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Conselho da Federação: pilar da reabilitação da democracia brasileira

Na última semana, vivemos um momento histórico para o país. Em 25 de outubro, o presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva participou de reunião de instalação do Conselho da Federação, nova institucionalidade que reafirma e aperfeiçoa o pacto federativo formatado na Constituição de 1988.

O Conselho da Federação — órgão permanente de negociação e pactuação entre União, estados e municípios — tem o potencial de fortalecer as instituições democráticas e institucionalizar a cooperação federativa como norteadora do desenvolvimento de nossa nação.

Os constituintes foram precisos ao destacar, já no primeiro artigo de nossa Constituição, que a República Federativa do Brasil é composta pela união indissolúvel dos estados, municípios e do Distrito Federal.

A autonomia política dos entes federados foi definida no texto constitucional, que também estipulou suas responsabilidades na construção de uma sociedade livre, justa e solidária; na erradicação da pobreza e da marginalização; e na redução das desigualdades sociais e regionais.

Um amplo conjunto destas responsabilidades são comuns aos diversos níveis de governo, caso do cuidado com a saúde e assistência social e da garantia do acesso à cultura, à educação e à ciência.

Ao propor este desenho institucional, os constituintes indicavam a cooperação federativa como principal estratégia para efetivação do rol de direitos sociais previstos em seu texto.

A criação do Conselho da Federação reafirma o compromisso dos entes com o aperfeiçoamento deste pacto constitucional, prerrogativa a ser perseguida pelo chefe do Estado Brasileiro.

Infelizmente, a cooperação não foi a lógica que imperou nos últimos anos. Estamos falando de um governo de Jair Bolsonaro que boicotou estados e municípios desde o primeiro momento em que subiu a rampa do Palácio do Planalto.

Não custa lembrar a edição do Decreto 9.759 de abril de 2019, que extinguiu dezenas de conselhos e comitês participativos, criados para promover a participação da sociedade e das representações de estados e municípios nas decisões sobre políticas públicas nos mais diversos setores.

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Além de afastar-se do diálogo com a sociedade e com estados e municípios, o que vimos do governo anterior foi a adoção da lógica do conflito como modus operandi das relações intergovernamentais.

Tal dinâmica conflituosa resultou no aprofundamento das desigualdades em nosso país, evidenciada pela desconfiguração das políticas de transferência de renda, pela interrupção do financiamento da Assistência Social, pelo boicote ao Programa Nacional de Imunização, por medidas que reduziram a arrecadação de ICMS, dentre vários e vários programas nacionais que foram interrompidos ou desestruturados.

Chegamos ao absurdo de o governo federal questionar, junto ao Supremo Tribunal Federal, a autonomia de estados e municípios em promover ações para combater a pandemia. Num momento em que a cooperação federativa era mais urgente, o governo anterior optou por se eximir e deixar a população brasileira a própria sorte.

Em suma, abandonou sua responsabilidade de cooperação federativa e de coordenação nacional. Não tivéssemos uma República Federativa e a liderança de governadores e prefeitos, talvez os efeitos da pandemia tivessem sido ainda mais catastróficos.

O desmonte de políticas nacionais — comprovada por estudos, sentido desde o início por estados e municípios e, principalmente, pela população mais carente — veio acompanhado de um discurso de responsabilização de governadores e prefeitos.

O Conselho da Federação tem o desafio de pactuar uma agenda de reconstrução e de enfrentar os mais urgentes e estruturais problemas da sociedade brasileira.

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O próprio impulso para sua criação provém da convergência de interesses e reivindicação dos entes federados. Em reunião com todos os governadores após a tentativa do golpe em 8 de janeiro, firmou-se o compromisso de criar esta institucionalidade, para fortalecer nossa democracia e ampliar o diálogo federativo.

O primeiro desafio do Conselho da Federação é restabelecer um ambiente de confiança para o diálogo. Para tanto, é preciso partir da premissa de que o Estado Brasileiro possui centralidade na condução da retomada do crescimento econômico; na promoção do desenvolvimento econômico, social e sustentável; e na redução de desigualdades sociais e regionais.

É fundamental pactuar agendas de curto, médio e longo prazos, conjugando esforços factíveis e capazes de traduzir a cooperação federativa em melhorias na vida da população, sobretudo a mais carente.

Necessário ir além das demandas de cada ente, conhecer a "dor do outro"; vocalizar as diferentes realidades e especificidades inerentes a cada território; e, principalmente, considerá-las nas suas decisões.

Ter uma visão compartilhada das nossas macrorregiões; conhecer seus problemas e oportunidades; comungar de uma visão e uma agenda de temas prioritários para nossa Federação; são construções com potencial de transformar a cultura política federativa brasileira.

O Conselho da Federação é, portanto, uma aposta estratégica. Nesta direção, algumas agendas emergem como estruturais para o aperfeiçoamento do nosso pacto federativo.

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Uma delas diz respeito à insuficiência na oferta e na qualidade dos serviços públicos, resultante de déficits de capacidades do Estado brasileiro. Necessário garantir um padrão mínimo de qualidade do acesso aos direitos pelo cidadão em todo o território nacional.

Não podemos aceitar que o local de nascimento de uma pessoa determine o acesso às oportunidades que ela terá ao longo da sua vida. Um olhar diferenciado para os desiguais precisa ser compartilhado pelos integrantes do Conselho da Federação e considerado em suas decisões.

Neste sentido, aperfeiçoar instrumentos de cooperação federativa, como os Consórcios Públicos; corrigir os mecanismos de equalização fiscal, de modo a tornar a distribuição de recursos mais apropriada às necessidades de cada ente; implementar uma agenda de transformação do estado; garantir qualificação técnica para os servidores públicos; e ampliar o uso de recursos digitais são estratégias com grande potencial de contribuir para melhoria da gestão dos serviços públicos ofertados pelo Estado brasileiro.

O desenvolvimento econômico sustentável e os efeitos da mudança climática também precisam estar no radar do Conselho da Federação, tendo em vista sua relação direta com a melhoria das condições de vida da população. Temas relacionados à reindustrialização e descarbonização, transição energética, proteção ambiental, desenvolvimento regional e defesa civil amplificam essas agendas, permitem incorporar dinâmicas e especificidades regionais e locais e maximizam o sucesso de implementação de políticas nacionais.

A ampliação do acesso aos direitos sociais, combate à pobreza e redução das desigualdades em suas múltiplas dimensões são desafios urgentes da Federação brasileira. Por isso, construir soluções conjuntas para combater a fome e o analfabetismo, ampliar o acesso à educação integral, garantir o ambiente propício para a primeira infância e promover a igualdade de raça e gênero precisam estar no horizonte do Conselho da Federação.

O Conselho da Federação é um instrumento criado para o estabelecimento de compromissos políticos por parte das lideranças e representantes dos poderes executivos da federação. Compromissos que sejam capazes de enfrentar problemas estruturais do nosso país. Sua legitimidade e efetividade dependem da nossa capacidade de diálogo e, principalmente, de nos enxergarmos enquanto nação!

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*André Luis Nogueira da Silva é assessor especial da secretaria-executiva do Conselho da Federação. Doutor em administração pública e governo pela Fundação Getúlio Vargas.

*Elaine Cristina Lício integra a carreira de especialista em políticas públicas e festão governamental, é secretária-executiva do Conselho da Federação. Doutora em política social pela Universidade de Brasília.

*Vicente Carlos y Plá Trevas é sociólogo. Presidente do instituto Amsur e vice-presidente do Conselho Superior da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo.

Esse texto é fruto de parceria entre o Diálogos Públicos, a Anesp e o Gestão, Política & Sociedade.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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