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Rebelde mais procurado da Venezuela contou sua história pouco antes de morrer

Mulher coloca flores no túmulo do líder rebelde Óscar Perez, em El Hatillo, na Venezuela - Meridith Kohut/The New York Times
Mulher coloca flores no túmulo do líder rebelde Óscar Perez, em El Hatillo, na Venezuela Imagem: Meridith Kohut/The New York Times

Nicholas Casey

22/01/2018 14h02

O fim havia chegado para Óscar Pérez. O sangue escorria pelo rosto do rebelde. Seus homens lutavam atrás de armários e fogões enquanto o governo venezuelano os cercavam em seu esconderijo. Horas depois, ele e meia dúzia de outros estavam mortos no chão. 

Pérez, morto na última segunda-feira (15) por forças do governo, passou seus últimos anos estrelando histórias espetaculares, às vezes como herói nas telas de cinema, outras como um rebelde na vida real. 

Ele foi o ator principal em um filme de ação, um piloto que combatia o crime saltando de paraquedas com um cachorro preso às costas. Depois, em junho, ele comandou um helicóptero durante protestos na Venezuela, disparou contra a Suprema Corte e desfraldou uma bandeira pedindo que o país se rebelasse.

Enquanto seus atos cativaram muitos venezuelanos e enfureceram o governo, seu público havia diminuído muito nos últimos dias.

Mas Pérez passou muitas tardes e noites de janeiro debruçado sobre uma tela de telefone, enviando mensagens criptografadas ao "NYT". Os dois lados tentavam verificar a identidade do outro trocando mensagens curtas de vídeo durante as comunicações.

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As mensagens de texto enviadas em dezembro e janeiro, juntamente com gravações e entrevistas feitas no mesmo período, são algumas das últimas palavras do homem mais procurado da Venezuela, um policial rebelado que captou a imaginação do país, um combatente fugitivo que às vezes parecia entender que seus dias estavam contados.

"Eu luto pela liberdade do país, por um amanhã melhor", começou ele em uma tarde no início deste mês, falando por um aplicativo de mensagens. "Medo de morrer é o que menos tenho hoje. Não é o medo da morte, mas o medo do fracasso, de falhar com o povo."

13.jul.2017 - O piloto venezuelano Óscar Pérez participa de protesto da oposição em Caracas - Inaki Zugasti/AFP - Inaki Zugasti/AFP
O piloto venezuelano Óscar Pérez participa de protesto da oposição em Caracas
Imagem: Inaki Zugasti/AFP

O corpo de Pérez estava em uma geladeira no necrotério de Caracas, com dois ferimentos de bala e o queixo quebrado, sob guarda armada. No domingo (21), o governo liberou o cadáver, que foi enterrado nu, enrolado em um lençol branco. Perto do enterro, um homem empinava uma pipa que dizia "Liberdade". 

Pérez foi um ator, um detetive e um insurgente. Para o governo ele era um terrorista. Para seus seguidores, um combatente da liberdade, um herói popular moderno no estilo de Robin Hood ou Che Guevara. Alguns céticos dizem que sua história era improvável demais para ser verdade. Pensavam que ele devia ser uma espécie de agente duplo, decidido a colocar a oposição sob uma luz negativa.

Fosse qual fosse a opinião das pessoas sobre ele, seus atos repercutiram em todo o país. 

A Venezuela sofreu uma crise econômica que deixou os hospitais sem remédios e os bebês morrendo de desnutrição. Um presidente impopular sufocou os protestos com mão de ferro, deixando mais de cem mortos nas ruas de Caracas no ano passado, entre policiais e manifestantes. Poucos parecem ter esperanças de democracia na Venezuela. 

Depois de seu voo de helicóptero sobre Caracas em junho, Pérez tornou-se um símbolo das crescentes dificuldades do país: era o policial ousado que desertou e pediu que outros fizessem o mesmo.

Padre católico faz uma oração sobre o túmulo do líder rebelde Óscar Perez, em El Hatillo, na Venezuela - Meridith Kohut/The New York Times - Meridith Kohut/The New York Times
Padre católico faz uma oração sobre o túmulo do líder rebelde Óscar Perez, em El Hatillo, na Venezuela
Imagem: Meridith Kohut/The New York Times

Mas se há uma coisa que o perseguiria até o túmulo é essa rebelião que nunca aconteceu.

"Queríamos que houvesse um chamado às ruas naquele dia, grandes demonstrações, que as pessoas percebessem que um movimento havia começado", disse ele em uma mensagem. "Mas infelizmente não houve nada."

Pérez, que entrou para a unidade de investigação da polícia da Venezuela havia 15 anos, poderia ter sido mais um detetive se não fosse também um ator. O filme que ele estrelou, "Muerte Suspendida" [Morte suspensa], foi lançado em 2015. Ele interpreta um inspetor chamado Efraín Robles, que resgata um empresário venezuelano de sequestradores. 

O filme antecipa os atos teatrais pelos quais Pérez seria conhecido na vida real. Seu personagem, também um piloto, persegue criminosos pelas ruas da capital pelo ar e, no final, mergulha com um rifle até o iate do vilão.

Pérez disse que o filme também mostrou o tipo de força policial que ele gostaria que existisse na Venezuela: fotos de identificação de bandidos expostas em telas de alta definição. Cenas de crimes cuidadosamente examinadas por legistas. Homens de avental analisando os resultados. 

Mas a realidade que ele viveu enquanto a economia do país desmoronava foi muito diferente, disse Pérez. "Não sobraram recursos", afirmou. "Os técnicos que operavam o equipamento tinham de comprar os suprimentos para trabalhar." 

Outros fatos começaram a irritá-lo. 

Policiais impedem aproximação de pessoas em luto do local onde os rebeldes José Alejandro Díaz Pimentel e Abraham Agostini foram enterrados, em El Hatillo, na Venezuela - Meridith Kohut/The New York Times - Meridith Kohut/The New York Times
Policiais impedem aproximação de pessoas em luto do local onde os rebeldes José Alejandro Díaz Pimentel e Abraham Agostini foram enterrados, em El Hatillo, na Venezuela
Imagem: Meridith Kohut/The New York Times

Grupos armados a favor do governo, conhecidos como "colectivos", começaram a atuar abertamente com policiais corruptos para extorquir e roubar. As investigações eram bloqueadas, incluindo de carregamentos de cocaína que Pérez diz ter descoberto diversas vezes. Diziam-lhe para olhar para o outro lado, segundo ele. Seu relato da corrupção dentro da força policial não pôde ser verificado de forma independente. 

"Eram eles que traficavam as drogas", disse Pérez sobre autoridades do governo. 

Entre eles, afirmou o ex-policial, estava Néstor Reverol, hoje ministro do Interior e da Justiça do país. (Reverol enfrenta acusações nos EUA por supostamente ter cancelado investigações de traficantes de drogas quando dirigia a Guarda Nacional.) 

Pérez disse que havia muito tempo pensava em usar um helicóptero para divulgar sua dissidência. Mas no ano passado sua raiva se somou à de milhares de venezuelanos que foram às ruas durante quatro meses de protestos sangrentos contra o presidente Nicolás Maduro. Pérez afirmou que culpou Maduro e seu governo pelo que aconteceu com a população: falta de tudo, corrupção e o aumento da criminalidade no país. 

Uma semana antes de Pérez pilotar o helicóptero, seu irmão foi morto por bandidos em um roubo de telefone celular, disse ele. Foi esfaqueado a dois quarteirões de sua casa.

"Eu tive de identificar meu irmão deitado numa bandeja de aço no necrotério, completamente congelado", disse. "Você é um policial e vê alguém tão próximo morrer nessa praga de crimes causada por este mau governo." 

Em 27 de junho, Pérez decolou no helicóptero, dizendo que estava na hora de dar um exemplo público aos venezuelanos.

O céu estava claro em Caracas quando soaram as explosões: foram de granadas atiradas do helicóptero, e pretendiam chamar atenção sem causar danos, segundo Pérez. Então ele conduziu o helicóptero até o prédio do ministério do Interior, onde disparou tiros de festim.

Enquanto uma multidão observava o espetáculo que se desenrolava no céu, Pérez desfraldou uma bandeira conclamando a população a se rebelar.

"Era para ser um chamado de despertar, para que eles não perdessem a esperança", explicou. "E não apenas para o povo, mas também para que os funcionários públicos despertassem."

Os acontecimentos surpreenderam o país. Durante algum tempo, muitos se perguntavam se estava ocorrendo um golpe de Estado. Mas Pérez estava agindo só com um pequeno grupo, e os partidos de oposição não atenderam ao seu chamado.

Quando o helicóptero sofreu uma pane hidráulica, segundo Pérez, ele foi obrigado a pousar em um campo. Os moradores chamaram as autoridades, mas ele fugiu antes que chegassem.

Agora ele era um fugitivo, mas tinha chamado a atenção de todo o país. 

Seus apelos para que a população se levantasse, porém, pareciam cair em ouvidos moucos. Em 30 de julho, Maduro consolidou ainda mais seu poder, criando um órgão de seguidores para desmanchar o Legislativo do país, o único ramo do governo que seu partido não controlava.

As ruas foram militarizadas e a dissidência pública foi proibida por decreto presidencial. Os protestos praticamente evaporaram.

Mesmo quando as autoridades se aproximaram de Pérez, neste mês, ele estava confiante de que continuaria escapando. "Estamos sempre um passo à frente deles, graças às pessoas que nos ajudam, minha equipe de inteligência que está dentro das instituições", disse ele. 

Antes de ir dormir na noite de sua morte, Pérez enviou mais uma mensagem ao "NYT".

"Ótimo, eu informo a vocês", disse ele, referindo-se à hora da próxima entrevista. Era 0h45. 

Nas primeiras horas da manhã de segunda-feira, Pérez postou um vídeo em sua conta no Instagram. Tropas do governo o haviam encontrado.

No início, não se ouvem tiros no vídeo. Pérez chama um major que está do lado de fora. O militar diz aos rebeldes para se renderem, que o Estado venceu. Pérez afirma que não se renderá porque teme que matarão civis no prédio.

Pessoas prestam últimas homenagens aos rebeldes José Alejandro Díaz Pimentel e Abraham Agostini, que foram mortos junto com o líder do grupo, Óscar Perez, pelas forças de segurança do governo da Venezuela - Meridith Kohut/The New York Times - Meridith Kohut/The New York Times
Pessoas prestam últimas homenagens aos rebeldes José Alejandro Díaz Pimentel e Abraham Agostini, que foram mortos junto com o líder do grupo, Óscar Perez, pelas forças de segurança do governo da Venezuela
Imagem: Meridith Kohut/The New York Times

Todos parecem calmos. Mas o vídeo logo mostra uma cena caótica.

Pérez olha para o telefone, com sangue escorrendo de seu olho direito. Ele pede aos venezuelanos irem às ruas imediatamente. Há buracos de balas na parede e ouvem-se tiros ao fundo. Ele diz que está oferecendo para se render, mas que o governo lança granadas.

Em um vídeo, Pérez admite que seu tempo acabou.

"Que Deus esteja conosco e que Jesus me acompanhe", diz. "Derek, Santiago, Sebastián, eu amo vocês com todo o meu coração, filhos. Espero vê-los logo de novo."

Mais tarde naquela manhã, o governo da Venezuela disse que o grupo foi "desmontado". Pérez e seis outros estavam mortos. Dois policiais foram mortos, segundo as autoridades.

A morte de Pérez, mostrada no Instagram, causou comoção na Venezuela, fazendo de seus últimos momentos seu espetáculo público final. Quase como em um filme, as linhas da vida que o levaram à rebelião pareciam se unir pela última vez.

Reverol, o oficial que Pérez disse que certa vez o impediu de deter traficantes de drogas, foi um dos primeiros a declarar vitória. Ele chamou o grupo de Pérez de "um bando perigoso que nos últimos meses lançou ataques terroristas". 

O corpo de Pérez, ensanguentado e ainda usando um colete, foi levado ao necrotério. Lá ele ficou, perto do lugar onde tinha identificado o corpo do irmão há um ano e resolvido que finalmente estava na hora de agir.