Interpretação de votos de ministros do STF pode abrir brechas em outras instâncias, dizem especialistas
Embora os votos dos ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) no julgamento do mensalão sejam considerados bastante técnicos, algumas interpretações dos magistrados podem suscitar dúvidas em instâncias inferiores, avaliam advogados ouvidos pelo UOL. Eles ressaltam, porém, que é preciso aguardar a divulgação dos votos por escrito para saber a argumentação completa dos ministros, já que, durante a sessão, eles falam mais resumidamente.
Como as decisões tomadas no Supremo servem de parâmetro para todo o Judiciário, os magistrados do STF, ao fazerem uma interpretação diferente do que está na lei, podem criar uma jurisprudência que poderá ser usada equivocadamente como argumento por juízes das instâncias inferiores.
Uma das polêmicas surgiu nesta quarta-feira (29) quando o ministro Cezar Peluso, ao apresentar o seu voto, deu a entender que estaria condenando o deputado federal João Paulo Cunha (PT-SP) pelo crime de corrupção passiva mesmo sem haver a prova de ele ter praticado algum ato de ofício.
Pela lei, o crime se configura quando um funcionário público recebe uma vantagem indevida, como propina, para se omitir ou praticar algo ilícito no exercício do seu cargo. Cunha foi condenado pela maioria dos ministros do tribunal por ter recebido R$ 50 mil do publicitário Marcos Valério quando era presidente da Câmara dos Deputados, supostamente para favorecer a agência dele em uma licitação futura com a Casa. A defesa do deputado alega que o dinheiro era para pagar pesquisas eleitorais.
“É preciso, portanto, que fique provado que o servidor recebeu a vantagem e teve uma atitude indevida”, explica o advogado Davi Tangerino, professor de direito penal da FGV-SP (Fundação Getulio Vargas - São Paulo) e da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro).
“Fiquei perplexo quando ouvi o ministro Peluso dizer que não importa se houve ato de ofício para haver corrupção passiva. Para condenar os políticos, o STF tem feito inclusive interpretações erradas da lei”, afirma. “Alegar imoralidade não é suficiente.”
A interpretação também causou “desconforto” no advogado Adib Kassouf Sadi, presidente da Comissão de Administração Pública da OAB-SP. “Não me senti confortável com a afirmação do ministro”, afirmou.
Sadi ressalvou, porém, que é preciso antes fazer uma leitura atenta do voto do ministro. “Senão, é possível que, em primeira e segunda instâncias, tenham réus comendo fogo [saindo prejudicados].”
Ônus da prova
Outro ponto que gerou debate foi quando o ministro Luiz Fux afirmou, indiretamente, durante a apresentação do seu voto na segunda-feira (27), que caberia também ao réu provar a sua inocência. "O álibi cabe a quem o suscita. Cabe à defesa produzir o álibi para o réu", disse durante a sessão.
A lei determina que quem tem que apresentar provas é sempre o acusador. No entanto, não há consenso entre os advogados ouvidos sobre a postura do ministro.
Ministros antigos do STF votaram sem paixão, diz advogado
“Eu acho que, quando Fux diz que os crimes são complexos e, por isso, é preciso flexibilizar importantes garantias constitucionais, o Supremo está dando uma triste lição de direito, está rasgando todas as lições básicas de direito penal. Em sala de aula, o princípio da legalidade é ensinado como algo básico. Assisto horrorizado e perplexo a isso”, afirmou Tangerino.
Para o advogado Roberto Dias, no entanto, o que o ministro falou foi no sentido de que a defesa, se apresentar um álibi, deve comprovar com argumentos. “O ônus da prova cabe à acusação, mas concordo com o ministro que, se o réu alega algo para negar um crime, ele deve justificar a sua argumentação.”
Dias cita como exemplo o caso de um homicídio. “O réu pode simplesmente dizer: ‘eu não matei’, o que está OK. A prova continua sendo da acusação. Agora, se ele diz que matou em legítima defesa, faz sentido que dê provas de que foi em legítima defesa.” Portanto, ele diz não considerar “muito estranho” o que o ministro Fux.
“A defesa não pode ser evasiva e dizer que tal fato não ocorreu por determinada razão sem demonstrar isso”, concorda Sadi.
Entenda o dia a dia do julgamento
Entenda o mensalão
O caso do mensalão, denunciado em 2005, foi o maior escândalo do primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva. O processo tem 38 réus --um deles, contudo, foi excluído do julgamento no STF, o que fez o número cair para 37-- e entre eles há membros da alta cúpula do PT, como o ex-ministro José Dirceu (Casa Civil). No total, são acusados 14 políticos, entre ex-ministros, dirigentes de partido e antigos e atuais deputados federais.
O grupo é acusado de ter mantido um suposto esquema de desvio de verba pública e pagamento de propina a parlamentares em troca de apoio ao governo Lula. O esquema seria operado pelo empresário Marcos Valério, que tinha contratos de publicidade com o governo federal e usaria suas empresas para desviar recursos dos cofres públicos. Segundo a Procuradoria, o Banco Rural alimentou o esquema com empréstimos fraudulentos.
O tribunal vai analisar acusações relacionadas a sete crimes diferentes: formação de quadrilha, lavagem ou ocultação de dinheiro, corrupção ativa, corrupção passiva, peculato, evasão de divisas e gestão fraudulenta.
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