Refugiados descobrem duas Américas: uma que odeia e outra que cura
Ra'ad e Hutham Lalqaraghuli não sabem mais ao certo de qual América fazem parte.
É o país odioso que viram poucas semanas antes da eleição presidencial, quando alguém deixou um bilhete à porta deles dizendo, "Terrorista, vá embora, ninguém quer você aqui"?
Ou é o país generoso de estranhos acolhedores, que souberam de seus apuros e lhes encheram de presentes e cartões com mensagens positivas?
A vitória do presidente eleito Donald Trump intensificou os ataques. Após um ano nos subúrbios de Maryland, tendo chegado com seus quatro filhos como refugiados do Iraque, eles se viram comparando as ameaçadas das quais fugiram com as que poderiam surgir.
Eles não conseguiram dormir na noite da eleição, após assistirem pela televisão a cobertura dos resultados.
Estão com muito medo e assustados, disse Ra'ad Lalqaraghuli na quarta-feira. "Não sabemos o que isso significará."
A confusão deles e a resposta dividida à presença da família aqui, espelha a experiência de muitas outras famílias de refugiados e de muçulmanos americanos. Na última semana, até mesmo com grupos de defesa relatando um aumento acentuado de ataques e atos de intimidação contra negros, muçulmanos e imigrantes (e contra mulheres usando hijabs), muitos dos episódios foram seguidos por atos públicos de apoio e solidariedade.
Atos de ódio e intimidação, segundo o Southern Poverty Law Center, organização que monitora ataques raciais, ocorreram por todo o país durante a campanha e aumentaram significativamente desde que Trump foi declarado presidente eleito. Mas a alternância entre aceitação e rejeição pode ser particularmente confusa para recém-chegados como os Lalqaraghuli.
A casa nova deles em Dundalk fica em um subúrbio de Baltimore, uma das muitas comunidades de classe operária onde as batalhas do país em torno da identidade se tornaram mais intensas. Dundalk já foi um centro animado de trabalhadores que ocupavam vagas em fábricas e usinas da Bethlehem Steel, General Motors e outros gigantes manufatureiros. Agora, é dominada por pequenos centros comerciais.
Ra'ad Lalqaraghuli disse que ficou inicialmente animado em chamá-la de lar.
"Quando cheguei à América, estava muito feliz", disse Lalqaraghuli, 43 anos. "É o país dos meus sonhos para meus filhos."
Ele já tinha experiência com americanos. Formado pela Universidade de Mosul, em 2004 ele começou a trabalhar como engenheiro para empresas americanas e para o Corpo de Engenheiros do Exército dos Estados Unidos na reconstrução de seu país, após a invasão americana.
Uma promoção a gerente de projeto em 2009 o levou a supervisionar a construção de usinas de tratamento de água e várias escolas em Bagdá e em duas cidades ao sul da capital, Nasiriya e Basra.
Mas seu trabalho para os americanos também lhe rendeu atenção indesejada de grupos terroristas. Ele passou um inverno dormindo fora de casa, na floresta, para se manter escondido, enquanto sua esposa e filhos se abrigaram com a família dela.
No aeroporto de Bagdá, a caminho dos Estados Unidos, ele ainda temia estar sendo seguido. Ele contava apenas com sua passagem aérea, seu passaporte, US$ 100, sua esposa e quatro filhos.
Betsy Fisher, o vice-diretor de políticas do Projeto Internacional de Assistência a Refugiados, com sede em Nova York, que reassentou a família, disse ter ficado consternada ao saber da recente ansiedade deles, especialmente após tantos atentados contra a vida de Lalqaraghuli ao longo de vários anos por diferentes grupos no Iraque.
"As pessoas que entram neste país como refugiados estão fugindo do terrorismo", ela disse. "Elas não podem viver em um lugar com violência."
Ela acrescentou sobre a mensagem deixada à porta da família: "Um bilhete como esse não é apenas horrível, mas deveria ser profundamente embaraçoso para cada americano o fato de essa família ter sido ameaçada, pois o motivo para estarem neste país se deve ao serviço dele ao nosso país".
Grupos de defesa, como o Conselho para as Relações Americano-Islâmicas, que está ajudando a família, dizem que muitas famílias de refugiados estão relutantes em informar quando se tornam vítimas de crimes de ódio, pois temem uma reação ainda maior.
Mas após o aparecimento do bilhete, com um desenho tosco de uma mulher em hijab, Lalqaraghuli notificou a polícia, dizendo a um policial no bairro que parecia estar em patrulha a pé perto de seu apartamento.
A polícia disse que o bilhete foi escrito por uma vizinha de 14 anos, e que os policiais falaram com ela e com seus pais, mas determinaram que nenhum crime foi cometido.
A família da vizinha não respondeu à mensagem pedindo comentários.
Criminoso ou não, o episódio foi suficiente para provocar uma resposta, um esforço para combater a intolerância.
Alta Haywood, uma professora aposentada que vive em Perry Hall, Maryland, enviou a família uma enorme cesta de frutas e incluiu um bilhete dizendo em parte: "Espero sinceramente que outras pessoas na área mostrem a vocês que podem ser gentis e acolhedoras".
Lalqaraghuli, que trabalha como motorista, disse que apreciou muito as demonstrações de apoio.
Mas após a vitória de Trump, ele disse, ficou difícil confiar que a aceitação despontaria como a força dominante no país.
Ele perdeu duas semanas de trabalho após receber o bilhete, pois ele disse que seus filhos só se sentiam seguros na presença dele. Seu filho mais novo, Abdullah, 5 anos, não dorme mais no próprio quarto. Ele dorme apenas com os pais.
"Porque ele viu quando os milicianos vinham à minha casa, e vinham armados", disse Lalqaraghuli.
Ele se referia à vida deles em Bagdá. Mas assim que for possível, ele disse, sua família pretende se mudar de Dundalk e recomeçar em outra cidade ou Estado.
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