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Análise: Ataque em Londres repercute pouco em uma Europa nervosa, mas calejada

Turistas tiram fotos na ponte Westminster dois dias depois do atentado no local - AP Photo/Matt Dunham
Turistas tiram fotos na ponte Westminster dois dias depois do atentado no local Imagem: AP Photo/Matt Dunham

Steven Erlanger, em Londres (Reino Unido), e Alissa J. Rubin, em Paris (França)

24/03/2017 11h56

O ataque terrorista em Londres, com sua combinação de mortes aleatórias e o forte simbolismo do Parlamento fechado, ocorre em um importante ano de eleições em países críticos da Europa, assim como em um momento de grande nervosismo, ligado à ascensão do populismo, aos migrantes e à integração dos muçulmanos.

Com a França, a Alemanha e possivelmente a Itália indo às urnas, os analistas há muito se perguntam se um ato de terrorismo poderia abalar a dinâmica eleitoral e reforçar a narrativa mais ampla da "Europa em crise" que fomentou os partidos de extrema-direita em todo o continente.

"Isto terá repercussão na França e na Alemanha", disse Mark Leonard, diretor do Conselho Europeu para Relações Internacionais. "Torna-se parte de um padrão. É mais um elo da cadeia."

Mas a repercussão foi abafada. Muitos eleitores europeus, nervosos mas cada vez mais calejados, basicamente se habituaram ao custo do terrorismo --pelo menos quando acontece fora de suas fronteiras e quando o preço não é alto demais. Considera-se improvável que um ataque relativamente limitado, como o desta semana em Londres, modifique o terreno eleitoral.

"Isto conecta Londres a Paris, Nice, Berlim e Bruxelas no contexto do espaço político em que vivemos", disse Robin Niblett, diretor da Chatham House, citando as cidades europeias que foram atacadas nos últimos dois anos. Embora um atentado terrorista possa alimentar a narrativa de uma minoria, "politicamente também pode unir as pessoas, num momento em que estamos sob o risco constante de fragmentação", explicou.

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UOL Notícias

A união é o que os líderes da UE querem enfatizar no encontro neste fim de semana em Roma para comemorar o 60º aniversário do bloco. Mas o ataque em Londres é um lembrete de mais um problema na lista: a iminente saída do Reino Unido do bloco, divisões regionais, disparidades econômicas, desemprego, sentimento antieuropeu e terrorismo.

Embora o efeito de mais um ataque em grande escala em um país em eleição possa ser dramático, a capacidade dos radicais islâmicos de organizar esses ataques parece ter diminuído acentuadamente. Assim como os eleitores, também a polícia e as autoridades de contrainteligência estão mais habituadas à ameaça e endurecem os controles em muitas partes da Europa.

Enquanto investigadores britânicos buscavam evidências que pudessem ligar esse atacante solitário a uma rede, os europeus pareciam especialmente endurecidos por ataques terroristas como esse --sem sofisticação, embora quase incontível, com um número de baixas relativamente pequeno e muito distante do caos organizado que se viveu em Paris em janeiro e novembro de 2015.

O ataque em Londres, portanto, foi um lembrete de que o Ocidente sempre será vulnerável: os meios usados foram comuns e disponíveis em qualquer lugar; os alvos foram pontos de destaque nas cidades; as vítimas eram civis de dez nacionalidades que cuidavam de seus afazeres diários. Para isso talvez não haja remédio que as urnas possam fornecer.

"As pessoas aqui sabem que é um problema internacional", disse François Heisbourg, um assessor sênior da Fundação de Pesquisas Estratégicas, em Paris. "Eu ficaria muito surpreso se isto tivesse alguma consequência significativa na campanha na França."

Até Marine Le Pen, a candidata da Frente Nacional, de extrema-direita, teve relativamente pouco a dizer sobre o ataque em Londres, embora uma das principais promessas de sua campanha seja "colocar a França novamente em ordem".

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Reuters

"Mais uma vez o terrorismo ataca no coração da Europa, em uma capital europeia onde as vítimas são jovens franceses", disse ela em uma entrevista morna ao jornal "Le Figaro". "Isto nos lembra cruelmente que o terrorismo é uma ameaça cotidiana."

Mas a retórica na Europa continua geralmente incendiária, conforme os problemas que ela enfrenta. Horas antes do ataque em Londres, o presidente Recep Tayyip Erdogan, da Turquia, emitiu uma estranha advertência aos países ocidentais que criticaram seu governo.

"Se vocês continuarem se comportando assim, amanhã em nenhum lugar do mundo nenhum europeu ou ocidental poderá andar na rua em paz, seguramente", declarou ele.

É difícil saber o que Erdogan quis dizer, mas ele ameaçou diversas vezes abandonar um acordo com Bruxelas que restringiu o fluxo de migrantes do Oriente Médio para a Europa.

Essa migração foi relacionada, ora erroneamente, ora não, a importantes atentados terroristas nas capitais europeias, que foram entremeados por numerosos outros muito menores em cidades menores, inclusive na Alemanha e na França.

Muitos agressores, como Khalid Massoud, 52, que tinha um longo histórico criminal, mas não condenações por terrorismo, foram criados no país, embora influenciados de fora, especialmente pelo Estado Islâmico. Certamente o grupo, que chamou o atacante de Londres de seu soldado, desejava cometer um ataque em Londres há pelo menos dois anos.

Um dos telefones usados por Abdelhamid Abaaoud, o coordenador do EI nos ataques em Paris em 2015, tinha fotos de uma viagem à Inglaterra, segundo Claude Moniquet, um ex-oficial da inteligência francesa sediado na Bélgica.

Entre as fotos havia imagens de Birmingham, Londres e outra cidade. "Ele tinha fotos do Canary Wharf, do Tâmisa e de boates e bares", disse Moniquet, que ainda trabalha de perto com agências de inteligência europeias em vários casos.

Abaaoud teria se reunido com pessoas na Inglaterra e encontrado ou viajado para lá com Mohammed Abrini, que hoje está preso na França, depois de sobreviver aos atentados em Paris e Bruxelas.

"Hoje sabemos que no ano passado eles convidaram pessoas para agir onde elas viviam", disse Moniquet sobre o EI.

Os britânicos disseram em público que bloquearam 13 complôs desde julho de 2013, quando o soldado Lee Rigby foi atingido por um carro e depois esfaqueado até a morte por britânicos convertidos ao islã. Pelo menos dois complôs frustrados deveriam ser de grande escala, segundo os britânicos.

Mas organizar atentados maiores aparentemente foi difícil no Reino Unido, que tem controles de fronteira mais severos que a maior parte da Europa e rígidas leis sobre armas. O Reino Unido também é conhecido pelo bom trabalho de contraterrorismo.

"Estou um pouco preocupado de dizer que isso é um reflexo do sucesso das autoridades", disse Raffaello Pantucci, diretor de estudos de segurança internacionais no Instituto de Serviços do Reino Unido. "Mas o fato é que vimos que os terroristas no Reino Unido tiveram muita dificuldade para conseguir armas e encontrar outros meios."

Um ataque como o de quarta-feira (22), com um carro e uma faca, é quase impossível de se evitar. Embora o simbolismo seja muito forte, o número de mortos foi pequeno e o ataque não conseguiu provocar uma sensação duradoura além do primeiro dia caótico de insegurança, especialmente quando visto de um continente mais habituado ao terrorismo.

Christoph Schult, um analista da revista "Der Spiegel" em Berlim, comentou que os alemães reagiram com uma calma surpreendente ao grande ataque em um mercado de Natal em Berlim em dezembro passado.

"A vida voltou praticamente ao normal em um dia", disse ele. "Por isso, um incidente como o de Londres tem probabilidade ainda menor de criar uma grande sensação de insegurança. Enquanto algumas pessoas se sentem inseguras sobre o terrorismo e podem ligá-lo à crise dos refugiados, elas pensam que o governo está agindo certo, que há alguns fanáticos no mundo e o que se pode fazer?"

Guntram Wolff, um alemão que chefia a instituição de pesquisa Bruegel em Bruxelas, um grupo de pensadores econômicos, comentou que "as pessoas não veem as forças populistas fazendo um trabalho melhor sobre o terrorismo, e o governo está reagindo".

Jeremy Shapiro, um ex-oficial do Departamento de Estado dos EUA que hoje está no Conselho Europeu para Relações Internacionais, disse que o ataque em Londres foi coerente com o padrão recente de ataques menos organizados e ataques simultâneos menos frequentes, que são mais difíceis de organizar especialmente para o EI, que hoje sofre intensa pressão na Síria.

"É espetacularmente fácil matar um grupo de pessoas com um carro ou caminhão, se você não se importar com quem são elas", disse ele.

Ataques organizados como o de Paris são cada vez mais difíceis de praticar, segundo ele, mas "a capacidade de uma pessoa inspirada por uma ideologia causar danos é inevitável".

É uma "tragédia insensata", afirmou Shapiro, mas coisas parecidas também acontecem nos EUA. "E também é triste porque nossas sociedades reagem excessivamente a elas e as agravam."