Presa na fronteira dos EUA e já liberada, brasileira ainda não sabe quando vai rever filho de 9 anos
Mãe e filho se falaram pela última vez no dia em que o menino completou nove anos, há uma semana. Não foi uma ligação de felicitações.
Lidia Karina Souza, brasileira, tinha sido libertada da detenção pela imigração quase duas semanas antes. Mas ela não sabia dizer quando ela e Diogo, separado dela pouco depois de chegarem aos EUA, voltariam a se encontrar.
"Não chore. Você vai ganhar um Nintendo, uma festa de aniversário. Não se preocupe", disse Souza, que é brasileira, ao filho. A conversa por telefone foi gravada e mais tarde mostrada ao jornal The New York Times.
Eles foram separados na fronteira sudoeste dos EUA em 30 de maio. Souza foi presa. Diogo foi levado para Chicago, onde o colocaram num abrigo. Souza foi solta em 9 de junho e pôde se reunir a parentes em Hyannis, no Estado de Massachusetts, mas ainda não está claro quando seu filho poderá reencontrá-la.
"Vou fazer tudo para tirar você daí", disse a mãe ao menino no telefonema. "Eles querem muitos papéis."
O presidente Donald Trump oficialmente pôs fim à política de separar as famílias quando os pais são detidos sob o programa de "tolerância zero" da Polícia de Fronteiras, que entrou em vigor em maio. Mas histórias frustrantes como a da família Souza continuam acontecendo em todo o país. Pais de mais de 2.300 crianças que foram separadas deles ao chegar aos EUA hoje enfrentam longos atrasos devido à burocracia para recuperá-las.
Algumas crianças foram reunidas aos pais nos últimos dias, mas entrevistas com advogados de imigração e autoridades do governo sugerem que a maioria delas provavelmente ainda ficará em instalações de grupos ou lares provisórios durante algum tempo.
"Claramente não houve um plano para reunir as famílias", disse Karen Hoffmann, uma advogada de imigração do Aldea-The People’s Justice Center em Reading, na Pensilvânia, que está processando o governo para reunir três migrantes com seus filhos.
Parte do problema é que em muitos casos pais e filhos estão detidos a milhares de quilômetros de distância, e os pais não sabem exatamente onde estão os filhos. As agências federais registraram cada criança com um número de identificação e criaram linhas telefônicas para os pais, mas os defensores dos migrantes dizem que muitos pais têm dificuldade para fazer a ligação ou não obtêm resposta quando telefonam.
No sábado à noite, os departamentos de Segurança Interna e Saúde e Serviços Humanos anunciaram que têm um "processo bem coordenado" para reunir as famílias. Segundo a declaração, em 20 de junho havia 2.053 menores separados sob custódia do governo. O documento dizia que outras 522 crianças que ainda não tinham sido enviadas pela Patrulha de Fronteiras para um abrigo ou uma família provisória foram devolvidas aos pais na fronteira.
"Um pai ou mãe que recebe ordem para deixar os EUA pode pedir que seu filho ou filha os acompanhe", disse o comunicado. "Deve-se notar que anteriormente muitos pais preferiram ser removidos sem seus filhos."
Se um pai ou mãe é libertado da detenção, segundo as autoridades, ele ou ela será reunido a um filho separado quando os pais preencherem requisitos estabelecidos pelo governo. Mas, como ilustra o caso de Souza, a burocracia pode causar atrasos prolongados.
O senador democrata Chuck Schumer, de Nova York, pediu no domingo que o governo Trump indique um chefe para coordenar as agências federais para reunir as famílias rapidamente.
"Você não precisa ser um especialista em relações exteriores para saber que a situação criada pela tolerância zero deixou muita gente com confiança zero de que o governo conseguirá reunir rapidamente as crianças aos pais", disse Schumer em uma entrevista coletiva.
Comentando que três departamentos diferentes do governo atuam nessa situação, Schumer disse: "Ninguém está realmente no comando quando há três pessoas no comando".
Pouco antes de anunciar oficialmente a política de tolerância zero, o governo emitiu um memorando definindo novas regras rígidas para selecionar pais, parentes e outros potenciais patrocinadores que desejem retirar crianças da custódia do governo.
Por um lado, o memorando dizia que o Departamento de Saúde e Serviços Humanos deve obter o "histórico de cidadania, situação de imigração, ficha criminal e histórico de imigração" do potencial patrocinador. Disse também que o departamento deve coletar os nomes, datas de nascimento, endereços, impressões digitais e documentos de identidade do potencial patrocinador e de "todos os membros adultos na casa do potencial patrocinador" e fornecer essa informação à Polícia de Imigração e Alfândega (ICE na sigla em inglês), órgão que supervisiona a deportação.
Anteriormente, o departamento de Saúde e Serviços Humanos não compartilhava essa informação com o ICE; outros membros da família não eram geralmente analisados como parte do processo; e os pais não tinham de fazer impressões digitais para receber os filhos de volta.
"Temos casos de menores brasileiros que continuam em abrigos por causa de novas exigências, que acabam intimidando os parentes que queriam levá-los para casa", disse Luisa Lopes, diretora de assuntos consulares para brasileiros no exterior. Lopes disse que sabe de 49 crianças brasileiras que foram separadas dos pais.
Souza, 27, e seu filho se entregaram à Patrulha de Fronteiras em 29 de maio, declarando que tinham medo de voltar a seu país natal e desejavam obter asilo nos EUA. No dia seguinte, enquanto Diogo se irrompia em lágrimas, um agente usou o software de tradução do Google, segundo ela disse, para lhe explicar que, como a brasileira não havia se apresentado em um porto de entrada oficial, tinha entrado ilegalmente nos EUA; portanto, iria para a cadeia e o menino, para um abrigo. O filho viu a mãe ser algemada.
"Eu disse a ele: não vou para a cadeia", lembrou ela em uma entrevista feita em português. "Vou para um lugar com outras mães. Você vai para um lugar para crianças."
Souza foi julgada pouco depois em um tribunal federal em El Paso (Texas), onde se confessou culpada de entrada ilegal, uma infração menor, e foi condenada ao tempo já servido. Três centros de detenção e dez dias depois, ela pôde se encontrar com um parente em Massachusetts, tendo passado por uma entrevista para verificar se tinha uma razão verossímil para seu medo de voltar ao Brasil.
Antes que as autoridades a deixassem em Dallas para pegar um avião para Boston, elas lhe deram um número de telefone gratuito pelo qual poderia localizar Diogo.
Souza ligou quando chegou a Massachusetts, mas não conseguiu falar com ninguém.
"Eu fiquei desesperada, devastada, louca", disse ela.
Souza, que é cristã evangélica, disse que buscou forças na oração. Também procurou no Facebook por uma brasileira que conheceu na detenção e cuja filha tinha sido separada dela. A mulher, que está agora na Pensilvânia, disse a Souza que sua filha estava em um abrigo em Chicago chamado Casa Guadalupe, onde tinha feito amizade com um menino brasileiro chamado Diogo. Ela deu a Souza o número do telefone.
Mãe e filho conversaram pela primeira vez em mais de duas semanas. Ela soube que Diogo tinha contraído catapora e por isso foi isolado das outras crianças. O menino soluçava, suplicando que sua mãe fosse pegá-lo.
Desde então eles puderam falar por telefone duas vezes por semana, durante dez minutos a cada vez.
"São 16 dias, mas não se preocupe", disse Souza ao filho em uma ligação que foi gravada. "Já vai acabar. Fique bem. Fique com Jesus. Com Deus no nosso lado, tudo vai dar certo."
Para recuperar o filho, Souza soube que terá de entregar uma montanha de documentos ao abrigo, que é dirigido pela organização beneficente Heartland Alliance.
Ajudada por uma advogada, Souza preencheu um pacote de 36 páginas e apresentou documentos que comprovam seu parentesco com Diogo. Mas "todos os dias eles querem mais alguma coisa", disse Souza em uma entrevista no sábado (23).
Por exemplo, os adultos da família com quem ela mora em Hyannis também tinham de apresentar cinco páginas de informações pessoais para uma verificação policial.
Em outro telefonema, Diogo pediu que a mãe apressasse sua libertação. Com a voz partida, o menino suplicou: "Ai, mãe, faça rápido os papéis".
"Não é minha culpa", ela tentou explicar. "Estou fazendo tudo, mas é muita papelada para organizar."
Conforme passavam os dias, novas exigências tinham de ser cumpridas.
A última foi o pedido de impressões digitais, na semana passada. Um funcionário do caso informou a Souza que ela e mais dois adultos da família teriam de visitar um determinado local em sua área para fazer impressões digitais em 6 de julho. Seu pedido para recuperar o filho levaria então 22 dias para ser aprovado, segundo lhe disseram.
"Eles lhe informaram que só conseguirá ter a criança de volta em agosto", disse Jesse Bless, um advogado da Jeff Goldman Immigration, firma com sede em Boston, que cuidou do caso de Souza sem cobrar honorários.
Ele manifestou indignação aos gerentes do abrigo, dizendo-lhes que Souza já tinha feito as impressões digitais na fronteira. Em resposta, uma autoridade da Saúde e Serviços Humanos enviou um e-mail a Bless, dizendo: "A política e os procedimentos mudaram recentemente e exigem que todos os membros da família e patrocinadores façam impressões digitais. Posso lhe afirmar que, na Heartland, Diogo não está isolado.
"Os gerentes na Heartland realmente se importam com nossas crianças e estão trabalhando com afinco para garantir que todos os nossos menores sejam libertados em segurança."
Bless disse que depois que ameaçou processar o abrigo "eles aceitaram um cronograma mais rápido, mas indefinido". Insatisfeito, ele disse no domingo que pretende viajar a Chicago para fazer pressão.
Enquanto isso, Souza deverá falar com o filho na quarta-feira (27).
Suas últimas palavras a ele em seu aniversário foram: "Não chore. Quero que você fique bem. Por favor seja forte. Está bem, filho? Fique com Jesus, meu filho. Tchau. Eu te amo".
"Eu também te amo", respondeu o filho
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