Críticas do governo enfraquecem fiscalização ambiental, afirma procurador
As críticas do presidente Jair Bolsonaro (PSL) e do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, a fiscais de órgãos ambientais enfraquecem o poder público na missão de combater crimes. A afirmação é do procurador Daniel Azeredo, integrante da PGR (Procuradoria-Geral da República) e responsável pela costura de um acordo que visa combater o desmatamento na Amazônia.
Ainda não há dados para avaliar se o desmatamento está crescendo ou não, mas já é possível notar uma diminuição da atuação do Ibama no país, diz o procurador.
Bolsonaro declara que há uma "indústria das multas ambientais" e desautoriza a destruição de máquinas de suspeitos de desmatamento. Para Daniel Azeredo, a fiscalização tem razão ao danificar os equipamentos.
Ele também critica a liberação da venda de agrotóxicos e afirma que em duas semanas a Procuradoria terá uma avaliação técnica sobre a exploração de petróleo perto do arquipélago de Abrolhos, na Bahia, considerado um santuário de biodiversidade - o governo autorizou o leilão de áreas próximas ao local.
Azeredo está desde 2016 na PGR e ocupa o cargo de secretário-executivo da Câmara de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural. Ele atuou por dez anos no Ministério Público Federal do Pará, onde foi um dos principais responsáveis pelo TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) da Carne, que envolve os frigoríficos na tentativa de impedir a compra de carne oriunda de áreas desmatadas.
Confira abaixo os principais trechos da entrevista concedida pelo procurador.
UOL - A atuação do governo Jair Bolsonaro na área ambiental tem sido alvo de críticas de ambientalistas. O que o governo está fazendo é só discurso ou há um risco efetivo?
Daniel Azeredo - Ainda estamos mensurando isso. Geralmente, os danos ao meio ambiente demoram um pouco a se tornar mais visíveis. Por exemplo, só vamos conhecer os números do desmatamento na Amazônia, que é uma questão sensível para o Brasil tanto no plano interno quanto no plano internacional, no final do ano. A mesma coisa no Cerrado e na Mata Atlântica.
Temos visto nos estados a ausência de uma atuação mais forte do Ibama. Os crimes ambientais estão relacionados com outros tipos de crime, como lavagem de dinheiro, corrupção e sonegação fiscal. As operações do Ibama coíbem isso de maneira eficiente. Pode estar havendo uma diminuição [destas operações].
O próprio discurso de criticar as ações fiscalizatórias dos órgãos públicos acaba enfraquecendo o poder público na missão de combater esses crimes.
O ministro Ricardo Salles e o presidente Jair Bolsonaro criticam a atuação de fiscais de órgãos como o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis). Há exageros na aplicação de multas por parte dos fiscais ou o governo está fazendo uma crítica errada?
Em primeiro lugar, os crimes ambientais (roubo de madeira, tráfico de animais, queimadas desordenadas, despejo de poluentes em águas, crimes que acarretam perdas humanas como em Brumadinho e Mariana, em MG) são frequentes, e você tem uma pequena estrutura de fiscalização.
Você precisa fortalecer os órgãos ambientais, inclusive o discurso de fortalecimento moral desses órgãos, [falar sobre] a importância que eles possuem para o país. É claro que você encontra erros pontuais como encontra erros pontuais em qualquer setor da atividade humana, mas você não pode fragilizar a atuação do órgão. Porque, infelizmente, a criminalidade no país é alta. O órgão que mais combateu esse tipo de crime no país é o Ibama, e ele precisa ser valorizado e fortalecido.
O sr. trabalhou no Pará e é um dos responsáveis pela existência do TAC da Carne, que tenta conter o desmatamento na Amazônia, inserindo os frigoríficos na fiscalização do desmatamento promovido por pecuaristas. Como melhorar o controle do desmatamento no país?
Precisamos ter um controle da origem dos produtos na Amazônia e no país, mecanismos de rastreabilidade que permitam identificar a origem e, com isso, afastar da cadeia produtiva aquele produto que é fabricado com desmatamento, com trabalho escravo, em áreas que estão em reservas indígenas.
E o fortalecimento dos órgãos de fiscalização, a apreensão de maquinário, a destruição de maquinário, a apreensão de produtos produzidos em terras públicas.
Quando a gente fala em desmatamento na Amazônia, estamos falando de terra pública. É um patrimônio que vale dinheiro e pertence a todos os brasileiros, e um criminoso vai lá e se apropria. O Estado brasileiro tem o dever de tirar aquele criminoso da área, apreender os bens, destruir aquilo que for feito e restituir essa terra ao dono dela que é toda a sociedade brasileira.
Como a corrupção e a violência estão associadas ao desmatamento na Amazônia?
A violência no campo é muito frequente porque tem populações tradicionais que convivem bem com a floresta e conseguem sobreviver de um agroextratrativismo que não causa dano à floresta e essa população [vai] sendo ameaçada, tendo suas áreas invadidas por grandes produtores e por madeireiros. Isso acaba, em vários casos, em assassinatos. É uma questão gravíssima que o governo precisa enfrentar.
Como esse tipo de crime ambiental é parte integrante da economia dos estados na Amazônia, na maioria das vezes tem crimes de corrupção, de pagamento de propina a servidor público para liberar um plano de manejo fraudulento, aprovar uma licença em desacordo com a lei. Tudo isso costuma ocorrer.
O presidente é contra a demarcação de terras indígenas e promete revê-las. Qual a importância das reservas para o meio ambiente?
A gente tem visto que as terras indígenas têm, entre vários papéis importantes para o país, sido nichos de preservação ambiental. É muito comum ter áreas bem devastadas, e o único remanescente estar exatamente onde existe uma terra indígena. Elas prestam um serviço ambiental relevante para o país.
O Ministério da Agricultura liberou em abril o uso e a venda de 31 agrotóxicos. Qual o risco desta decisão?
Há anos essa questão dos agrotóxicos não é bem tratada no país. Há muito tempo tem produtos que são proibidos em outras regiões e estão liberados no Brasil. Tem um índice alto de contaminação dos alimentos. Alguns estudos apontam o Brasil como o maior consumidor de agrotóxicos do mundo, e a gente não vê uma política para reduzir isso.
Tem também a questão da pulverização aérea, que é problemática. Não tem um controle efetivo das aeronaves. Tem casos fortes de contaminação de comunidades, de pessoas que vivem na área rural.
O presidente do Ibama, Eduardo Fortunato Bim, autorizou o leilão de sete blocos de petróleo localizados em regiões consideradas de alta sensibilidade, como Abrolhos, na Bahia. A PGR tentará reverter a decisão?
A gente teve uma reunião com ele [presidente do Ibama], e ele afirmou que a localização geográfica não interferiria diretamente em Abrolhos. Para dirimir essa dificuldade, a gente pegou toda a documentação e encaminhou para nossa perícia fazer a análise. Vamos esperar a perícia para saber qual é a distância e o impacto em Abrolhos e formar nossa convicção. Em 15 dias a perícia dever ficar pronta.
Que outras ações do governo o sr. considera graves?
Têm nos preocupado as nomeações para o Ibama e o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade). A gente teve vários servidores dos órgãos se manifestando no sentido de que foram afastadas as pessoas que tinham currículo, experiência, conhecimento técnico e foram nomeadas pessoas com uma certa incógnita sobre a experiência e o conhecimento técnico para exercer as funções. Isso é uma coisa que preocupa.
Também preocupa a questão do licenciamento ambiental, que há alguns anos vem sendo objeto de tentativas de simplificação. O governo também está colocando em pauta um procedimento simplificado.
Isto assusta porque a gente acabou de ter um desastre como Brumadinho e talvez um licenciamento ambiental mais robusto pudesse ter evitado o desastre.
É possível destacar alguma medida positiva do atual governo?
Infelizmente, a gente tem poucas medidas positivas na área ambiental há alguns anos. Desde 2010, 2011, o Brasil deixou de ter uma política ambiental robusta, um plano, ações firmes, concretas. E a gente continua sem um planejamento ambiental adequado.
Qual o nível da ameaça ao meio ambiente? É o caso de acionar o botão de pânico?
É preocupante a falta de uma política. Vamos poder mensurar isso brevemente. Ainda nesse ano vamos saber se houve um aumento do desmatamento na Amazônia, no Cerrado, na Mata Atlântica.
Não temos dúvida de que qualquer piora nesses números é consequência dessa série de ações e medidas que vêm sendo tomadas.
A atuação do governo também é criticada fora do país. Quais podem ser as consequências disso?
As grandes empresas exportadoras são cobradas no exterior para que os produtos tenham regularidade ambiental. Se o Brasil fizer uma flexibilização de controle e de ações punitivas e isto repercutir numa produção que tenha relação com crimes ambientais, há um risco grave desses mercados - europeus e norte-americanos - se fecharem para as exportações brasileiras, e a gente pode ter um prejuízo econômico muito grande.
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