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OPINIÃO

2 de Outubro: Bolsonaro e sua gangue vão nadar numa piscina de sangue?

O presidente Jair Bolsonaro na cerimônia de 1.000 dias do governo - Marcos Corrêa/PR
O presidente Jair Bolsonaro na cerimônia de 1.000 dias do governo Imagem: Marcos Corrêa/PR

02/10/2021 04h00

Neste sábado, 2 de outubro de 2021, dia em que o Massacre do Carandiru completa 29 anos, haverá manifestações em todo país pelo impeachment do presidente Jair Bolsonaro. Ele é o mesmo que disse o seguinte:

A PM devia ter matado 1000 e não 111" Entre a vida de um policial e mil vagabundos, ou 111 vagabundos - que é um número bastante emblemático - eu fico com aquele policial militar contra 111 vagabundos

A frase foi dita em 1997 quando o então deputado federal Bolsonaro defendia a aprovação pelo Congresso da lei do excludente de ilicitude. Ele já manifestou mais de uma vez a vontade de perdoar policiais envolvidos no massacre de Eldorado dos Carajás, do Carandiru e Ônibus 174.

Bolsonaro parece se cercar de quem pensa parecido. Michel Temer, o mesmo da cartinha salvadora ao STF, assumiu a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo cinco dias após o massacre. Disse que "os militares envolvidos em confrontos como os do Pavilhão 9 (...) merecem repousar (...) O choque do dia-a-dia é uma tarefa ingrata e eles precisam de repouso e meditação".

Relacionar Bolsonaro, seu governo e seus apoiadores ao massacre do Carandiru é inevitável. No lugar de Antonio Fleury Filho, governador paulista que autorizou a invasão, Bolsonaro não só daria a ordem. Entraria com os assassinos fardados para brincar de tiro ao alvo com os corpos pretos dos "vagabundos". E no final, reclamaria da ineficácia, diante do baixo número de mortos.

Neste dia 2 de outubro, em todas as centenas de manifestações contra Bolsonaro que acontecerão no Brasil e no mundo, devemos lembrar o massacre do Carandiru e a memória das 111 vítimas e de suas famílias. E nos desculpar com as centenas de presos e familiares que amargam até hoje sequelas daquela trágica história. E nos responsabilizar pelos quase 750 mil seres humanos aprisionados, quase metade deles sem julgamento.

É obrigação moral dos que, em defesa da democracia, tomarão às ruas neste dia 2 de outubro, que se manifestem também contra a violência do estado, o racismo policial, o sistema de justiça seletivo e racista, o encarceramento em massa, a política de enfrentamento às drogas, as prisões arbitrárias e os recentes e nefastos sistemas de reconhecimento facial que têm levado jovens negros a prisões sumárias em todo país. A crise da população negra com a democracia é permanente e não se inaugura com o governo de Bolsonaro, verdade seja dita.

Por anos o maior presídio da América Latina, o Complexo Penitenciário do Carandiru foi retrato da experiência prisional brasileira, caracterizada pela falta reconhecimento por parte do Estado da humanidade dos corpos ali amontoados.

Carandiru - Niels Andreas/Folhapress - Niels Andreas/Folhapress
Massacre do Carandiru: corredor alagado de sangue no pavilhão da Casa de Detenção de São Paulo, após a intervenção da Polícia Militar para conter uma briga de presos no Pavilhão 9. Na ocasião, 111 detentos foram assassinados.
Imagem: Niels Andreas/Folhapress

O Pavilhão 9 do Carandiru acolhia, em geral, jovens, que cometeram crimes de baixo teor ofensivo e foram presos pela primeira vez. Naquela primeira sexta-feira de outubro de 1992, aquelas pessoas brigaram. A alternativa adotada por Fleury foi ordenar o coronel da polícia militar, Ubiratam Guimarães, a entrar no Pavilhão com homens altamente armados para promover uma das maiores carnificinas da história do Estado brasileiro.

Os anos passaram, o coronel Ubiratam Guimarães e os policiais envolvidos nas mortes foram julgados, condenados, mas nunca cumpriram suas penas. Em 2018, o Tribunal de Justiça de São Paulo anulou as sentenças e determinou novo julgamento. Até hoje, as famílias não receberam qualquer satisfação ou reparação. A vida seguiu o seu cotidiano ordinário, colonial e racista.

Espaços de guerra — uma guerra racial—, as prisões brasileiras continuam superlotadas. Dados de 2019 do Sistema do Departamento Penitenciário Nacional mostra que 64% dos quase 750 mil presos no Brasil são negros. Do total, 54% das pessoas condenadas têm idade de 18 a 29 anos e só 51% terminaram o Ensino Fundamental. A maior parte foi enquadrada por crimes relativos à Lei de drogas e contra o patrimônio. Uma minoria responde por crimes e contra a vida.

A maior parte das pessoas assassinadas em 2 de outubro de 1992 também era jovem, negra e com baixa escolaridade. Este é o perfil dos 60 mortos no Complexo de Pedrinha (MA), em 2013; dos 27 mortos por decapitação na Penitenciária de Alcaçuz, Nísia Floresta (RN), em 2017; dos 22 mortos no Centro Penitenciário de Recuperação do Pará (PA), em 2018. Espaço da desordem, o calabouço brasileiro é onde se constrói uma mancha acinzentada sobre os sentidos da política. Assim como nos territórios coloniais, o controle e as garantias da ordem judicial nas prisões de hoje em dia estão suspensos. Com isso, a violência do estado de exceção opera a serviço da "civilização", dos "homens de bem".

Somadas, a experiência da pandemia da Covid-19 e a criminosa gestão do governo Bolsonaro trazem um debate bastante caro para qualquer comunidade: Que democracia é essa que tanto defendemos? Será que entendemos de fato que toda vida é precária e, portanto, devemos garantir condições para a sua sobrevivência? A verdade e a História são valores importantes para centralizar e alimentar as decisões políticas tomadas?

Durante sua campanha eleitoral, Bolsonaro, foi explícito em dizer que selecionaria os valores democráticos com os quais trabalharia, que relativizaria a precariedade da condição humana: mediu em arrobas o peso de uma liderança quilombola; propagandeou o uso de armas de fogo; fortaleceu ideologias vinculadas à segurança pública e ao uso de força; e cristalizou como bandeira a máxima "bandido bom é bandido morto".

Dentre as muitas barbaridades de seu governo apontadas pela CPI da Covid-19, uma delas é simbólica. Em julho, a ex-coordenadora do Programa Nacional de Imunizações Francieli Fantinato relatou que coronel Elcio Franco, à época o secretário-executivo do Ministério da Saúde, vetou a inclusão de pessoas encarceradas no grupo prioritário para a vacinação contra o coronavírus em dezembro de 2020.

A ação é reprovável em múltiplos aspectos. Levando em consideração a superlotação dos presídios e a falta de recursos, a vacinação seria o meio mais efetivo de prevenção da Covid-19. Negar isso deveria parecer algo desumano, mas só se a sociedade considerasse pessoas negras detentoras de humanidade. Não é assim, porém, que as instituições da República ou da Democracia no Brasil parecem interpretar nossa realidade.

Por isso os movimentos negros e de favelas não deixaram de ocupar as ruas e se manifestar durante a pandemia. Mesmo com o risco do vírus, protestos contra a violência policial, por auxílio emergencial e vacinas aconteceram em muitas capitais desde 2020. Em 13 de maio de 2021, a Coalizão Negra por Direitos, em mobilização nacional, colocou milhares nas ruas, o que foi fundamental para o retorno dos movimentos sociais que desembocou nos grandes protestos a partir de 29 de maio contra Bolsonaro. Ainda assim, as esquerdas teimam em não reconhecer as lutas organizadas pelo movimento negro.

"Ratatatá, Bolsonaro e sua gangue vão nadar numa piscina de sangue". A lei do retorno me faz lembrar Racionais MC's. Que a coincidência de as manifestações contra Bolsonaro acontecerem justamente no dia de aniversário do Massacre do Carandiru nos faça refletir sobre a violência do Estado contra pessoas negras. E nos fortaleça para condenar o presidente genocida por tentar fazer do Brasil um imenso Pavilhão 9.