país precisa quebrar a maldição da injustiça social que sempre vem coletar a alma dos trabalhadores diante de uma crise.

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Como já disse aqui, o Brasil é um transatlântico de passageiros, com divisões de diferentes classes, com os mais ricos tendo mais conforto em suas cabines. Não estou entrando no mérito de como chegamos a essa situação, nem propondo uma revolução imediata para que cabines diferenciadas deixem de existir. Mas é fundamental que a terceira classe conte com a garantia de um mínimo de dignidade e primeira classe pague passagem progressivamente proporcional à sua renda.

Enquanto isso não acontece, seguimos parecidos, contudo, como um navio remado por trabalhadores que, a qualquer sinal de tempestade, aumenta a frequência do estalar do chicote.

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A coluna chegou à maioridade, completando 18 anos, nesta terça (26), dos quais 15 de UOL. Obrigado a todo mundo que a acompanha.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL