Reinaldo Azevedo

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Opinião

Moraes 1: Impedimento uma ova! Ministro mantém preventivas. Entenda questão

É uma aberração afirmar que o ministro Alexandre de Moraes, do STF, declinou da competência do caso em que ele e sua família são alvos de graves ameaças, mas manteve a prisão preventiva de Raul Fonseca de Oliveira, um fuzileiro naval, e de Oliveirino de Oliveira Junior, seu irmão. Se impedido, Moraes não poderia ter mantido a preventiva; se manteve a preventiva, então não estava impedido. Logo, o que aconteceu? O ministro desmembrou a investigação, dados os crimes apontados na petição da Procuradoria-Geral da República. O desmembramento decorre do excesso de zelo, não de uma imposição legal, como explicarei aqui.

Leiam em texto específico as mensagens nauseantes de Raul e Oliveirino. Paulo Gonet, procurador-geral da República, pediu a prisão preventiva da dupla acompanhada de duas outras medidas cautelares: "apreensão, quebra de sigilo de dados telemáticos e interceptação e quebra de sigilo de dados telefônicos".

Ao fazê-lo, escreveu Gonet:
"Para além dos crimes de ameaça (art. 147 do Código Penal) e perseguição (art. 147-A), as condutas aqui analisadas caracterizam, a toda evidência, o crime de abolição do Estado Democrático de Direito (art. 359-L do Código Penal). Há, ainda, indícios de que atos preparatórios para crimes ainda mais graves (como sequestro, tortura e homicídio) possam estar em curso, inclusive com o monitoramento e vigilância das vítimas.
A gravidade das condutas não pode ser desconsiderada, sobretudo pela contemporaneidade das ameaças proferidas, pela formação militar do investigado RAUL FONSECA DE OLIVEIRA e pela possibilidade de que OLIVEIRINO DE OLIVEIRA JUNIOR esteja envolvido no monitoramento das vítimas."

Como resta claro na petição da PGR, investigam-se três crimes. Moraes decidiu, então:
"1) MANTENHO a investigação relacionada ao crime previsto no art. 359-L do Código Penal na presente PET 12604, em face da absoluta conexão com os Inquéritos 4.781, 4920, 4921, 4922 e 4923, e DETERMINO a imediata remessa dos autos à Polícia Federal para que, no prazo de 15 (quinze) dias, apresente os laudos referentes aos aparelhos apreendidos durante a operação policial;

2) MANTENHO AS PRISÕES PREVENTIVAS de RAUL FONSECA DE OLIVEIRA (...) e OLIVERINO DE OLIVEIRA JUNIOR pela infração penal prevista no art. 359-L do Código Penal, nos termos do arts. 312 c/c 316, parágrafo único, ambos do Código de Processo Penal;

3) Nos termos do art. 252, IV, do Código de Processo Penal, indico meu IMPEDIMENTO em relação aos crimes previstos nos arts. 147 (ameaça) e 147-A (perseguição) do Código Penal e DETERMINO A EXTRAÇÃO DE CÓPIAS INTEGRAIS COM IMEDIATA REDISTRIBUIÇÃO PARA A REALIZAÇÃO DESSA INVESTIGAÇÃO, observado o disposto nos arts. 67, § 3º, c/c art. 10, do Regimento Interno do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL."

TRADUZINDO
1) As ameaças e perseguição ao ministro e familiares são condutas em si mesmo criminosas (Artigos 147 e 147-A do Código Penal), mas também são instrumentos de outro crime: abolição do estado de direito (Artigo 359-L do CP);

2) na condição de relator dos inquéritos 4.781(o das "fake news" contra o STF) e 4920, 4921, 4922 e 4923 (todos relativos aos atos de 8 de janeiro de 2023), Moraes segue relator e mantém, depois da custódia, a prisão preventiva dos dois investigados.

Atenção! Falar de impedimento, nesse caso, seria uma estupidez porque, como evidencia Gonet em sua petição, "para além dos crimes de ameaça (art. 147 do Código Penal) e perseguição (art. 147-A), as condutas aqui analisadas caracterizam, a toda evidência, o crime de abolição do Estado Democrático de Direito (art. 359-L do Código Penal)."

3) O ministro determina o desdobramento do inquérito -- e não o faz de ofício porque a própria petição da PGR contempla tal possibilidade -- para a investigação dos crimes de ameaça e perseguição e a sua redistribuição, conforme o Artigo 10 do Regimento Interno do STF, entre os ministros da Primeira Turma do tribunal.

EXCESSO DE ZELO, NÃO UMA IMPOSIÇÃO LEGAL
Os inimigos do Supremo são muitos hoje em dia. A tese que se espalhou por aí de que Moraes deveria declinar da competência esbarra em uma omissão e em uma aberração.

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Como efeito, dispõe o Inciso IV do Artigo 252 do Código de Processo Penal:
"Art. 252. O juiz não poderá exercer jurisdição no processo em que:
IV - ele próprio ou seu cônjuge ou parente, consanguíneo ou afim em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, for parte ou diretamente interessado no feito."

Então ele estaria forçado a passar a questão adiante, Reinaldo?

Resposta: não!

Basta que nos atenhamos aos termos da petição da PGR. Fica evidente que ameaça e perseguição são, no caso, crimes instrumentais para impedir o livre exercício do Poder Judiciário. Cito:
"O conteúdo das mensagens, com referências a 'comunismo' e 'antipatriotismo', evidencia com clareza o intuito de, por meio das graves ameaças a familiares do Ministro Alexandre de Moraes, restringir o livre exercício da função judiciária pelo magistrado do Supremo Tribunal Federal à frente das investigações relativas aos atos que culminaram na tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito em 8.1.2023"

ENTENDERAM?
O objetivo último dos criminosos não era cometer uma série de atos contra o ministro e familiares, ainda que manifestem, sim, a intenção de fazê-lo, mas, por meio deles, intimidar o magistrado, impedindo a efetividade da Justiça e atentando, pois, contra o estado de direito.

Se Moraes abrisse mão da competência também no que respeita ao Artigo 359-L, então a dupla já poderia se dizer parcialmente bem-sucedida na tentativa de abolir o estado de direito

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Assim, a omissão de alguns "analistas" — ignorar a petição da PGR — resulta na defesa de uma aberração: fazer a vontade dos delinquentes.

ABERRAÇÃO DAS ABERRAÇÕES
Os inimigos do Supremo, bolsonaristas arreganhados ou enrustidos, perderam qualquer senso de compostura. Seu herói nada secreto é Donald Trump. Ora, se, no caso em questão, Moraes deveria ter se dado por impedido porque o atentado ao estado de direito se dá por meio de ameaça a si e à família, então bastará, doravante, golpistas ameacem os 11 ministros dos Supremo para manietar o tribunal inteiro. Nesse caso, a manchete será:
"Golpistas ameaçam os 11 membros do STF e impedem tribunal de atuar no caso".

Se acontecesse, seria um momento lindo, não é mesmo?

Estariam esses nobres pensadores a dizer que o tribunal cometeu uma arbitrariedade, por exemplo, contra Daniel Silveira? Ali, o alvo era o tribunal inteiro, certo? Lembro, adicionalmente, que a graça concedida por Jair Bolsonaro foi declarada inconstitucional.

Já sei: esses valentes defensores do "estado de direito contra os superpoderes de Alexandre" já elegeram o novo Poder dos Poderes, a nova Corte das cortes: os supermagistrados são Raul Oliveira, Oliveirino Oliveira e Daniel Silveira.

Não por acaso, no que respeita à suspeição, dispõe o Artigo 256 do mesmo Código de Processo Penal:
"Art. 256. A suspeição não poderá ser declarada nem reconhecida, quando a parte injuriar o juiz ou de propósito der motivo para criá-la."

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Não fosse assim, já imaginaram? Bastaria ao réu armar um barraco contra o juiz em frente à sua casa, no supermercado ou no trânsito para berrar: "Ele não pode arbitrar o caso em que estou envolvido; é meu inimigo íntimo".

Alguns dos nossos pensadores querem transferir ao bandido o poder de declarar o impedimento dos juízes.

CONCLUO
Ainda assim, no que respeita aos crimes de ameaça e perseguição, Moraes declinou de sua competência. Considerando o conjunto da obra, conforme o exposto, é uma concessão, não uma imposição legal.

Haverá, assim, um novo relator para esses crimes. Dadas as circunstâncias expostas na petição da PGR, nada impede que se decrete uma nova prisão. Sendo distintos os bens tutelados, por que não?

Em vez de uma preventiva, duas. Vou achar bom.

LEIA MAIS:
- Moraes 2: Ameaças e provável monitoramento até do interior de um edifício

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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