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Leia a transcrição da entrevista de Alexandre Padilha à Folha e ao UOL

Do UOL Notícias, em Brasília

19/11/2011 07h00

O ministro da Saúde, Alexandre Padilha (PT), participou do programa "Poder e Política - Entrevista", conduzido pelo jornalista Fernando Rodrigues. A gravação ocorreu em 17.nov.2011 no estúdio do Grupo Folha em Brasília. O projeto é uma parceria do UOL e da Folha.

Leia a transcrição da entrevista e assista ao vídeo na íntegra:


>>Fotos da entrevista com Alexandre Padilha.

Narração de abertura: O ministro da Saúde, Alexandre Rocha Santos Padilha, tem 40 anos. É médico formado pela Unicamp, a Universidade Estadual de Campinas.

Filiado ao PT, Padilha nunca ocupou cargo eletivo. Participou das campanhas de Lula à Presidência da República em 89 e em 94 e da campanha de Dilma em 2010.

No governo Lula, foi subchefe de Assuntos Federativos e ministro de Relações Institucionais. Com Dilma, foi indicado para a pasta da Saúde.

Folha/UOL: Olá internauta. Bem-vindo a mais um “Poder e Política Entrevista”.

Este programa é uma parceria do jornal Folha de S.Paulo, do portal UOL e da Folha.com. A gravação é sempre aqui no estúdio do Grupo Folha em Brasília.
O entrevistado desta edição é o o ministro da Saúde, Alexandre Padilha.

Folha/UOL: Ministro, muito obrigado por sua presença aqui. Eu começo perguntando: o seu ministério anunciou muito programas neste ano [2011], quando o sr. acha que terá resultados concretos dos programas anunciados neste ano como SOS Emergência, Melhor em Casa, Rede Cegonha, entre outros?

Alexandre Padilha: Em alguns dos programas nós já temos resultados muito imediatos. O primeiro programa lançado pelo Ministério da Saúde, inclusive foi o primeiro compromisso da presidenta Dilma durante a campanha a ser cumprido pelo seu governo foi o programa Saúde não tem Preço, que colocou remédio de graça para a hipertensão e diabetes na farmácia popular. Quando nós começamos esse programa em janeiro, nós tínhamos cerca de um milhão de 200 mil pessoas que acessavam a farmácia popular. Nós tivemos um aumento em relação a hipertensos e diabéticos de quase quatro vezes o número de pessoas que passaram a ter acesso a medicamentos. Nós tínhamos naquela época 15 mil farmácias populares. Nós temos agora 21.500 farmácias populares. E uma meta que o ministério tinha, que era ampliar esse programa para os municípios de extrema pobreza, exatamente dialogando com o Brasil Sem Miséria, que era a meta de chegar a 70% dos municípios do Brasil Sem Miséria, ou pelo menos uma farmácia popular em janeiro de 2012. Nós alcançamos essa meta em agosto desse ano.

Folha/UOL: Não é segredo que o atendimento na Saúde pública no Brasil é, em certa medida, assimétrico geograficamente falando. Enquanto algumas cidades remotas começam a ter atendimento, há uma degradação também nos grandes centros. Por exemplo, em São Paulo há alguns grandes hospitais do sistema público em que as pessoas ficam em macas no corredor etc. No caso das metrópoles, que também é um problema dramático, o Brasil é um país urbano hoje, quando isso vai ser resolvido?
Alexandre Padilha
: Eu diria que o grande gargalo das metrópoles hoje é exatamente a urgência-emergência. Por isso que nós iniciamos um programa chamado Saúde Toda Hora, que investe recursos de quase R$ 20 bilhões de reais nas urgências e emergências do país. Aí não é só no hospital. Você só reduz a lotação do hospital se você faz UPA 24 horas [Unidade de Pronto Atendimento], serviço de pronto atendimento, amplia o SAMU, com isso organiza a chegada, mas é enfrentando também a realidade das maiores urgências e emergências. Nós estamos trabalhando as 11 maiores. No caso de São Paulo já na última semana nós iniciamos esse trabalho na Santa Casa, no final dessa semana chegaremos ao Santa Marcelina. São as duas grandes urgências e emergências, dois pólos da cidade que recebem casos. E nós, além de agir na urgência e emergência, tem um tema que eu acho que é decisivo hoje para as metrópoles, para a saúde das metrópoles que é o problema da epidemia de acidentes de carro e de moto que nós temos no país hoje.

Os nossos dados mostram que, de 2009 a 2010, nós tivemos aumento de 8% nos óbitos, ultrapassando pela primeira vez a marca de 40 mil óbitos decorrentes de acidentes de carro e de moto, e 15% nas internações. Mostra até que o serviço de saúde, de uma certa forma, tem salvado vidas, mas precisamos apertar a fiscalização. Os nossos dados mostram também que os Estados que reduziram o número de acidentes foram aqueles que apertaram a fiscalização da lei seca, o caso do Estado do Rio de Janeiro, ficou notório ocaso do Rio de Janeiro, da lei seca. Santa Catarina e Minas Gerais.

Folha/UOL: As pessoas que usam o serviço público de saúde, as emergências... O sr. acha que, no final do governo Dilma, 2014, é exequível que esses centros todos nas grandes metrópoles não tenham essa espera que se  tem hoje, a pessoa terá realmente um pronto atendimento rápido.
Alexandre Padilha
: Nós não temos prazo para terminar. Nós temos o momento para começar. E estamos agindo desde já.


Folha/UOL: Mas tem uma meta?
Alexandre Padilha
: No SOS Emergência a gente vai pegar as 40 maiores urgências e emergências do país e a nossa meta é mudar radicalmente a qualidade do atendimento dessas  urgências e emergências. Inclusive reduzindo tempo de espera humanizando o atendimento, criando locais adequados para a pessoa estar internada. O grande problema dos prontos socorros hoje no país é que, felizmente a pessoa tem sua vida salva, nós reduzimos em 46%  a mortalidade por doenças cardiovasculares no país nos últimos anos, tem a vida salva no pronto-socorro, mas continua um, dois, três, quatro dias lá no pronto-socorro aguardando um local adequado para internar. Então nós vamos mudar a realidade dessas 40 maiores urgências e emergências do país...

Folha/UOL: A meta das filas nessas unidades, o sr. acha que a pessoa, quando as 40 estiverem em operação, quanto tempo a pessoa vai esperar numa fila para ser atendida nessas 40?
Alexandre Padilha
: O fundamental é você atender no tempo adequado para a necessidade da pessoa.

Folha/UOL: Mas o que seria isso?
Alexandre Padilha
: Isso depende da necessidade da pessoa. E tem que atender no local correto.

Folha/UOL: Mas dê um exemplo.
Alexandre Padilha
: Para dar um exemplo nisso. O fato de agente ter criado as UPAS 24 horas fez com que, nos Estados onde já estão funcionando as UPAs, os municípios onde elas estão presentes, no caso São Bernardo do Campo, região metropolitana de São Paulo, teve redução de 99,7% da necessidade de uma pessoa ir para o pronto-socorro. Ou seja, a pessoa foi atendida mais rapidamente na UPA 24 horas, mais próximo de onde ela vive e reduzindo a lotação dos pronto-socorros. Ou seja, nós trabalhamos com a ideia, nós chamamos de classificação de risco, é atender a pessoa no tempo adequado para sua necessidade de saúde. Agora tem outras filas que nós queremos reduzir. Uma delas é fila de cirurgia eletiva. O que nós fizemos, nós mudamos a regra, repassando mais recursos para cirurgias de catarata, cirurgias ortopédicas, cirurgias de varizes. Cirurgias de catarata, tem algumas regiões do país onde é possível zerarmos as filas das cirurgias de catarata nesses quatro anos. Sobretudo em algumas regiões nós podemos ter serviços maiores. Então estamos trabalhando para isso. Cirurgias-ortopédicas, reduzir o tempo de espera para cirurgias ortopédicas. Então, nessas situações, é possível reduzir fortemente a fila de espera.

Folha/UOL: Crack: o sr. esteve recentemente, pessoalmente na cracolândia em São Paulo, que é um local de concentração de pessoas que se drogas. O sr. é a favor de uma política em que o Estado, pró-ativamente, vá atrás dessas pessoas, dos usuários de crack nas ruas? E como?
Alexandre Padilha
: Sou totalmente favorável a isso e o Estado tem que ir buscando acolher essas pessoas. É fundamental que esteja estendendo a mão para acolher e construir um novo projeto de vida, um projeto de tratamento. Por exemplo, nós já apresentamos isso para os Estados e município, tem 80, hoje, existentes: consultórios na rua. São equipamentos que nós criamos no Ministério da Saúde...

Folha/UOL: Em que cidades há isso?
Alexandre Padilha
: Na própria cidade de São Paulo não tem. Mas, São Bernardo tem, Osasco já tem consultório de rua, Goiânia, aqui em Brasília tem, aqui no DF [Distrito Federal] foi implantado há cerca de dois meses atrás. Recife..

Folha/UOL: Porque em São Paulo não tem?
Alexandre Padilha
: Mas vai ter viu. Nós conseguimos ajustar...

Folha/UOL: Quando?
Alexandre Padilha
: Nós conseguimos ajustar, fechar com a Prefeitura de São Paulo até o final desse ano contratar, o Ministério passar o recurso. Porque eles tinham uma abordagem diferente, eles não tinham o instrumento do consultório, mas aceitaram a proposta que nós fizemos. Até vendo as experiências de outros municípios.

Folha/UOL: Como que funciona?
Alexandre Padilha
: Os consultórios de rua têm médicos enfermeiros, psicólogos, pessoas que são, que nós chamamos de agentes redutores de danos, ou pessoas...

Folha/UOL: Mas é na rua como? É um trailer?
Alexandre Padilha
: É como se fosse um trailer, uma Kombi que fica 24 horas, horários variados, para poder chegar durante a noite. E esse papel do consultório é oferecer para aquela pessoa tratamento, avaliar por profissionais de saúde... Se o profissional de saúde avaliar que aquela pessoa corre risco de vida, nós temos protocolos claros da internação involuntária, inclusive defendida pela Organização Mundial da Saúde.

Folha/UOL: O que é internação involuntária?
Alexandre Padilha
: É o profissional de saúde fazer avaliação clínica individualmente daquela pessoa, perceber que ela está com risco de vida e interná-la.

Folha/UOL: Qual é a diferença para a internação compulsória?
Alexandre Padilha
: A grande diferença é que tem algumas políticas que são verdadeiros recolhimentos compulsórios. Não é internação. É fazer uma ação que às vezes não é nem por profissional de saúde, que faz um verdadeiro recolhimento compulsório, às vezes em grupo, levando para um local não adequado. Agora, tanto a Organização Mundial da Saúde, quanto o Ministério da Saúde preveem nas suas recomendações, a própria lei da reforma antipsiquiátrica prevê isso, na própria lei, a hipótese da internação involuntária. A partir de uma internação clínica que é feita por um profissional de saúde, essa pessoa, pelo risco de vida, é internada. [A pessoa] faz todo o processo de estabilização, a primeira parte do tratamento. Oferece-se um tratamento mais prolongado para essa pessoa, internada ou não.

Em relação ao crack nós temos que reconhecer que o Sistema Único de Saúde precisa se reorganizar para dar conta dessa nova epidemia que é a epidemia do crack.

Folha/UOL: O que é necessário fazer?
Alexandre Padilha
: Primeiro, ter serviços diferentes para situações diferentes. Não se usa crack só na cracolândia. Então para a cracolândia você precisa ter uma abordagem específica que é o consultório na rua, ofertar para aquela pessoa ficar internada por um período prolongado, numa unidade de acolhimento porque ela não pode voltar para aquele espaço social. Então ela tem que reconstruir a relação social dela em um outro espaço, tendo contato com a família. Algumas pessoas precisam de um acompanhamento ambulatorial, que nós chamamos de CAPS. Tem que ter CAPS, tem que ter enfermaria especializada. Qual é a diferença do que o ministério fez, acertou com os Estados e municípios? Nós estamos apoiando Estados e municípios a fecharem verdadeiros pacotes dessa rede estruturada. Em vez de ficar investindo em equipamentos isolados, nós acertamos a partir daquele território, começando pelas grandes capitais, que essa capital tem que oferecer: consultório de rua, tanto número de centros de atenção psicossocial, enfermaria especializada de álcool e drogas, núcleos de urgência e emergência. A experiência nos mostra que o serviço mais procurado por um usuário de crack é o serviço normal de urgência e emergência. Então tem que estar preparado para atender, estabelecer...

Folha/UOL: Isso seria o consultório de rua?
Alexandre Padilha
: Não, a urgência e emergência do pronto-socorro. O serviço mais utilizado por um usuário de crack na pesquisa que nós fizemos é exatamente um pronto-socorro normal. A urgência e emergência. Porque ele vai quando ele sente um outro problema clínico que ele se preocupa, está em risco de vida, se sente mal e procura a urgência e emergência. Esse serviço tem que estar preparado para atender esse paciente.

Folha/UOL: Eu queria falar mais do consultório de rua. Quantos exatamente já foram implantados? Em quantos Estados ou cidades? E queria que o sr. falasse mais sobre esse de São Paulo, que é muito visível porque é a maior metrópole do país.
Alexandre Padilha
: Nós temos cerca de 80 consultórios de rua no país...

Folha/UOL: Desde quando?
Alexandre Padilha
: As primeiras experiências foram no ano de 2010, na gestão anterior ainda. Eram experiências municipais, isoladas. A partir da experiência municipal, nós transformamos isso numa política nacional já neste ano [2011], nós temos 80. E estamos fechando com os Estados, os municípios e com outros ministérios do governo uma ação inclusive de expansão ainda maior dos consultórios de rua. A nossa meta é alcançar todos os municípios que tenham moradores de rua no Censo que o IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística fez [em 2010]. Pelo menos esses municípios.

Folha/UOL: São quantos?
Alexandre Padilha
: Pegou os municípios maiores de 300 mil habitantes no Censo do IBGE. E oferecer para todos os municípios menores que 300 mil habitantes, a possibilidade de ter consultórios de rua, desde que ele tenha um Censo local que mostre as pessoas em situação de rua.

Folha/UOL: São Paulo...
Alexandre Padilha
: No caos da cidade de São Paulo, nós chamamos o prefeito Kassab [Gilberto Kassab, do PSD], o governador Geraldo Alckmin [do PSDB], o Ministério da Saúde, para iniciar as conversas com as secretarias estadual e municipal.

No caso da cidade de São Paulo, a grande aposta do município que nós, inclusive, já começamos o repasse de recursos para a contratação de equipes.

Por um lado, o que nós chamamos de unidades de acolhimento. Você ter na cidade de São Paulo o serviço que será como se fossem casas, onde a pessoa pode ficar internada por um período mais prolongado. Podem ser feitas parcerias com entidades do terceiro setor, que já têm experiência no tratamento e acompanhamento de pessoas com dependência química. E a meta inicial é de ter cerca de 20 unidades de acolhimento.

Folha/UOL: O governo federal entra como, com recursos?
Alexandre Padilha
: Com recurso para a contratação das equipes, reforma do espaço... Em todas elas nós estamos implantando o que nós chamamos de telesaúde, que é uma política do Ministério da Saúde que coloca equipamentos de internet, videoconferência do serviço de saúde para que o profissional que esteja lá possa consultar os profissionais, trocar ideiais, consultar condutas mais apropriadas.

Folha/UOL: Essas 20 de São Paulo são no Estado ou na Grande São Paulo?
Alexandre Padilha
: Isso é na capital. Isso é uma adesão junto à capital.

Folha/UOL: Quantos leitos no total?
Alexandre Padilha
: Estamos aguardando com a Prefeitura a definição do cronograma disso.

Folha/UOL: Seria para quantas pessoas?
Alexandre Padilha
: Em média são 15 leitos por unidade de acolhimento. Além disso o município...

Folha/UOL: Quanto será investido pelo Estado, município e governo federal?
Alexandre Padilha
: Nós estamos fechando esses dados com o município ainda. Além disso, o município prevê a necessidade de ter até 500 vagas entre o que eles chamam de entidades como unidades terapêuticas, unidades de acolhimento ou ampliar vagas de enfermaria especializada também.

Folha/UOL: E o consultório de rua... quantos haveria na cidade de São Paulo?
Alexandre Padilha
: A previsão inicial, a primeira proposta que nós fizemos para eles são pelo menos oito consultórios de rua na cidade de São Paulo. Concentrar uma parte grande no principal espaço da cracolândia e trabalhar por um outro espaço importante que nós mapeamos, fica mais próximo... Lá no final da Zona Leste, na Cidade Tiradentes, que também há possibilidade de consultórios de rua naquele bairro, naquela região.

Folha/UOL: E quando é a previsão para que tudo isso esteja feito na prática?
Alexandre Padilha
: O Ministério da Saúde repassa esses recursos para o município até este ano, até dezembro [de 2011]. E aí tem o processo de contratação. A nossa avaliação e percebo isso da disposição do município é de contratar e colocar as equipes para trabalharem o mais rapidamente na cidade de São Paulo.

Folha/UOL: Isso no ano que vem?
Alexandre Padilha
: É. Isso contribui para ter uma rede de acolhimento na Saúde. Agora, nós sabemos que o enfrentamento do tema do crack, sobretudo na cidade de São Paulo, tem que envolver outras áreas. Tem que envolver uma forte repressão ao tráfico, ao espaço, ao próprio mercado de venda. É fundamental o envolvimento de outras áreas como educação, cultura, políticas para a juventude, para que a gente possa vencer essa verdadeira guerra contra o tráfico.

Folha/UOL: As equipes dos consultórios de rua, desses oito na cidade de São Paulo, estarão preparadas para fazer o julgamento, o juízo necessário, e eventualmente propor a internação involuntária como o sr. diz?
Alexandre Padilha
: Não só isso, mas fazer o cuidado desse paciente. Nós temos que apostar nessa ideia de serviços diferentes para situações diferentes. Tem pessoas que, inclusive, vão continuar morando na rua e vão receber os cuidados por esses consultórios de rua de forma permanente. Oferecendo projeto terapêutico, oferecendo tratamento, reduzindo danos. Às vezes o problema da pessoa... A Unifesp fez um trabalho muito interessante, a Escola Paulista de Medicina, que mostrou que, ao longo do acompanhamento que eles fizeram de pacientes dependentes químicos do crack, o principal fator de morte não foram doenças ou outras complicações ou mesmo complicações do momento de abstinência ou de intoxicação mais grave, de um uso mais excessivo. Foram, em primeiro lugar a violência, relação direta com a violência. E, segundo, algumas complicações pulmonares, algumas doenças. Então os consultórios na rua têm o papel não só de fazer o tratamento específico para dependência química, mas também de identificar lesões na pele, infecções na pele decorrentes disso, estão tomando outros medicamentos e estão na rua, às vezes não conseguem tomar todos os medicamentos... Têm outras complicações como tuberculose, HIV/Aids, hepatite B, hepatite C, doenças relacionadas a doenças sexualmente transmissíveis pelo uso de drogas injetáveis. Então, o consultório na rua, ele tem o papel de cuidar dessa pessoa, inclusive fazer a avaliação se essa pessoa tem indicação de internação ou não.

Folha/UOL: O consultório na rua, mais essas unidades que vão acolher as pessoas que precisam de tratamento, isso tudo é parte desse programa que a gente ouve, consolidado, de combate ao crack do governo federal, ou tem algo mais que a gente não saiba.
Alexandre Padilha
: Nada. Esse é um programa muito mais amplo que ainda está em discussão com vários ministérios. Acho que a presidenta está correta, porque o enfrentamento ao crack necessariamente exige uma ação muito articulada.

Folha/UOL: Que tipo de discussão extra existe?
Alexandre Padilha
: No campo do Ministério da Justiça, segurança pública, educação, área social, área da cultura. Tem um conjunto de ações que estão sendo discutidas no governo e está correta a presidenta no sentido de apostar a ideia de um plano integrado que combine o conjunto de ações e que tenha um foco muito claro no território.

Folha/UOL: O sr. acha que esse plano está mais para ser anunciado no ano que vem, não agora?
Alexandre Padilha
: Não, isso quem pode responder melhor é quem coordena o plano. Nós da saúde começamos a partir da formatação inicial a sentar com os Estados e municípios, desde agosto, justamente para fechar a contratação. Aqui, no caso de Brasília, por exemplo, já se ampliou os serviços de acolhimento e tratamento das pessoas dependentes químicas a partir das ações do Ministério da Saúde. Aqui em Brasília foi criado um CAPS 24 horas, um centro específico para álcool e drogas 24 horas. Implantou consultório 24 horas na rua. Criou já unidades de acolhimento. Fez parcerias já com entidades do terceiro setor, que têm vivência e experiência no cuidar de dependência química e já implantar essas ações.

Folha/UOL: Sim, já estão sendo implantadas. Mas o que eu estou perguntando é: a sua expectativa de anunciar o plano consolidado como o sr. diz. A presidente deu indicações de quando ela pretende fazer esse anúncio?
Alexandre Padilha
: A presidenta quer o mais rápido possível. Só que a presidenta é bastante detalhista, inclusive, em fazer uma proposta de um  plano que tenho um impacto real nessa situação e, por isso, tem reunido, colocado a ministra-chefe da Casa Civil [Gleisi Hoffmann], o ministro da Justiça [José Eduardo Cardozo] para coordenar o conjunto de ações que envolvem esse plano.

Folha/UOL: Recentemente saiu um relatório do Tribunal de Contas da União dizendo que pacientes do SUS esperam, em média, 70 dias para começar a quimioterapia depois de diagnosticados com o câncer. Para radioterapia, espera média de 100 dias. Quando isso melhora? Há uma meta para reduzir esse número de dias e, terceiro, o sr. participa de um governo que está chegando no nono ano. Já não houve tempo talvez para os seus antecessores terem tratado e resolvido esse problema antes?
Alexandre Padilha
: O Ministério da Saúde tomou uma decisão de expandir o tratamento e o diagnóstico no SUS em março ainda, muito antes de qualquer relatório do TCU. Uma avaliação que nós tínhamos da necessidade de expandirmos o diagnóstico, as ações de prevenção e de tratamento para o câncer no Sistema Público de Saúde. Embora, o meu antecessor tenha avançado muito. Nos últimos seis anos dobrou o número de oferta de quimioterapias no Sistema Único de Saúde. Hoje, no SUS, nós realizamos cerca de 30 milhões de procedimentos, de tratamento ambulatorial para o câncer por ano. São 30 milhões anuais de procedimentos. 80% do que se investe para tratamento do câncer no Brasil é do Sistema Único de Saúde.     

Folha/UOL: O sr. acha possível ter uma meta para reduzir esse número de dias. Ou o sr. não se arriscaria a dizer: “Olha, hoje foi detectado que é cerca de 100 dias para ter a radioterapia. Nós vamos reduzir para 50, para 30, para 10. É possível dizer isso ou não?
Alexandre Padilha
: Nós estabelecemos metas em relação, por exemplo, ao diagnóstico precoce. Estabelecemos metas para realização e confirmação de diagnóstico de mamografias nas mulheres na faixa etária de rastreamento no nosso país. Para o câncer de colo de útero também estabelecemos metas de diagnóstico, confirmação diagnóstica e início do tratamento, vai garantir o início do tratamento...

Folha/UOL: A meta é quanto para o início do tratamento?
Alexandre Padilha
: É chegar até 2014 a 100% do diagnóstico, das mulheres na faixa etária para mamografia e rastreamento realizado 100% em 2014 e 75% do exame papa-nicolau, que é o exame preventivo de câncer de colo de útero. E garantir o tratamento para todas que façam diagnóstico.

Folha/UOL: Esse tratamento para depois do diagnóstico imediato tem um prazo para começar? Porque hoje parece que a média é longa entre o diagnóstico e o início do tratamento.
Alexandre Padilha
: Nós assumimos metas para garantir tanto o diagnóstico quanto garantir o tratamento para quem faz o diagnóstico. As metas em relação ao câncer de mama e ao câncer de colo de útero.

Folha/UOL: Sim mas tratamento imediato?
Alexandre Padilha
: Essas foram as metas possíveis de serem assumidas. Devemos ter dimensão do desafio que é implantar serviço de quimioterapia, de radioterapia no país. Ter oncologista. Ter uma dissociação, Fernando, isso é muito importante. Durante muitos anos, Fernando, os serviços de saúde foram se desenvolvendo, se estendendo e se ampliando por um caminho e o processo de formação de profissionais para dar conta desses serviços foi por outro caminho. Então o Ministério da Saúde resolveu entrar com recursos próprios para junto com o Ministério da Educação credenciar programas de residência para formar especialistas para as especialidades que o Brasil precisa. Uma delas é oncologista. Você precisa ter radioterapeutas, você não tem no país. Precisa ampliar a formação de radioterapeuta. Precisa ter físico médico para poder abrir um serviço de radioterapia. A Comissão Nacional de Energia Nuclear precisa fazer avaliação e ter físico-médico. Nós estamos  prevendo inclusive a possibilidade de ter que contratar físico-médico-nuclear de outros países do mundo para poder ampliar esse programa de radioterapia para o Norte e Nordeste do país. Ou seja, nós temos um grande desafio que é dar formação profissional e de especialistas para levar esses serviços a todo canto do país.

Folha/UOL: O ex-presidente Lula está se tratando de um câncer na laringe. Houve uma polêmica, uma corrente sobretudo nas redes sociais defendendo que ele se tratasse no SUS.  Ele tem um plano de saúde, está se tratando com o plano de saúde dele. O sr. acompanhou essa polêmica, o que achou disso?
Alexandre Padilha
: Eu acho que tem duas questões envolvidas nessa polêmica. A primeira é a seguinte: uma pessoa, como o presidente Lula, que há 30 anos paga seu plano de saúde, quando era metalúrgico ainda, tem que ter todo o tratamento onde ele quiser. E o plano de saúde tem que cobrir todo o seu tratamento para o câncer, porque a história natural que nós vemos qual que é? Inclusive a pessoa tem que recorrer ao SUS na hora em que vai fazer um tratamento para câncer, tratamento para doenças   crônicas, tratamento de mais alta complexidade. E não tem o seu plano de saúde bancando o seu  tratamento. Então, precisamos dizer “sim, é o plano de saúde que tem que bancar o tratamento do presidente Lula, onde ele quiser ter seu tratamento”. Porque paga há 30 anos esse plano de saúde.

A outra questão que essa polêmica traz é da necessidade de ampliarmos a qualidade do tratamento do SUS. Inclusive essa eu acho que tem que ser uma grande obsessão. O SUS tem que ter uma obsessão única: qualidade do tratamento. Embora, viu Fernando, se a gente for pegar em relação ao câncer, certamente nós temos mais hospitais públicos que tratam o câncer integralmente no Brasil do que hospitais privados, em relação à qualidade do tratamento, em relação ao medicamento que é dado. Nós temos mais serviços públicos do que privados no nosso país. O que não significa que o SUS não tenha que melhorar muito.

Folha/UOL: A Agência Nacional de Saúde Suplementar recebe um número gigantesco de reclamações contra planos de saúde no Brasil. No primeiro semestre de 2011, 108% maior que no primeiro semestre do ano passado o número de reclamações. O que é possível fazer sobre isso? A agência não está funcionando bem? A fiscalização? O que fazer para melhorar isso?
Alexandre Padilha
: Uma das coisas que a ANS fez, assumiu como medidas  neste ano foi criar o que ela chama de “índice de qualidade dos planos de saúde”. São metas para cumprimento, prazos para cumprimento de consultas, exames, obrigando o plano a oferecer o exame, aquele procedimento no território onde está o usuário ou garantir o transporte desse usuário e início também de tratamentos mais complexos como o próprio câncer. E estabelece isso como indicador que fique exposto, transparente para a população, na própria negociação. Além de fazer uma série de ações de fiscalização em relação a planos de saúde.

Folha/UOL: O sr. não acha que é impróprio que a ANS tenha alguns diretores que sejam egressos do setor de planos de saúde, que são aqueles que devem ser fiscalizados?
Alexandre Padilha
: Não, todos os diretores da ANS... Primeiro que são pessoas, são quadros experientes da saúde. Não foi a única experiência deles não é só na saúde privada, tiveram experiência também na saúde pública. E todos eles foram, tiveram seus currículos avaliados, foram submetidos ao Senado Federal, feito debate, de forma transparente. A sabatina e a postura da ANS hoje é uma postura de quem busca preservar plano de saúde que ofereça serviço com qualidade ao seu usuário. As medidas que a ANS tomou nesse ano são medidas claras de quem não tem rabo preso com nenhum plano de saúde. São medidas que aumentaram o ressarcimento dos planos de saúde ao Sistema Único de Saúde... Bateu recorde nesses seis meses, foi mais que os últimos três anos somados. Estabeleceu o tempo de atendimento, prazo de espera, prazo para espera de exames e procedimentos, foi uma medida que a ANS tomou.

Folha/UOL: Teve um fato relacionado ao seu ministério, foi até noticiado pela Folha de S.Paulo na edição de 14 de novembro agora. Que a Justiça Federal suspeita de uma fraude numa licitação do rede cegonha. Haveria um conluio entre a empresa vencedora e a segunda colocada no pregão eletrônico para aquisição do material para o programa. O que aconteceu?
Alexandre Padilha
: O que aconteceu foi que o ministério seguiu a lei e buscou o menor preço. O Ministério da Saúde sempre vai usar todos os procedimentos que a lei estabelece para buscar o menor preço, para combater o desperdício, buscar economia. Nós conseguimos economizar, nesses nove meses, cerca de R$ 1,1 bilhão só na centralização de compras governamentais, na comparação com preços que são praticados em outros países, na mudança da forma de compra. Nesse caso dessa licitação [sob suspeita na Justiça Federal] na busca do menor preço, nós conseguimos economizar quase R$ 2 milhões nesses compras. A empresa que questiona a empresa ganhadora oferecia um preço que, se a gente fosse levar em consideração ia significar um gasto de R$ 2 milhões a mais para o Ministério da Saúde.

Folha/UOL: Então o sr. acha que não houve uma fraude nesse caso.
Alexandre Padilha
: Não. O ministério seguiu exatamente a lei, aquilo que a lei estabelece qual é a forma do edital, aquilo que a lei estabelece como que tem que ser analisadas as propostas. Foi um pregão eletrônico, foi um sistema absolutamente transparente e o ministério buscou aprovar empresas que apresentaram o menor preço. Tendo essa empresa [a vencedora] apresentado os documentos que a lei exige para conseguir fornecer o material que foi solicitado.

Folha/UOL: Estamos chegando ao final e eu queria voltar e faze rmais uma do crack que eu lembrei, uma pergunta. Tem algumas experiências pelo país, próprias de algumas cidades. No Rio de Janeiro há uma prática de se recolher crianças compulsoriamente da rua. O que o sr. acha dessa prática?
Alexandre Padilha
: Nós inclusive quando começou essa ação no Rio de Janeiro orientamos claramente a Secretaria Municipal de Saúde, a Secretaria Estadual de Saúde a construir um protocolo de atendimento de internação dessas crianças. Nós defendemos qualquer procedimento que seja feito por avaliação de profissional de saúde, que a decisão de internação seja uma decisão clínica, ou seja, do risco de vida, e que seja levada para um serviço adequado. Essas foram as orientações claras para a ação no Rio de Janeiro e teve um aprimoramento dessa prática inclusive na ação, no programa envolvendo a secretaria municipal da Saúde, a secretaria de assistência social. A Defensoria Pública, ou seja, um conjunto de órgãos para garantir exatamente essa prática. Aquilo que for para proteger a vida, evitar risco de vida, seja feito por profissional de saúde e leve essas pessoas para um local adequado, para os eu tratamento, para sua reinserção social, nós defendemos que é o que estabelece não só o Ministério da Saúde mas própria organização mundial da Saúde.

Folha/UOL: Como o sr. acha que vai se dar a discussão no momento certo, dentro do PT, sobre quem deve ser o candidato a presidente em 2014? Lula ou Dilma?
Alexandre Padilha
: Isso vai acontecer no momento certo...

Folha/UOL: Mas como seria o processo?
Alexandre Padilha
: Isso vai acontecer no momento certo. É muito cedo para discutirmos isso agora. Nós estamos, a cada ano, nós estamos pensando no próximo ano. Nós queremos encerrar bem 2011. Construir um 2012 melhor do que foi 2011, 2013 ainda melhor. Ou seja, o Brasil poder crescer cada vez mais. Não tenho dúvida de que a presidenta Dilma fará um excelente governo e não tenho dúvida de que ela que vai conduzir todo esse processo de discussão da sua sucessão.

Folha/UOL: O sr. é ministro da Saúde, tem 40 anos. Outro dia encontrei com o sr. num encontro de políticos, eu profissionalmente, como jornalista, numa feijoada. Conversamos e o sr. me disse que engordou um pouco. O sr. descuidou da sua saúde?
Alexandre Padilha
: Eu consegui voltar a emagrecer, felizmente. De lá para cá. Você deve ter percebido inclusive, viu Fernando. O trabalho intenso, consegui voltar a emagrecer, consegui voltar a fazer exercício, estou acordando às dez para as sete da manhã todos os dias e estou me sentindo muito melhor e mais saudável por ter voltado a fazer exercício físico.

Folha/UOL: Ministro Alexandre Padilha, muito obrigado por sua entrevista à Folha e ao UOL.
Alexandre Padilha
: Muito obrigado e sempre à disposição de todos vocês aqui.