Estatizar água é uma das principais promessas de candidatos às constituintes
Santiago, 13 mai (EFE).- Rosalba Quiróz vem de uma família de pequenos pecuaristas de Petorca, cidade rural no centro do Chile, e enfrenta grandes dificuldades em sua casa simples, às margens de um leito seco do rio. Quase não sai água da torneira, e contar o tempo do banho se tornou obrigatório há vários anos.
Este cenário é cada vez mais comum no país, onde o recurso é privatizado, e milhares de residências não têm água encanada. A questão se tornou uma das protagonistas das eleições constituintes deste fim de semana. Centenas de candidatos prometem a "libertar a água das mãos privadas e garantí-la como um "direito humano".
"A pouca água que sobra é tirada pelos grandes fazendeiros, eles tiram tudo da gente, mas não queremos sair do campo, porque é a nossa vida", lamentou a mulher, que recebe 50 litros de água por dia em uma caminhão-pipa, quantidade que a fez desistir de cultivar ou criar animais.
O agronegócio, em grande parte administrado por consórcios familiares de empresários ou políticos, já deu origem a mais de 3.200 casas neste município sem água, de acordo com Carolina Vilches, candidata a constituinte e coordenadora do Gabinete de Águas e Assuntos Ambientais de Petorca.
É assim que este lugar, por onde um dia correu um poderoso rio, se tornou "uma terra de contrastes": em meio a uma paisagem desolada, típica do deserto, erguem-se exuberantes florestas de abacate, cultivadas com a água que não está disponível aos próprios moradores.
"LIBERTEM A ÁGUA".
Do total de 1.373 candidatos às eleições constituintes, 539 apoiaram a iniciativa "Libertem a Água", promovida pelo Greenpeace Chile, e se comprometeram a rever o modelo de propriedade da água na nova Constituição, um clamor que se popularizou durante a crise social que atingiu o país em 2019.
O Chile é um dos países com o maior nível de privatização da água no mundo: estima-se que 80% dos recursos hídricos do país pertencem a proprietários privados, principalmente empresas agrícolas, de mineração e de energia.
"O acesso à agua é uma das grandes desigualdades deste país. Que seja garantida para consumo humano é o maior desafio constituinte", disse à Agência Efe Matías Asun, diretor nacional do Greenpeace no Chile.
Foi justamente a atual Constituição - junto com o Código de Águas, ambos herdados da ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990) - que concedeu a particulares direitos de uso gratuito e perpétuo que hoje são comprados e vendidos no livre mercado.
Posteriormente, no retorno do país à democracia, foram privatizadas as companhias de abastecimento de água.
O modelo não prioriza a água para consumo humano, ao contrário do que recomenda as Nações Unidas, e os preços são os mais altos da região: sete das dez cidades da América Latina com água mais cara estão no Chile, segundo estudo da Fundação Aquae.
"Hoje, 33% dos aquíferos têm mais direitos vendidos do que a quantidade de água que corre por sua bacia. Eles estão esvaziando todas as reservas do país", lamentou Asun.
A governança da água é uma das principais origens da crise hídrica do Chile, segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) e está colocando os pequenos agricultores "em situação de vulnerabilidade".
Por outro lado, um relatório do centro de estudos Libertad y Desarrollo aponta que o fato de os direitos da água serem livremente negociados "tem permitido um uso mais eficiente do recurso na mineração, principal indústria do país".
PIOR SECA EM DÉCADAS.
O Chile vive a maior seca de todo o hemisfério ocidental, que afeta 76% da população chilena. De acordo com um estudo da Universidade do Chile, as reservas de água cairão pela metade nas regiões central e norte do país antes de 2060.
Para combater a escassez, o atual governo anunciou em março o projeto de criação de um Ministério de Obras Públicas e Recursos Hídricos e anunciou um investimento equivalente a R$ 340 milhões.
Alejandro Sepúlveda, engenheiro e promotor da iniciativa hídrica Medidor Inteligente, disse à Efe que é essencial "desenvolver infraestrutura e um plano para lidar com a seca", mas que incorporar o direito à água na Carta Magna é "um bom começo".
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