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Pandemia tornou necessária importação dos EUA, diz empresa acusada

Marco Dalla Stella, Mathilde Berg Utzon, Sheridan Wall, Giannina Segnini, da Columbia Journalism Investigations

Rubens Valente, Colunista do UOL

28/01/2022 04h00Atualizada em 28/01/2022 17h22

Os advogados da empresa Jaepel afirmam, em petição protocolada em um processo na Justiça Federal de Santos que discute o destino dos contêineres dos EUA, que essas remessas se tornaram necessárias devido à interrupção no fornecimento de papel reciclável de estabelecimentos comerciais e industriais e à diminuição da coleta de recicláveis durante a pandemia.

"A impetrante [Jaepel] não faz parte de qualquer movimento ou organização voltada a contrariar a legislação e prosseguir com a importação de resíduos", diz o advogado na petição. "Existem dados suficientes aptos a demonstrar que a importação surge como a única alternativa capaz de manter a produção, no contexto excepcional da pandemia e diante dos obstáculos impostos no mercado interno."

De janeiro a abril de 2021, as empresas no Brasil importaram mais de 10 vezes a quantidade de aparas de papel em relação ao mesmo período de 2019, com as importações começando a aumentar no final de 2020, de acordo com os últimos dados comerciais publicados pela Organização das Nações Unidas (ONU Comtrade). Parte desse aumento foi impulsionada pela maior demanda por embalagens de varejistas on-line, um fenômeno às vezes chamado de "efeito Amazon".

As importações de aparas de papel também aumentaram em alguns outros grandes países produtores de papel ao longo dos dois anos da pandemia, segundo a ONU Comtrade. De janeiro a abril de 2021, as importações do material para o Canadá aumentaram cerca de 90 vezes em relação ao mesmo período de 2019.

Em nota à imprensa, a Empapel (Associação Brasileira de Embalagens em Papel), afirma que "até março de 2020, as vendas pela internet representaram 5,8% do que foi comercializado no varejo digital e fecharam o ano com crescimento de 68%, devido ao isolamento social e mudanças na pandemia [de] covid-19".

Organização de análise de mercado amplamente utilizada, a Fastmarkets RISI confirmou um aumento nos preços do papelão. No Sudeste do Brasil, em julho de 2020 o custo de uma tonelada de papelão usado foi de R$ 775, ou cerca de US$ 137. Em maio de 2021, esse preço mais que dobrou, atingindo R$ 1.950 (US$ 346).

"A pandemia de covid-19 e o comércio eletrônico reduziram a eficiência de reciclagem de papel", respondeu por e-mail Hanna Zhao, economista sênior da Fastmarkets RISI sobre fibra reciclada ou papel recuperado. "Portanto, as fábricas brasileiras de embalagens de papel passaram a importar grandes quantidades de papel recuperado, principalmente dos EUA, para atender à sua demanda de fibras no final de 2020."

As importações de resíduos de papel também aumentaram em alguns outros grandes países produtores de papel ao longo dos dois anos da pandemia, segundo dados da ONU Comtrade. Em 2021, o Reino Unido comprou cerca de 18 vezes a quantidade de resíduos de papel em relação a 2019 e, no Canadá, as importações aumentaram mais de 500 vezes no mesmo período.

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Lixo misturado com papelão encontrado em contêineres importados pela Jaepel Papéis
Imagem: Reprodução

Caso anterior

Embora a pandemia tenha exacerbado a necessidade de mais resíduos de papel, empresas no Brasil já foram penalizadas no passado por importar papel contaminado dos EUA. Uma delas foi a Smurfit Kappa. Em 2020, as autoridades pararam 65 de seus contêineres no porto do Rio Grande do Sul que transportavam 1,1 tonelada de resíduos misturados com papel provenientes de Fort Lauderdale, na Flórida.

Os contêineres foram enviados pela empresa nos EUA para sua subsidiária no Brasil. As autoridades indicaram que os resíduos incluíam uma "abundância de vários tipos de plásticos, metais e caixas de materiais perigosos e tóxicos", incluindo resíduos hospitalares, materiais de construção, peças de computador usadas e toners de impressora. A Furg (Universidade Federal do Rio Grande) analisou o material e determinou que ele era tóxico e provavelmente perigoso.

O Ibama informou nesta sexta-feira (28) que confirmou que "a carga tinha características comparáveis aos resíduos sólidos domiciliares, cuja importação é proibida pela Convenção de Basileia, bem como por outros normativos nacionais".

A subsidiária brasileira da Smurfit Kappa foi multada em cerca de US$ 124 mil. No entanto, o porta-voz da empresa se recusou a comentar e respondeu, por e-mail, que "sem informações para compartilhar". O Ibama informou que "todos os contêineres apreendidos foram devolvidos ao importador entre abril de 2020 e janeiro de 2021", que a empresa "passou por audiência de conciliação e a multa foi paga pelo importador". A quitação ocorreu em novembro de 2021 no valor de R$ 321.400,58, cerca de US$ 59,6 mil ao câmbio desta sexta-feira (28). De acordo com o Ibama, "o processo encontra-se encerrado".

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A Jaepel nega que tenha contrariado a legislação para prosseguir a importação de resíduos
Imagem: Sergio Lima / UOL

Novos destinos

Ambientalistas temem que mudanças no mercado de recicláveis tragam ameaças ambientais a novos destinos de lixo doméstico, como aconteceu recentemente no sudeste asiático.

Na Indonésia, enormes lixões ao ar livre surgiram nos últimos anos ao lado de fábricas de papel, à medida que os fluxos de resíduos de papel dos países ocidentais se intensificaram após a proibição da China de importação da maioria dos tipos de resíduos em 2018. Ativistas locais relatam a degradação ambiental atribuída a esses lixões, incluindo poluição hidroviária e de frutos do mar.

"É como o jogo de whack-a-mole [no qual o jogador tem que acertar com uma marreta uma figura que aparece]", disse Jim Puckett. "Infelizmente, se você conseguir parar isso muito bem em algum lugar, ele vai aparecer em outro."

"O resultado do comércio transfronteiriço de resíduos é que, na melhor das hipóteses, os resíduos chegam limpos ao seu destino", escreveu Tangri no e-mail. No entanto, "a limitada capacidade logística e de reciclagem dos países receptores não permite que os resíduos sejam reciclados, e acabam sendo queimados, depositados em locais não autorizados ou em cursos d'água com consequências ao meio ambiente e à saúde pública".

*Esta reportagem é uma parceria entre o núcleo investigativo do UOL e a Columbia Journalism Investigations, a unidade de reportagem investigativa da Columbia Journalism School.

**Colaborou o jornalista Luiz Fernando Toledo, da Columbia Journalism School.