Com saneamento privado, Manaus e Tocantins estão abaixo da média nacional
A possibilidade de entregar ao setor privado o controle do fornecimento de água e do tratamento de esgoto no Brasil foi aprovada pelo Senado na última quarta-feira (24). O modelo, no entanto, não apresentou bons resultados em Manaus e no Tocantins, onde os serviços já são privatizados há duas décadas.
Atualmente, quase metade dos brasileiros não tem acesso a saneamento básico --isso é o equivalente a 101 milhões de pessoas, segundo o Instituto Trata Brasil. Mais de 50 milhões não contam nem com coleta de resíduos. A decisão de quarta foi comemorada pelo relator do projeto, o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE). Ele garante que até o final de 2033, 99% da população terá acesso à água tratada e 90% à coleta e tratamento de esgoto.
Mas a promessa de universalização do serviço nem sempre é garantia de bons resultados, a exemplo do que aconteceu na cidade de Manaus e do estado de Tocantins.
Manaus privatizou o setor há exatos 20 anos. Duas décadas depois, apenas 12,5% do esgoto é coletado na cidade e cerca de 600 mil pessoas —o equivalente a 27% da população— não têm acesso à água.
O restante do esgoto, ou 87,5% dele, é despejado no rio Negro, em córregos e igarapés. No ranking de 2018 do Trata Brasil para o saneamento básico, Manaus aparecia como a 5ª pior cidade no país.
A Ageman (Ouvidoria da Agência Reguladora dos Serviços Públicos Delegados do Município de Manaus) divulgou no começo do ano que os serviços de abastecimento de água e esgotamento somaram 91% das reclamações registradas pelo órgão.
"Não é só o setor privado que resolve. Se resolvesse, Manaus não estaria tão mal colocada no ranking depois de décadas da privatização", afirmou ao UOL o presidente da Aesbe (Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento), Marcus Vinicius Neves.
Já é a terceira empresa que passa por ali, mas a cidade segue como uma das piores do Brasil. Demonstra que a privatização sozinha não resolve o problema
Marcus Vinicius Neves, presidente da Aesbe
Ao UOL, a Aegea Saneamento afirma que desembolsou R$ 296 milhões "em pouco mais de dois anos", quando assumiu a concessão. Ela diz que 98% da população é atendida com água tratada e que aumentou a capacidade de reserva "para atender 100% da população".
Sobre o sistema de esgoto, "os índices atuais representam 20%", um aumento de 7,7% desde que assumiu. A empresa promete investir "R$ 3 bilhões na cidade"; sendo R$ 880 milhões nos primeiros cinco anos, ampliando a coleta "para 80% da população até 2030".
Governo reassumiu no Tocantins
No Tocantins, a experiência com a privatização também não gerou bons resultados. A principal companhia de saneamento do estado, responsável pela grande maioria dos municípios, era a Saneatins, privatizada em 1998 após aquisição do Grupo Odebrecht. Depois, teve seus ativos vendidos novamente pela construtora e hoje chama-se BRK Ambiental —autointitulada a maior empresa privada de saneamento básico do país.
O modelo tornou-se insustentável em 2010, quando o governo do estado teve de realizar um acordo com a empresa e criar uma autarquia (espécie de empresa pública), a Agência Tocantinense de Saneamento (ATS). O contrato foi colocado em prática em 2013, e a estatal assumiu os serviços de saneamento de 78 dos 139 municípios do estado.
A ATS também tem de cuidar das quase 300 mil pessoas que vivem na zona rural —área que demanda mais investimentos. Já a Odebrecht Ambiental (hoje BRK) ficou responsável por 47 cidades, entre as mais populosas —e lucrativas— do estado, incluindo a capital, Palmas. Hoje, apenas 36,6% dos moradores do Tocantins têm acesso à rede de esgoto, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) de 2019.
O modelo adotado foi uma espécie de prévia do que a nova norma estabelece: a formação de grupos de municípios para negociar os contratos de licitação com as empresas de saneamento. Como ocorreu no Tocantins, os grupos têm especificidades diferentes (áreas rurais e com moradias irregulares, por exemplo) e perspectiva de lucro também distintas.
Os blocos criados a partir da nova lei seriam autarquias intermunicipais, e as cidades não precisam ser necessariamente vizinhas. Há temor de que os blocos menos atrativos sejam preteridos pelas empresas privadas, e apenas as grandes cidades sejam atendidas.
O novo marco regulatório usou o exemplo do Tocantins, atirando no Artigo 11 b que a empresa pode devolver parte do trabalho para o município. Se não é viável para o privado, não será para o público.
Marcus Vinicius Neves, presidente da Aesbe
Neves defende que "uma política pública de saneamento por meio de uma parceria de público e privado não se resolve nem com um nem com outro, mas com ambos."
O deputado Mecias de Jesus (Republicanos), um dos poucos alinhados à direita que foi contrário ao projeto, demonstrou preocupação com a formação de blocos de municípios e alertou para as fissuras que esse tipo de organização de investimento pode causar. Para ele, o "filé" vai ficar com as empresas privadas, enquanto o interior ficará "à mercê".
As cidades do interior "dependerão de investimentos públicos federais ou do estado, e sabemos que neste momento não há recursos disponíveis", disse Jesus, durante a votação que selou a aprovação das mudanças no marco do saneamento.
Em nota, a BRK Ambiental afirmou que "o novo marco legal do saneamento vai permitir ampliar a competitividade e aumentar a segurança jurídica aos agentes do setor, que têm capacidade de aportar os R$ 700 bilhões necessários para garantir a universalização dos serviços de água e esgoto no país até 2033, conforme a meta nacional."
No Tocantins, a empresa diz que opera cidades de diferentes tamanhos e populações, com uma política de tarifa unificada para todos os locais. "O sistema de tarifa única para todo o Estado funciona como um importante dispositivo para universalizar o serviço em municípios e bairros que não teriam condições de arcar com o custo necessário para adquirir água e esgoto, por conta do desequilíbrio econômico e social."
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