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STF nega inclusão de Lula no mensalão e retira do julgamento réu que ficou sem advogado

Camila Campanerut*

Do UOL, em Brasília

15/08/2012 20h38Atualizada em 15/08/2012 21h42

Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitaram nesta quarta-feira (15), por unanimidade, a questão preliminar apresentada pela defesa de Roberto Jefferson, sustentada pelo advogado Luiz Francisco Corrêa Barbosa, para incluir o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva entre os réus do mensalão. 

"É improcedente este pedido", disse o relator Joaquim Barbosa. "Mesmo que quiséssemos não poderíamos impor a inclusão de alguém na denúncia", afirmou o revisor Ricardo Lewandowski, ao citar que a tarefa cabe à Procuradoria Geral da República. Esta não foi a primeira vez que a inclusão de Lula foi indeferida. Em abril de 2010, o plenário do STF já havia negado o pedido da defesa de Jefferson.

Os ministros do STF também anularam o processo contra o réu Carlos Alberto Quaglia, que responde por formação de quadrilha e lavagem de dinheiro, por considerarem que houve cerceamento de defesa do acusado-- que ficou sem advogado durante a maior parte do processo. Segundo decisão dos ministros, o processo referente a Quaglia vai ter nulidade desde a defesa prévia e os autos serão remetidos ao juiz de primeiro grau. Com isso, cai para 37 o número de réus do julgamento do mensalão que corre no Supremo.

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A decisão dos ministros não invalida o inquérito e a denúncia da Procuradoria contra o réu, tampouco o interrogatório judicial já realizado por Quaglia. O acusado poderá, agora, arrolar as testemunhas de defesa, terá direito a um novo interrogatório e apresentará as alegações finais, assim como a Procuradoria, ao juiz de primeiro grau.

Nesta quarta-feira também foram rejeitadas outras 16 questões preliminares apresentadas pelas defesas, a maior parte pedindo a anulação do julgamento ou de provas e denúncias. Segundo os ministros, a maioria dos temas já havia sido tratada anteriormente. Barbosa chegou a se referir às questões dos advogados como "abobrinhas".

A votação das preliminares foi a primeira fase após o término das defesas dos réus, que duraram oito dias. Na sessão de amanhã, Joaquim Barbosa dá continuidade a seu voto, que deve durar de três a quatro dias.

Um réu a menos

O pedido de nulidade foi apresentado no último dia 10 pelo defensor público federal Haman Córdova, que defende Carlos Alberto Quaglia.

Defensor pediu nulidade por cerceamento de defesa

Argentino com domicílio em Santa Catarina, Quaglia era corretor financeiro e dono da empresa Natimar, que fechou logo após a denúncia do mensalão. Segundo a Procuradoria, ele teria sido um dos responsáveis pela lavagem de dinheiro para o Partido Progressista. Ele responde por formação de quadrilha e lavagem de dinheiro.

Quaglia trocou de advogado em 2006, quando Haroldo Rodrigues passou a defendê-lo no lugar de Dagoberto Dufau. Segundo o defensor, em vez de intimar o novo advogado, o Supremo continuou informando o defensor destituído. Dessa maneira, diz a defesa, Rodrigues não pôde acompanhar o depoimento de testemunhas que incriminaram o réu, nem arrolar testemunhas a seu favor.

Após a decisão, em entrevista à Folha, Quaglia disse que já "estava esperando" sua exclusão.

Ao sair da sessão, o defensor Haman Córdova comentou o caso. "Não deixa de ser uma vitória, mas não tinha como superar este problema processual. Era muito grave. Era o exemplo que eu dei de uma pessoa amarrada com os braços e as pernas e indo para uma luta. Foi exatamente o que aconteceu com este acusado", disse. "O processo continua em andamento, ele só dá uma marcha ré para que o acusado volte para o processo." 

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Barbosa se diz insultado

Mais cedo, os ministros rejeitaram um pedido de Barbosa para que a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) fosse oficiada por conta das críticas feitas por três advogados a ele em entrevista ao site Consultor Jurídico --que foi citado por Barbosa apenas como um "site jurídico". 

Na entrevista, os advogados Antonio Sergio Pitombo, Leonardo Avelar, Conrado Gontijo, que defendem os réus Enivaldo Quadrado e Breno Fischberg, criticaram o relator e disseram que ele não tinha a devida parcialidade para atuar no julgamento do mensalão por ter uma "atuação midiática".

Como nas alegações finais da defesa os advogados repetiram o que disseram na entrevista, o tema teve de ter apreciado nas questões preliminares. Sobre a suposta parcialidade, todos os ministros rejeitaram a tese e, portanto, não impediram Barbosa de continuar no julgamento.

Os ministros manifestaram solidariedade a Barbosa, mas acharam que não era o caso de encaminhar um ofício a OAB por não ser tradição da Suprema Corte. Pitombo foi à tribuna se defender e disse que a intenção das críticas não era agredir o relator.

Fim das defesas

A sustentação oral do advogado Antonio de Almeida, o Kakay, defensor dos publicitários Duda Mendonça e Zilmar Fernandes, encerrou a fase de defesas dos réus do julgamento do mensalão, nesta quarta-feira. A exemplo de praticamente todos os advogados que o antecederam, Kakay fez críticas duras ao procurador-geral da República, Roberto Gurgel, e à peça de denúncia apresentada por ele.

“Eu quero uma acusação precisa. Quero poder enfrentar uma acusação delimitada, sem adjetivar, sem vir com um certo floreio na acusação”, disse.

Em sua sustentação, Kakay gastou boa parte do tempo criticando o procurador, diferentemente do advogado Luciano Feldens, que também defendeu Duda e Zilmar. "É uma vontade de acusar desesperada", criticou. “"Esse processo pegou um viés político.”

O advogado criticou ainda as declarações de Gurgel à "Folha de S. Paulo", que qualificou de “ladainhas” as sustentações orais das defesas. "Vossa Excelência fala sentado, como se estivesse em casa, e o advogado que aqui está pode tropeçar nas palavras, mas nunca é uma ladainha o que o advogado diz", disse Kakay.

O advogado afirmou ainda que a sua “visão de profissional é que absolutamente não existiu mensalão” e que o escândalo foi criado por Roberto Jefferson (PTB) em resposta à tentativa do ex-ministro José Dirceu de acabar com uma rede de corrupção criada pelo PTB no governo Lula. "José Dirceu é um homem íntegro, um homem honesto, um homem duro. Ele não deixou o grupo de Jefferson continuar com a corrupção.”

Sobre a acusação contra Duda e Zilmar, Kakay afirmou que a Procuradoria não individualizou a conduta de ambos. "A acusação, ao acusar, tratou os dois como sendo um só, como [a dupla sertaneja] Leandro e Leonardo.”

Ele reafirmou que seus clientes não são mensaleiros e que não fizeram proselitismo político, tanto que realizaram trabalhos tanto para Lula, quanto para Paulo Maluf (PP-SP), na época, adversários políticos. 

Segundo o advogado Antonio Ruiz Filho, que comentou o julgamento do mensalão no UOL nesta quarta-feira, a PGR teve um "erro estratégico". "Após a sustentação oral de todos os defensores, um ponto fica claro: o erro estratégico da acusação, qual seja, o de oferecer denúncia contra tantos acusados, formando um único processo, o que dificulta, e muito, o seu andamento e a atuação de todos os envolvidos no julgamento", disse.

Duda Mendonça e Zilmar Fernandes

O advogado Luciano Feldens, que também defendeu os publicitários Duda Mendonça e Zilmar Fernandes, afirmou que seus clientes "não são mensaleiros". Ele disse também que o dinheiro recebido por eles do PT tinha origem lícita e foi fruto do pagamento pela campanha publicitária nas eleições de 2002, que elegeu Lula. 

"Todo dinheiro que receberam tem origem lícita, e o próprio procurador [geral da República, Roberto Gurgel] reconheceu. Duda Mendonça e Zilmar Fernandes não são 'mensaleiros’”, disse o defensor.

Duda é acusado de evasão de divisas e lavagem de dinheiro. Segundo a Procuradoria Geral da República, o publicitário teria criado a empresa Dusseldorf com registros no exterior para evitar a obrigatoriedade de declarar ao Banco Central qualquer depósito de sua titularidade. Nesta conta, teria recebido cerca de R$ 10 milhões do PT pela campanha que elegeu Lula presidente em 2002.

A ex-sócia de Mendonça, Zilmar Fernandes Silveira, também é acusada de evasão de divisas e lavagem de dinheiro. Ela teria recebido três parcelas de R$ 300 mil e duas de R$ 250 mil, em espécie, em agências do Banco Rural por meio do resgate de cheques nominais à empresa SMP&B, de Marcos Valério –apontado como operador do mensalão–, sem registro dos reais beneficiários dos valores. Ela seria ainda responsável por movimentar a conta criada por Mendonça no exterior.
 

José Luiz Alves

Antes, o advogado Roberto Pagliuso, que defendeu o réu José Luiz Alves --assessor do ex-ministros dos Transportes Anderson Adauto (PL)-- afirmou que seu cliente apenas cumpriu ordens ao realizar saques para pagar dívidas de campanha.

Segundo a defesa, o réu era chefe de gabinete de Adauto, que solicitou a ele que fosse retirar recursos do PT do Banco Rural para saldar dívidas de campanha. "Ele não viu nada de estranho nesse pedido", afirmou o advogado. De acordo com Pagliuso, Alves, à época, “não tinha percepção de nada que pudesse induzir à prática de crime.”

José Luiz Alves é acusado de lavagem de dinheiro. Segundo a Procuradoria, ele teria recebido dinheiro em espécie, desviado de contratos publicitários, para pagamento de dívidas de diretórios regionais do PT e de outros partidos aliados. Ele teria ainda intermediado o pagamento de R$ 950 mil de Marcos Valério para Adauto –que é acusado de corrupção ativa sobre dois ex-deputados federais: Roberto Jefferson (PTB-RJ) e Romeu Queiroz (PTB-MG).


Entenda o mensalão

O caso do mensalão, denunciado em 2005, foi o maior escândalo do primeiro mandato de Lula. O processo tem 38 réus, incluindo membros da alta cúpula do PT, como o ex-ministro José Dirceu (Casa Civil). No total, são acusados 14 políticos, entre ex-ministros, dirigentes de partido e antigos e atuais deputados federais.

O grupo é acusado de ter mantido um suposto esquema de desvio de verba pública e pagamento de propina a parlamentares em troca de apoio ao governo Lula. O esquema seria operado pelo empresário Marcos Valério, que tinha contratos de publicidade com o governo federal e usaria suas empresas para desviar recursos dos cofres públicos. Segundo a Procuradoria, o Banco Rural alimentou o esquema com empréstimos fraudulentos.

O tribunal vai analisar acusações relacionadas a sete crimes diferentes: formação de quadrilha, lavagem ou ocultação de dinheiro, corrupção ativa, corrupção passiva, peculato, evasão de divisas e gestão fraudulenta.

*Colaboraram Fernanda Calgaro, em Brasília, e Guilherme Balza, em São Paulo

Entenda o dia a dia do julgamento