Fenômeno descoberto por cientistas explica por que oceano Atlântico cresce enquanto o Pacífico encolhe
Quem vive nas Américas está cada dia mais longe daqueles que vivem na Europa e na África.
E não estamos nos referindo a uma distância política ou ideológica. Literalmente, nossos continentes estão cada dia mais separados.
A cada ano, as placas tectônicas em que estão localizadas a América, de um lado, e a Europa e a África, do outro, se afastam cerca de quatro centímetros.
Os cientistas sabem que as placas se movem em direções opostas, e que nas áreas de fronteira entre elas as partes mais densas afundam.
A força que causa essa separação, no entanto, é uma questão que ainda não tem resposta definitiva.
"A sabedoria convencional é de que esse processo é normalmente resultado de forças gravitacionais, à medida que partes das placas se afundam na Terra. No entanto, a força por trás da separação das placas do Atlântico continuava sendo um mistério, porque o Atlântico não é cercado de placas densas em afundamento", aponta a o Departamento de Ciências da Terra da Universidade de Oxford.
Mas agora, em uma pesquisa recente publicada na Nature, um grupo de sismólogos acredita ter encontrado uma nova peça para montar esse quebra-cabeça.
Uma descoberta que também oferece novas pistas para entender melhor os movimentos sísmicos que podem causar grandes desastres.
Alguns especialistas preferem, no entanto, ser cautelosos quanto ao alcance do estudo, embora reconheçam a importância da descoberta.
Uma cordilheira no oceano
No fundo do Oceano Atlântico se ergue a Dorsal Mesoatlântica, uma extensa cordilheira localizada de maneira equidistante entre a América, de um lado, e a Eurásia e a África, do outro.
Essa cadeia de montanhas se estende por mais de 16.000 km do sul da Islândia ao sul da África.
A cordilheira chega a ter mais de 1.500 km de largura, e suas montanhas podem se erguer acima da superfície do oceano, formando ilhas como os Açores ou Tristão da Cunha.
A Dorsal Mesoatlântica é uma área chave: é a fronteira de placas mais extensa do planeta e também um lugar onde se formam novas placas.
É onde se encontram as bordas das placas da América do Norte e da América do Sul, que se movem se afastando das placas da Eurásia e da África.
Essa separação torna o Oceano Atlântico cada vez mais amplo, enquanto o Pacífico, devido ao avanço da América, está encolhendo.
Uma cunha entre as placas
Nesse novo estudo, os pesquisadores descobriram que nesta cordilheira existem áreas onde o material do interior da Terra aparece no fundo do mar.
Especificamente, são rochas provenientes de mais de 600 km de profundidade no manto, área localizada entre o núcleo e a crosta terrestre.
Esse fenômeno, segundo os autores do estudo, faz com que esse material atue como uma cunha que se interpõe entre as placas e faz com que elas se separem ainda mais.
"Este trabalho refuta suposições de longa data de que as dorsais oceânicas poderiam desempenhar um papel passivo nas placas tectônicas", afirmou em comunicado Mike Kendall, geofísico da Universidade de Oxford, no Reino Unido, e coautor da pesquisa.
"(O estudo) sugere que, em lugares como o Meio-Atlântico, as forças na dorsal desempenham um papel importante na separação das placas recém-formadas."
Sinais inesperados
Os dados para esta pesquisa foram obtidos por meio de 39 sismógrafos que os pesquisadores colocaram no fundo do oceano, em uma área da cordilheira localizada entre a América do Sul e a África.
Durante quase um ano, os movimentos detectados por esses sensores permitiram aos cientistas notar variações na estrutura do manto terrestre a 600 km de profundidade.
Cada tipo de onda que um sismógrafo registra está associada a um mineral diferente, portanto, com os sinais que os pesquisadores receberam, eles foram capazes de perceber que havia materiais na superfície provenientes do manto.
"Os sinais observados foram indicativos do surgimento profundo, lento e inesperado do manto mais profundo", escreveram os autores.
"Esses resultados lançam uma nova luz sobre nossa compreensão de como o interior da Terra está conectado às placas tectônicas", acrescentou Matthew Agius, sismólogo da Università degli studi Roma Tre, na Itália, e principal autor do estudo.
Cautela
Para o geólogo Daniel Melnick, que não participou da pesquisa, "a novidade do artigo é que apresenta pela primeira vez evidências de transporte de material do manto inferior (a 600 km) em uma dorsal oceânica".
A pesquisa pode ter implicações no "entendimento dos processos químicos e das trocas de calor dentro da Terra", afirmou Melnick, pesquisador do Instituto de Ciências da Terra da Universidade Austral do Chile, à BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC.
Ele acrescenta que o fluxo de material entre o manto e a crosta já havia sido documentado em zonas de subducção, onde uma placa afunda debaixo de outra; e também em "pontos quentes" como o Havaí e a Islândia, mas não em dorsais oceânicas.
Outros especialistas, por sua vez, também comemoram os resultados do estudo, mas são cautelosos quanto ao seu alcance.
"Essas descobertas adicionam uma peça ao quebra-cabeça para entender o fluxo no manto da Terra", afirmou ao portal Live Science Jeroen Ritsema, professor do departamento de Ciências da Terra da Universidade de Michigan, nos EUA, que não participou do estudo.
Segundo ele, os autores fizeram uma análise "excelente", mas com alcance limitado.
O professor se refere ao fato de terem observado apenas uma pequena porção do fundo do Atlântico, por isso não está claro se o fenômeno ocorre ao longo de toda a cordilheira.
"É difícil inferir o fluxo de rochas em escala global no manto da Terra a partir de um único ponto de observação", explicou Ritsema ao Live Science.
"É como olhar pelo buraco de uma fechadura e tentar descobrir quais são os móveis da sala, da cozinha e dos quartos."
Mais bem preparados
De acordo com os autores, os resultados dessa pesquisa podem ser úteis para entender melhor os movimentos das placas tectônicas e melhorar os sistemas de alerta para terremotos, tsunamis e erupções vulcânicas.
As placas tectônicas também influenciam o nível do mar, portanto, estudá-las permite ainda calcular melhor os efeitos das mudanças climáticas.
Para Kate Rychert, professora de Geofísica da Universidade de Southampton, no Reino Unido, e coautora do estudo, suas descobertas "têm amplas implicações na compreensão da evolução e habitabilidade da Terra".
"Também mostra como é crucial coletar dados dos oceanos", diz Rychert. "Há muito mais para explorar."
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.