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Lewandowski absolve João Paulo Cunha após ter visto "sofisticado mecanismo" de lavagem de dinheiro em 2007

Do UOL, em Brasília

24/08/2012 06h00

O ministro-revisor do julgamento do mensalão no Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, absolveu o deputado federal e candidato à Prefeitura de Osasco (SP) João Paulo Cunha (PT) nesta quinta-feira (23) pelos crimes de corrupção passiva, por dois peculatos (uso de cargo público para desviar dinheiro) e por lavagem de dinheiro.

A postura adotada agora difere do voto do ministro em agosto de 2007, quando a denúncia da Procuradoria Geral da República foi aceita pelo STF e deu origem à ação penal. Em 2007, Lewandoswki disse ter visto um “sofisticado mecanismo” de lavagem de dinheiro. 

João Paulo Cunha é acusado de ter recebido R$ 50 mil do publicitário Marcos Valério em troca de favorecimento à agência SMP&B em uma licitação para contratos com a Câmara dos Deputados, que era presidida por ele entre 2003 e 2005, na época do suposto esquema. O dinheiro foi retirado em uma agência do Banco Rural pela mulher do parlamentar. 

"Impressionei-me, no primeiro momento, com a assertiva feita da tribuna segundo a qual o saque teria sido feito pela esposa do ex-presidente da Câmara dos Deputados João Paulo Cunha de per si não representaria ou não caracterizaria o ato de lavagem de dinheiro”, afirmou o ministro em seu voto cinco anos atrás.

“Voltei aos autos e agora convencido de forma mais firme e mais forte, após a descrição de todo esse iter que foi perseguido por esta senhora que sacou dinheiro na boca do caixa, verifico, realmente, que este ato final nada mais é do que o último passo que um sofisticado mecanismo de, aparentemente, numa primeira impressão, branqueamento de dinheiro de capital", completou Lewandowski em 2007.

Na sessão de quinta-feira, o próprio ministro admitiu a mudança de postura. Lewandowski afirmou que, embora em 2007 tivesse entendido que houve lavagem de dinheiro, após análise mais a fundo, mudou de opinião e viu que os ministros Ayres Britto, Gilmar Mendes e Eros Grau, que na época concluíram que não havia provas do crime, "estavam cobertos de razão".

Ao absolver Cunha pela lavagem de dinheiro, o ministro disse que a mulher de João Paulo Cunha “foi à agência bancária sacar, diante da apresentação da cédula de identidade e assinatura de recibo idôneo, sem nenhuma simulação. Tudo feito às claras”.

Voto pela absolvição de Cunha

Ao votar ontem pela absolvição de João Paulo Cunha no que diz respeito ao crime de corrupção passiva, Lewandowski alegou que não havia provas nos autos que incriminassem o réu. “Não há na alegação final nenhuma prova do tratamento privilegiado durante o certame.”

O revisor afirmou que é necessário provar que houve ato de ofício para comprovar a corrupção. Ato de ofício é o ato praticado por funcionário público dentro de suas atribuições como servidor –o ato de oficio é pressuposto do crime de corrupção ativa e qualificador de corrupção passiva, quando o servidor recebe vantagem por praticar ou omitir tal ato.

“O Ministério Público não apontou o ato de ofício. (...) Não logrou produzir uma prova sequer, nenhum indício, que João Paulo Cunha tenha procurado os membros da comissão de licitação ou favorecido a [agência de Marcos Valério] SMP&B", argumentou.

Para o revisor, os R$ 50 mil foram entregues pela agência de Marcos Valério para pagamento de uma pesquisa eleitoral em Osasco, para as eleições de 2004 –como alega a defesa de Cunha.

"Penso que ficou bem demonstrado que o réu solicitou os R$ 50 mil ao partido para pagar uma pesquisa eleitoral efetivamente realizada. Não ficou caracterizada a prática do crime de corrupção passiva", disse Lewandowski, completando que Valério apenas intermediou o pagamento.

Já em relação aos dois peculatos, a Procuradoria afirma: 1) João Paulo Cunha foi conivente para que a agência SMP&B fizesse a subcontratação de mais de 99,9% dos serviços para os quais foi contratada para executar na Câmara e 2) teria forjado a contratação do jornalista Luiz Costa Pinto, dono da IFT, em subcontratação pela agência, para benefício próprio e não para a Câmara.

Ao votar pela absolvição também destas acusações, Lewandowski citou perícia da Polícia Federal, que atesta que os serviços foram efetivamente prestados e não houve terceirização fictícia. Segundo o ministro, para que se caracterize o crime de peculato, Cunha teria que ter se beneficiado, em razão do cargo público que ocupava, com a posse direta ou indireta do bem desviado, o que, para Lewandowski, não ocorreu.

"Para configuração do crime, é essencial que o agente tenha, em função do cargo, a posse direta ou indireta do recurso. Embora seja certo que João Paulo Cunha tivesse o poder de autorizar a contratação, não se pode dizer que detinha a posse dos recursos. Quem autorizava os pagamentos era o diretor-geral da Câmara, Sérgio Sampaio", disse o revisor.

Sobre a contratação do jornalista, Lewandowski citou depoimentos que comprovariam os trabalhos do funcionário para a Câmara e afirmou que encontrou nos autos diversas provas de que os serviços foram efetivamente prestados pela IFT.


Próximos votos

Nesta sexta-feira, não há sessão sobre o mensalão no STF. O caso volta a ser analisado na próxima segunda-feira (27). O Supremo está analisando o caso por meio do voto "fatiado", que foi o formato escolhido pelo relator Joaquim Barbosa. Desta forma, os votos seguem os capítulos usados na denúncia apresentada pela Procuradoria Geral da República. Cada capítulo contém blocos de crimes referentes aos 37 réus do caso.

Barbosa (relator) e Lewandowski (revisor) já leram seus votos referentes ao item três. Agora devem ler seus votos os demais nove ministros, até esgotar o assunto. Depois, a palavra volta para o relator.

Depois de Lewandowski, os votos serão lidos de acordo com a ordem crescente da entrada dos ministros na Suprema Corte, da seguinte forma: Rosa Weber, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Cezar Peluso, Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Carlos Ayres Britto –que, como presidente do STF, é sempre o último a votar. Os ministros não têm limite de tempo para falar, sendo assim, não há previsão para o fim do julgamento, que é o maior da história do Supremo.

Uma das principais dúvidas é se o ministro Cezar Peluso, que se aposenta compulsoriamente no dia 3 de setembro, ao completar 70 anos, vai conseguir apresentar seu voto integral sobre todos os réus.

Entenda o dia a dia do julgamento

Entenda o mensalão

O caso do mensalão, denunciado em 2005, foi o maior escândalo do primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva. O processo tem 38 réus --um deles, contudo, foi excluído do julgamento no STF, o que fez o número cair para 37-- e entre eles há membros da alta cúpula do PT, como o ex-ministro José Dirceu (Casa Civil). No total, são acusados 14 políticos, entre ex-ministros, dirigentes de partido e antigos e atuais deputados federais.

O grupo é acusado de ter mantido um suposto esquema de desvio de verba pública e pagamento de propina a parlamentares em troca de apoio ao governo Lula. O esquema seria operado pelo empresário Marcos Valério, que tinha contratos de publicidade com o governo federal e usaria suas empresas para desviar recursos dos cofres públicos. Segundo a Procuradoria, o Banco Rural alimentou o esquema com empréstimos fraudulentos.

O tribunal vai analisar acusações relacionadas a sete crimes diferentes: formação de quadrilha, lavagem ou ocultação de dinheiro, corrupção ativa, corrupção passiva, peculato, evasão de divisas e gestão fraudulenta.