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Enquanto Europa busca soluções, nasce uma cidade de imigrantes em Budapeste

Imigrantes acampam na estação ferroviária de Keleti, em Budapeste. Os refugiados tentam viajar para a Alemanha - Mauricio Lima/The New York Times - 1º.set.2015
Imigrantes acampam na estação ferroviária de Keleti, em Budapeste. Os refugiados tentam viajar para a Alemanha Imagem: Mauricio Lima/The New York Times - 1º.set.2015

Rick Lyman e Dan Bilefsky

Em Budapeste

04/09/2015 06h00Atualizada em 04/09/2015 12h01

Uma metrópole esfarrapada, de milhares de migrantes cansados e maltrapilhos, continuou a crescer na última quarta-feira (2) no labirinto de passagens subterrâneas fora da estação de trem de Keleti.

As autoridades húngaras, dizendo que estavam apenas obedecendo os regulamentos europeus de imigração, continuaram a manter os imigrantes fora da estação, apesar de terem permitido que milhares pegassem trens para o Oeste na segunda-feira (31).

Enquanto isso, imigrantes desesperados, fugindo da guerra e da pobreza no Oriente Médio, na África e no Afeganistão -a maioria deles na esperança de chegar à Alemanha- continuam a chegar em grandes números na fronteira da Sérvia com a Hungria. A construção de uma cerca de arame farpado parece ter surtido pouco efeito.

E assim, enquanto os ministros europeus se preparavam para uma série de reuniões para discutir a crise, prometendo encontrar algum tipo de resposta conjunta e humana, a cidade esquálida de Keleti cresceu e inchou, desenvolvendo novos subúrbios a cada hora.

“Estamos dormindo no lixo”, disse Ramadan Mustafa, 23, um chef da cidade síria de Qamishli. “Nós não sabemos o que fazer. É uma questão de direitos humanos. Se eles não fizerem alguma coisa sobre a situação, vamos começar a andar”.

No calor sufocante, os imigrantes se acomodavam onde conseguiam: no piso da praça subterrânea ligando Keleti à estação de metrô mais próxima; ao longo das passagens sob as amplas avenidas que cercam a estação e até ao nível do solo, na calçada de concreto ensolarada na entrada principal da enorme estação. Lá, os caminhões das redes de televisão forneciam algumas manchas de sombra, e centenas de policiais impassíveis vigiavam todas as portas.

Passageiros aguardam em estação de trem de Budapeste, na Hungria - Mauricio Lima/The New York Times - Mauricio Lima/The New York Times
Passageiros aguardam em estação de trem de Budapeste, na Hungria
Imagem: Mauricio Lima/The New York Times


Centenas de milhares de imigrantes têm procurado refúgio na Europa, deparando-se com uma colcha de retalhos de políticas de asilo incoerentes em toda a União Europeia de 28 membros. Ao mesmo tempo, o sentimento contra os imigrantes, incitado por partidos políticos de extrema-direita, está promovendo um retrocesso em alguns países, inclusive no Reino Unido, França e Hungria, onde esses partidos têm influenciado a agenda política.

O mais recente foco da crise é o tumulto em torno da estação de Keleti. Na quarta-feira, mais de 2.000 imigrantes –na maioria, jovens e famílias- agrupados em cobertores esfarrapados deitavam-se no assoalho imundo. Alguns tinham pequenas tendas. As crianças corriam pelo labirinto de acampamentos improvisados ou tentavam jogar futebol nas pequenas áreas de espaço desocupado.

Havia poças de água aqui e ali, onde as pessoas tinham tentado se lavar. Com temperaturas em torno de 30 graus, o ar cheirava a suor e dejetos humanos, e o barulho ecoando pelas paredes tornava difícil encontrar um local tranquilo.

Na praça ao ar livre diante da entrada principal da estação, centenas de pessoas se reuniram, e houve protestos regulares onde os jovens gritavam (“Liberdade Alemanha! Alemanha!”) contra os policiais bloqueando a porta, ou acenavam com palavras rabiscadas em caixas de pizza vazias.

Os imigrantes fora da estação diziam que não sabiam o que fazer. Até a possibilidade de contratar contrabandistas para conduzi-los através da fronteira tornou-se assustadora, depois da terrível morte de 71 imigrantes, na semana passada, cujos corpos foram encontrados na parte de trás de um caminhão abandonado na fronteira com a Áustria.

“Na Europa, eles estão nos tratando como o Estado Islâmico, batendo em nós”, disse Ahmad Saadoun, 27, de Fallujah (Iraque). “Levem-me para a Alemanha ou me mandem de volta. Eu não me importo mais”.

Com isso, Saadoun começou a chorar. Um homem ao lado dele colocou o braço em volta do pescoço de Saadoun e beijou sua bochecha para confortá-lo.

Keleti, entretanto, não era o único ponto inflamado na quarta-feira. Pelo menos 12 imigrantes morreram afogados tentando fazer a travessia marítima da Turquia para a Grécia, de onde muitos começam a árdua, viagem por terra pela Macedônia e Sérvia até a Hungria. Muitos corpos foram arrastados para as praias rochosas ocidentais da Turquia, incluindo o de uma criança, que gerou uma fotografia amplamente compartilhada online.

Famílias de imigrantes aguardam diante da estação de trem de Budapeste, na Hungria - Mauricio Lima/The New York Times - Mauricio Lima/The New York Times
Famílias de imigrantes aguardam diante da estação de trem de Budapeste, na Hungria
Imagem: Mauricio Lima/The New York Times


Durante a noite, o serviço de trem sob o Canal Inglês que liga a França e o Reino Unido foi temporariamente interrompido após relatos de que os migrantes estavam tentando caminhar pela rota ou se esconder em cima dos trens.

Em meio à ampla crise, um dos maiores orgulhos da União Europeia -a possibilidade de viajar livremente, sem controles nas fronteiras, desde a Estônia até Portugal- está falhando.

Sabendo que os migrantes determinados a chegar à Alemanha e diferentes nações ocidentais buscariam outras vias quando fossem impedidos de embarcar na estação de Keleti, a polícia da Hungria e de nações contíguas realizaram batidas em trens em busca de viajantes que de fato fossem imigrantes.

Verificações semelhantes foram feitas em veículos tentando cruzar a fronteira entre a Hungria e a Áustria, causando enormes engarrafamentos na autoestrada que antes era livre para os europeus do leste chegarem rapidamente ao coração do Ocidente.

Depois que mais de 3.000 imigrantes conseguiram chegar a Munique por trem na terça-feira (1º), apenas 150 chegaram durante a noite, em parte um reflexo da maneira como a repressão húngara segurou o fluxo humano.

Ainda assim, as autoridades alemãs acreditam que mais imigrantes encontrarão maneiras de contornar as restrições -e deram a entender até mesmo que, com um possível acordo sobre como lidar com a crise, alguns pudessem ser autorizados a viajar diretamente de Budapeste nos próximos dias.

Michael Mueller, prefeito de Berlim, disse que as autoridades acreditavam que mais de 14.000 imigrantes estavam agora atravessando a Europa, e a cidade estava preparando centenas de camas em tendas, antigos quarteis do Exército e dois hangares do aeroporto desativado de Tempelhof.

“Hoje e nos próximos dias teremos de reagir à chegada de mais imigrantes em nossa cidade do que esperávamos”, disse Mueller em entrevista coletiva convocada às pressas.

Em Budapeste, ao longo da tarde, esquadrões de policiais usando máscaras cirúrgicas e luvas percorriam as ruas perto da estação de Keleti, entrando em cibercafés e minimercados e pedindo documentos às pessoas com aparência de imigrantes.

Se os imigrantes não fornecessem provas de que haviam entrado no país legalmente ou deixado suas impressões digitais na fronteira -o primeiro passo no processo de registo oficial- eram levados atrás da estação e forçados a deixar suas impressões digitais, de acordo com vários migrantes e um policial.

Pai e filho aguardam trem deixar a estação de Budapeste, na Hungria - Mauricio Lima/The New York Times - Mauricio Lima/The New York Times
Pai e filho aguardam trem deixar a estação de Budapeste, na Hungria
Imagem: Mauricio Lima/The New York Times

Tamas Lederer, um dos fundadores de um grupo voluntário chamado Migration Aid, formado há dois meses em Budapeste, disse que a decisão do governo de fechar a estação para os imigrantes não tinha causado efeito algum na maré humana.

“Eles continuam vindo, nos mesmos números, e agora eles se acumulam aqui”, disse Lederer.

Muitos dos imigrantes tinham bilhetes válidos para embarcar em trens para o Ocidente, comprados em uma corrida desesperada na segunda-feira à noite e na terça-feira de manhã, depois de as autoridades húngaras permitirem que alguns partissem. Mas como não podiam entrar na estação, muitos não conseguiram embarcar seus trens. E como os bilhetes não eram reembolsáveis, eles viram seus preciosos recursos evaporarem-se no ar abafado.

Aqueles que tinham passaportes e documentação adequados puderam pegar seus trens, e os passageiros que desembarcam na estação saíram por uma entrada lateral distante da multidão.

O grupo de Lederer montou um escritório em uma loja vazia no lado norte da sala subterrânea, e dezenas de imigrantes lotavam suas portas tentando obter notícias, suprimentos e segurança. Outra porta a alguns passos de distância levava à clínica improvisada do grupo, onde seis médicos e enfermeiros voluntários cuidavam de feridas e outros males.

“No início, há um mês mais ou menos, eram principalmente problemas nos pés, da longa viagem que tinham feito”, disse Lederer. “Mas agora, há tantos que temos pessoas com diabetes, doenças diversas e, com a construção desta cerca ao longo da fronteira Sul, um monte de feridas cortadas pelo arame farpado”.

Os voluntários embalavam caixas de suprimentos de socorro -latas de feijão aqui, prateleiras cheias de fraldas e shampoo ali. Refeições vegetarianas para 2.000 pessoas são produzidas todos os dias, incluindo arroz e feijão e vários molhos. Um pequeno chuveiro também fornece algum alívio.

“Todo o sistema é louco”, disse Lederer. “Não vemos nenhum sentido”.

Milhares de pessoas se reuniram na quarta à noite diante do Parlamento da Hungria para protestar contra o tratamento dos imigrantes pelo governo.

“Acho inaceitável esta política de refugiados do governo. Vai contra os valores humanos básicos, os valores europeus e os verdadeiros valores da Hungria”, disse Denes Nagy, 71, físico.