Planeta consome recursos 74% mais rápido que consegue regenerar, diz estudo
O planeta Terra entra no cheque especial a partir do dia 29 de julho. Nos 210 primeiros dias de 2019, a humanidade terá consumido todos os recursos naturais que o planeta consegue regenerar em um período de um ano. Isso significa que a velocidade de consumo é 74% maior do que capacidade de a Terra se regenerar.
O cálculo é da Global Footprint Network, organização internacional de pesquisa parceira do WWF, a ONG ambiental; A projeção do Banco Mundial é que serão necessárias três Terras para suprir a demanda por recursos naturais em 2050, quando a população global deve chegar a 9,6 bilhões de pessoas.
"Levando-se em conta que a capacidade de regeneração do período se dê no 210º dia do ano, podemos dizer que a velocidade de consumo é 74% maior que a capacidade de regeneração da Terra", calcula o professor de matemática Thiago Dutra, autor do Sistema Anglo de Ensino.
O dia 29 de julho é a data mais crítica desde que o planeta entrou em déficit ecológico, em 1970. Naquele ano, o consumo ultrapassou em apenas dois dias a capacidade anual de os recursos naturais se regenerarem. Na ocasião, a sobrecarga aconteceu no dia 29 de dezembro.
Dez anos depois, em 1979, essa data já era 29 de outubro. Em 1989, chegava a 11 de outubro. Em 1999, o dia caiu em 29 de setembro, e, em 2009, em 18 de agosto. Somados todos os dias nesses 49 anos, esse déficit somaria 4.493 dias, ou 12,3 anos.
O cálculo leva em consideração quatro fatores principais:
- quanto os ecossistemas são capazes de produzir;
- quantas pessoas existem no planeta;
- quanto essas pessoas consomem;
- com que eficiência os produtos são feitos.
Essa data varia de país para país. O primeiro a "estourar a conta" foi o Catar, no dia 11 de fevereiro. "A produção de petróleo é a razão", explica Alexandre Prado, diretor de Economia Verde do WWF-Brasil. Por esse motivo, os grandes produtores de petróleo encabeçam a lista, como os Emirados Árabes Unidos (8 de março) e o Kuwait (11 de março).
Os Estados Unidos consumiram seus recursos em 15 de março. Portugal fez o mesmo em 26 de maio, nove dias depois que na Inglaterra, em 17 de maio. A Rússia consumiu seus recursos no dia 26 de abril, e a China em 14 de junho. Na Argentina, a data caiu em 26 de junho.
O Brasil entrará no cheque especial em 31 de julho, dois dias depois da média mundial. "Há uma percepção equivocada de que o Brasil é o país que mais preserva o ambiente no mundo", diz Raul do Valle, diretor de Justiça Socioambiental do WWF-Brasil. "No entanto, vamos entrar no cheque especial praticamente junto com o restante do planeta. Temos muito o que fazer."
Em muitos países, a principal razão para a sobrecarga é o crescente nível de consumo, mas no Brasil o principal problema é a queda na capacidade de regenerar os recursos ecológicos consumidos em terras agrícolas, pastagens e áreas de pesca.
Valle recomenda a implementação "com mais rigor" das regras de proteção ambiental construídas ao longo das últimas décadas, "muito frequentemente deixadas de lado". Em maio, por exemplo, a Câmara dos Deputados "desfigurou" o Código Florestal e garantiu desmate a grandes produtores rurais.
Mas o Brasil enfrenta outros desafios. "Transportes e desperdício de alimentos figuram entre as principais razões para a demanda por recursos naturais no Brasil", destaca Prado.
Pesquisa da FGV (Fundação Getulio Vargas) informa que cada família brasileira joga fora 353 gramas de comida todos os dias, um total de 128,8 quilos ao ano. O desperdício de uma família composta por três pessoas em um ano pode ultrapassar R$ 1.002.
Quais as consequências para o planeta?
Quando a Terra entra no cheque especial, os juros são altos. Segundo o estudo, eles vêm na forma de escassez de água potável, erosão do solo, perda de biodiversidade e acúmulo de dióxido de carbono na atmosfera. As inundações aumentam, as secas ficam mais severas, os furacões e os incêndios florestais se intensificam.
Para a economia, isso significa grandes prejuízos e maiores riscos aos investimentos. Para as pessoas, significa preços mais altos dos alimentos, maiores chances de contrair doenças, perder seus bens e até morrer. Estamos deixando o mundo mais sujo, feio e pobre em diversidade de espécies vivas
Raul do Valle, do WWF-Brasil
Um dos grandes vilões, diz o estudo, é a queima de combustíveis fósseis. Cerca de 60% do déficit se devem ao dióxido de carbono (CO2) acumulado na atmosfera e no oceano. "Claro que a produção e consumo de petróleo é o principal fator. Essa indústria produz óleo, gás, diesel, que abastecem aviões, carros e o consumo de energia na Europa. Mas em outros países, como Brasil, a emissão de CO2 está muito vinculada à criação de gado", afirma Prado.
Responsabilidade compartilhada
Para os especialistas "plantar uma árvore" é sempre uma boa alternativa para começar a recompor o que é consumido. "Mas também podemos comer menos carne, reduzir os desperdícios", diz Prado.
Essa responsabilidade também cabe às empresas e ao poder público. O especialista sugere que o governo zere o imposto sobre o vidro e taxe o plástico para incentivar as empresas a abandonarem a garrafa pet, por exemplo.
O especialista acredita que somente por meio de leis e incentivos fiscais as empresas passariam a preservar de verdade. "Acho um absurdo que a garrafa pet ainda seja usada. Mas isso acontece porque o plástico é um subproduto do petróleo e tem custo tão baixo que inviabiliza até sua reciclagem", diz.
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