Deputados fazem "ramerrame" e não discutem a verdadeira questão do salário mínimo, diz Raul Velloso
Vários discursos, argumentos em favor ou contra este ou aquele valor do salário mínimo (os R$ 545 propostos pelo governo ou os R$ 560 reivindicados pela oposição) e muito jogo para a plateia em busca dos holofotes para mostrar que lutam pelos interesses dos trabalhadores brasileiros tomaram conta do plenário da Câmara dos Deputados nesta quarta-feira, com transmissão ao vivo pela internet. Mas o Executivo federal e o Congresso Nacional perderam mais uma vez a oportunidade de por o dedo na ferida e ou ao menos pensar em tentar resolver o dilema de todos os anos: o atrelamento do salário mínimo aos benefícios previdenciários e assistenciais.
"Essa mistura é o grande mal que precisa ser discutido, mas a classe política não quer observar isso", afirmou, em entrevista ao UOL Notícias, o economista Raul Velloso, especialista em contas públicas. Para ele, o que se viu nas discussões no plenário da Câmara foi um "ramerrame" (repetição fastidiosa, ruído excessivo e monótono, nas definições do dicionário Houaiss).
"O grande drama é que os benefícios mínimos estão atrelados ao salário mínimo. Hoje, a quantidade desses benefícios totaliza uns 30 milhões, falando só da União, sem contar Estados e municípios. Tudo isso fica oneroso para o governo. Esse é o grande mal que precisa ser discutido: essa mistura. As exposições dos parlamentares na Câmara trataram apenas de defender ou atacar esse ou aquele valor, sem mencionar a questão de fundo. Devemos atrelar ao salário mínimo os valores dos benefícios? Não! Essa é a resposta."
Velloso explica: "Essa mistura do salário mínimo com os benefícios resulta numa mistura de uma questão de mercado de trabalho com a questão das contas públicas. É por isso que a discussão se limita a isso que vimos na Câmara, se o valor é alguns reais a mais ou a menos, se dá ou não dá para pagar. Essa discussão é irrelevante. O que é preciso é tratar a questão do benefício mínimo como questão puramente de política fiscal, e não de mercado de trabalho. Se houvesse essa separação e o salário mínimo fosse aplicado só ao mercado de trabalho, os parlamentares poderiam lembrar que um aumento maior poderia acarretar por exemplo crescimento do número de desempregados, pois as empresas podem usar e usam esse fato como meio de reduzir o impacto em suas contas. É uma pena que a discussão se perca nesse ramerrame puramente, com os deputados se acusando mutuamente. O Brasil perde a oportunidade de fazer uma discussão mais profunda sobre as verdadeiras necessidades do país."
Velloso explica: "Essa mistura do salário mínimo com os benefícios resulta numa mistura de uma questão de mercado de trabalho com a questão das contas públicas. É por isso que a discussão se limita a isso que vimos na Câmara, se o valor é alguns reais a mais ou a menos, se dá ou não dá para pagar. Essa discussão é irrelevante. O que é preciso é tratar a questão do benefício mínimo como questão puramente de política fiscal, e não de mercado de trabalho. Se houvesse essa separação e o salário mínimo fosse aplicado só ao mercado de trabalho, os parlamentares poderiam lembrar que um aumento maior poderia acarretar por exemplo crescimento do número de desempregados, pois as empresas podem usar e usam esse fato como meio de reduzir o impacto em suas contas. É uma pena que a discussão se perca nesse ramerrame puramente, com os deputados se acusando mutuamente. O Brasil perde a oportunidade de fazer uma discussão mais profunda sobre as verdadeiras necessidades do país."
Nas contas da União, estão atrelados ao salário mínimo o seguro-desemprego, a Lei Orgânica de Assistência Social e a Previdência Social. As despesas com benefícios previdenciários no Brasil hoje são da ordem de 7% do PIB e, segundo estudos, podem subir para 10% do PIB em dez anos se a política de ganhos reais elevados continuar. A política de expansão do salário mínimo gera gastos públicos automáticos de quase R$ 300 milhões para cada R$ 1 de aumento no mínimo.
Na visão de Raul Velloso, falta vontade política para tratar a questão. "Não estão querendo discutir esse modelo de crescimento do gasto público. Quanto mais atrela, mais o gasto cresce. Porque o previsto sempre é o número de eleitores que estão sendo beneficiados pela visão 'atrelista' do gasto, sem pensar no equilíbrio das contas, que daria mais força para combater a inflação e para a economia do país. A classe política não quer observar que é preciso fazer isso, por mais que alertemos o assunto o tempo todo na mídia."
Cortes no Orçamento
O economista faz uma avaliação não muito animada da forma como o governo Dilma Rousseff está tratando as contas públicas em seus primeiros meses de governo. "Por enquanto, a impressão que dá é que o governo está seguindo a agenda convencional que se vê nos últimos anos. Assim como no caso do salário mínimo, o governo toma a decisão de como reagir de acordo com a agenda dos acontecimentos. O governo se posiciona de uma forma defensiva. Não tem e não demonstra querer ter um plano de voo que permita uma avaliação de tempos em tempos. O governo age ao sabor dos momentos."
Tal comportamente ele viu, por exemplo, no recente anúncio de cortes no Orçamento federal. "Como todos os anos se faz isso. Vemos um esforço para adaptar o orçamento à realidade. Ao fazer esse trabalho, aparece a discussão dos cortes e se decide quanto vai ser cortado. Não se trata de planejamento estratégico. Estamos andando ao sabor do calendário, sem plano de ação. Como é a campanha eleitoral no Brasil, um momento bastante distorcido, onde não se discutem os problemas a fundo. Depois, acontece isso: o governo reage conforme o momento, conforme a reação A ou B. Eu vi por exmeplo o líder do governo, Romero Jucá, falando de reforma tributária nesta semana, que tipo de reforma seria feita, e ele falava na possibilidade da recriação da CPMF como uma das etapas dessa reforma. Então, é assim que caminhamos, fazendo balões de ensaio, sem nenhum planejamento estratégico."
"Tem sido assim nos governo anteriores também. No governo Fernando Henrique, por exemplo, houve uma sequência de crises que serviam como justificativa de dificuldade para fazer as reformas, para se adotar um certo tipo de ação. Infelizmente, não tenho esperança de que esse comportamento mude na política brasileira. Esse é o estilo. A tradição política do Brasil não combina com planejamento, infelizmente."
Na visão de Raul Velloso, falta vontade política para tratar a questão. "Não estão querendo discutir esse modelo de crescimento do gasto público. Quanto mais atrela, mais o gasto cresce. Porque o previsto sempre é o número de eleitores que estão sendo beneficiados pela visão 'atrelista' do gasto, sem pensar no equilíbrio das contas, que daria mais força para combater a inflação e para a economia do país. A classe política não quer observar que é preciso fazer isso, por mais que alertemos o assunto o tempo todo na mídia."
Cortes no Orçamento
O economista faz uma avaliação não muito animada da forma como o governo Dilma Rousseff está tratando as contas públicas em seus primeiros meses de governo. "Por enquanto, a impressão que dá é que o governo está seguindo a agenda convencional que se vê nos últimos anos. Assim como no caso do salário mínimo, o governo toma a decisão de como reagir de acordo com a agenda dos acontecimentos. O governo se posiciona de uma forma defensiva. Não tem e não demonstra querer ter um plano de voo que permita uma avaliação de tempos em tempos. O governo age ao sabor dos momentos."
Tal comportamente ele viu, por exemplo, no recente anúncio de cortes no Orçamento federal. "Como todos os anos se faz isso. Vemos um esforço para adaptar o orçamento à realidade. Ao fazer esse trabalho, aparece a discussão dos cortes e se decide quanto vai ser cortado. Não se trata de planejamento estratégico. Estamos andando ao sabor do calendário, sem plano de ação. Como é a campanha eleitoral no Brasil, um momento bastante distorcido, onde não se discutem os problemas a fundo. Depois, acontece isso: o governo reage conforme o momento, conforme a reação A ou B. Eu vi por exmeplo o líder do governo, Romero Jucá, falando de reforma tributária nesta semana, que tipo de reforma seria feita, e ele falava na possibilidade da recriação da CPMF como uma das etapas dessa reforma. Então, é assim que caminhamos, fazendo balões de ensaio, sem nenhum planejamento estratégico."
"Tem sido assim nos governo anteriores também. No governo Fernando Henrique, por exemplo, houve uma sequência de crises que serviam como justificativa de dificuldade para fazer as reformas, para se adotar um certo tipo de ação. Infelizmente, não tenho esperança de que esse comportamento mude na política brasileira. Esse é o estilo. A tradição política do Brasil não combina com planejamento, infelizmente."
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