Ratos correm à solta em Paris na pior crise em décadas
Nas manhãs gélidas de inverno, a maioria dos parisienses passa correndo pela praça hoje trancada que abriga a linda Tour St. Jacques, uma torre medieval. Só ocasionalmente eles param, talvez por ouvir um leve rumor nas folhas caídas, ou avistar algo que corre entre a folhagem verde-escura.
Um pássaro? Um gato? Um cãozinho?
Não. Um rato.
Não, três ratos.
Não. Olhe bem: 10 ou 12 ratos com pelagem cinza-castanho brilhante se agitam entre as folhas secas do outono.
Paris está enfrentando sua pior crise de ratos em décadas. Nove parques e áreas verdes foram fechados parcial ou totalmente. Alguns, como o Champs de Mars, onde fica a Torre Eiffel, estão sendo "desratizados" por partes.
"Eu não via esse tipo de situação há 39 anos", disse Gilles Demodice, um gerente do departamento de controle de pragas animais de Paris, que passou a maior parte de sua vida adulta trabalhando para a Prefeitura.
Alguns locais infestados de ratos não podem ser completamente fechados, como o Boulevard Richard-Lenoir, cheio de arbustos, que passa por um bairro com pouco espaço verde e é apreciado pelas mães com carrinhos de bebê, assim como pelos corredores --mas também, ao que parece, pelos ratos.
A invasão de ratos é um antigo problema de Paris --e atual--, e é difícil controlá-la. Em 2014, a cidade prometeu 100% de desratização.
No século 19, os ratos aterrorizaram e enojaram os parisienses que sabiam que cinco séculos antes as criaturas tinham trazido a peste bubônica através do Mediterrâneo.
A peste assolou a cidade, como a maior parte da Europa, matando cerca de 100 mil parisienses --entre um terço e a metade da população da época. Ela ocorreu periodicamente durante mais quatro séculos. A experiência, como era de se esperar, deixou Paris com uma aversão aos roedores que durou mil anos.
Hoje ninguém fala em uma Paris 100% livre de ratos. Mas por que o problema é pior hoje do que no passado?
"Não sabemos exatamente por quê", disse Demodice. "Acho que talvez seja porque há uma superpopulação no subsolo, porque o hábitat normal desses animais são os esgotos, o subterrâneo, e não acima do chão.
"Nosso trabalho é empurrá-los de volta para baixo", disse ele.
Mas por que eles estão proliferando? A culpa seria do bode-expiatório preferido de todos, a União Europeia e seus inúmeros burocratas sem rosto? Sim, pode ser.
Novos regulamentos de Bruxelas, a sede da UE, obrigaram os países a mudar a forma como usam o veneno para ratos, disse o doutor Jean-Michel Michaux, veterinário e diretor do Instituto Técnico e Científico de Animais Urbanos, em Paris.
A antiga maneira de envenenar roedores envolvia uma espécie de lanche mortal em que os funcionários dos parques colocavam iscas letais diretamente nos buracos onde os ratos viviam, ou espalhavam veneno em pó nas passagens subterrâneas usadas pelos animais.
O veneno colava nos pelos do rato, "e então o bicho se limpava, lambendo-se, absorvia o pó e era automaticamente envenenado", disse Michaux.
Os dois métodos significavam que o rato entraria em contato direto com a substância mortal. Geralmente, o roedor morria dois ou três dias depois. O veneno é um anticoagulante que causa desidratação, sangramento interno e morte.
No entanto, o antigo método poderia facilmente contaminar o suprimento de água, e o veneno poderia ser ingerido por animais domésticos ou pessoas, com maior risco para as crianças e mulheres grávidas, explicou Michaux.
Agora a UE exige que o veneno seja colocado em pequenas caixas plásticas, conhecidas como estações de isca, e os ratos têm de procurá-lo ativamente. Os EUA têm restrições semelhantes.
Em Paris, porém, os ratos podem facilmente encontrar uma refeição completa na maior parte do ano bem perto de suas tocas --pelo menos nos arredores da Tour St. Jacques. E eles parecem preferir uma baguete comida pela metade, com manteiga e presunto, um pedaço de maçã e uma marmita não acabada de macarrão, presunto e ervilhas.
Três funcionários de parques encarregados de verificar as caixas de veneno espalhadas a cada 7,5 metros entre os arbustos na Tour St. Jacques não encontraram nenhuma aberta por um rato na última sexta-feira (9).
Patrick Lambin, 43, um trabalhador da Prefeitura na Tour St. Jacques, apanhou um rato morto com um instrumento em forma de pinça usado para catar lixo na manhã de sexta-feira. "É o quarto que encontro", disse ele.
Em quantos dias? Ele encolheu os ombros. "Desde que começamos." Quer dizer, entre duas e três semanas atrás.
Embora seja possível que outros ratos que correm pela pequena praça estejam morrendo lentamente com o veneno, parece igualmente provável que eles estejam se multiplicando bem mais depressa do que morrem.
O rápido ritmo de reprodução dos ratos é um dos motivos pelos quais as criaturas provavelmente vencerão a competição pela sobrevivência.
"Os ratos são capazes de se acasalar a cada três semanas", disse Michaux, o veterinário.
"A maturidade sexual dos filhotes é atingida entre seis e nove semanas de vida, e assim muito rapidamente a segunda geração começa a se reproduzir, depois a terceira geração e assim por diante", explicou ele.
Levando-se em conta que um rato fêmea produz em média de quatro a cinco filhotes por ninhada, os números aumentam de forma exponencial.
Se o veneno pode ser um risco para os seres humanos, os ratos também podem --mas ninguém está sugerindo que há probabilidade de um retorno da peste bubônica.
A espécie de rato responsável pela "peste negra", como era chamada a doença, o Rattus rattus, um rato de cor preta que chegou à Europa pela primeira vez provavelmente por volta do ano 500, não é a que aparece hoje nos parques de Paris.
O rato que causa alarme na capital francesa é o Rattus norvegicus, uma espécie relativamente recente na Europa, que chegou da Ásia há cerca de 150 a 200 anos. Embora não seja fácil adoecer por ter um contato passageiro com esses ratos, eles transmitem doenças como salmonela ou leptospirose, também conhecida como febre dos pântanos.
Mas o rato cinza-marrom de Paris também é, senão o melhor amigo do homem, pelo menos um habitante constante e familiar da vida urbana: onde há homens há ratos, afirmou Demodice.
A se escutar o veterinário, que passou a maior parte da vida observando ratos, é quase possível sentir afeto por eles.
"Um rato é um animal muito inteligente e atlético", disse ele.
"Os ratos têm um papel muito útil para nós, porque o que eles comem nós não precisamos dar um destino, por isso é muito econômico para nós, e quando os ratos estão no subsolo eles também limpam os canos com seus pelos quando correm por eles.
"Por isso precisamos mantê-los. Eles são quase nossos amigos, mas precisam ficar embaixo. É só o que pedimos: que fiquem lá embaixo."
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