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Leia a transcrição da entrevista de José Serra ao UOL e à Folha

Do UOL, em Brasília

02/11/2013 06h00

José Serra, ex-governador de São Paulo, participou do "Poder e Política", programa do UOL e da Folha conduzido pelo jornalista Fernando Rodrigues. A gravação ocorreu em 31.out.2013 no estúdio do Grupo Folha em Brasília.

 

 

José Serra - 31/10/2013

Narração de abertura: José Serra tem 71 anos. É economista, com mestrado e doutorado pela Universidade Cornell, nos Estados Unidos.

José Serra entrou na política pelo movimento estudantil. Aluno de engenharia da Escola Politécnica da USP, presidiu a União Estadual e a União Nacional dos Estudantes.

Durante a ditadura, exilou-se no Chile por 8 anos, onde trabalhou com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Morou também nos Estados Unidos.

De volta ao Brasil, José Serra foi professor da Unicamp e secretário de Planejamento do governo de São Paulo na gestão Franco Montoro, nos anos 80.

José Serra elegeu-se deputado federal do Congresso Constituinte em 1986, pelo PMDB. Dois anos depois, ajudou a fundar o PSDB, partido pelo qual se elegeu depois deputado federal e senador.

José Serra foi Ministro do Planejamento e da Saúde do governo Fernando Henrique Cardoso. Em 2002, candidatou-se a presidente da República... mas perdeu a eleição para Luiz Inácio Lula da Silva.

Dois anos depois, José Serra foi eleito prefeito de São Paulo. Deixou o mandato na metade para eleger-se governador do Estado. Em 2010, candidatou-se novamente a presidente da República... mas perdeu a eleição para Dilma Rousseff.

Folha/UOL: Olá internauta. Bem-vindo a mais um Poder e Política Entrevista. Este programa é uma realização do jornal Folha de S. Paulo e do portal UOL. A gravação é realizada aqui no estúdio do grupo Folha, em Brasília.H oje, o entrevistado do Poder e Política é o ex-governador de São Paulo José Serra. Como vai, tudo bem? 

José Serra: Tudo bem Fernando. É um prazer estar aqui.

O governo federal realizou recentemente o leilão para a partilha do campo de Libra do Pré-sal. Um tucano, seu colega, Aécio Neves fez críticas ao modelo adotado. Disse que seria preciso reestatizar a Petrobras. O senhor concorda com essa avaliação?
Olha, o primeiro defeito dessa exploração do campo de Libra foi a demora. Ela demorou muito tempo e o Brasil, nesse período, vai acumulando, déficit de petróleo com a Petrobras em situação dificílima. Segundo, mesmo dentro do modelo de partilha a coisa foi mal equacionada. Tanto é assim que não houve leilão. Não houve leilão, porque só tinha um concorrente. E, claramente, houve uma organização de cartel antes, porque não ia ninguém. Então o governo entrou a trabalhar para poder montar um cartel, montar um grupo que explorasse o petróleo, inclusive sinalizando os nomes daqueles que iriam ocupar a Petrosal, que é a empresa que vai administrar o conjunto do processo mesmo não tendo nenhum capital.

O senhor está dizendo que houve um cartel prévio ao evento chamado de leilão?
Prévio ao evento, claramente. E que, inclusive, para quem entrasse estrangeiros, como a Total e a Shell. O que aconteceu ali foi que foram anunciados os nomes dos diretores da Petrosal. Para convencer os investidores estrangeiros que seriam pessoas da confiança deles, no fundo. Então foi uma coisa super organizada. Agora, a mudança do processo de concessão para o processo de partilha, a meu ver, foi desnecessária, foi procurar pelo em ovo, feita no bojo da campanha de 2010, para dar uma ideia de que haveria uma política mais nacionalista, etc., com relação à Petrobras. Tanto a concessão quanto a partilha são métodos ideologicamente parecidos. Não tem muita diferença. Eles, na verdade, deram nó em pingo d’água. Nesse aspecto, o Aécio tem razão.

Por que o senhor acha que o governo da presidente Dilma Rousseff fez dessa forma o leilão que o senhor está criticando tanto?
Primeiro porque o governo tem uma vontade irresistível de criar dificuldades em lugar de aproveitar as facilidades. Por motivos que vão da ideologia – não é uma ideologia tacanha –, e vão também ao despreparado, à inépcia. Então dão nó em pingo d’água. Veja o que aconteceu com as estradas, que praticamente não conseguiram fazer concessões, fizeram muito poucas e as poucas que fizeram há alguns anos atrás deram errado. Portos, aeroportos... Isso é mais ou menos generalizado, inclusive o petróleo. Até para as áreas onde estava mantido o método da concessão, que foi criado no governo Fernando Henrique e funcionou bem, até para continuar esse processo eles foram lentos. Por exemplo, teve um campo aí que demorou quatro anos para fazer. Para o governo, talvez para o PT, tempo não é dinheiro na administração pública. Isso é um equívoco grave. Segundo, se puder complicar, ao invés de aproveitar uma facilidade, complica. Por despreparado, para dar uma outra aparência ideológica, tudo mais. E o Brasil está pagando um preço altíssimo por isso. Nós somos hoje o país com a pior infraestrutura, me refiro a estradas, energia, do mundo. Apesar do mundo...

Não pode ser do mundo.
Entre as economias significativas. O Brasil, Fernando, no final de 2010, mais ou menos, era um dos últimos três países em matéria de taxa de investimento público. Ou seja, investimento com proporção do PIB. E hoje está entre os dez últimos tranquilamente. Com uma economia do nosso porte isso tem um outro significado.

Em 2010, durante a campanha eleitoral, o Partido dos Trabalhadores na campanha vendeu a imagem da então candidata a presidente Dilma Rousseff como uma administradora, uma gestora. O senhor acredita que na prática isso não se confirmou, é isso?
É, eu creio que a principal virtude do governo não é a capacidade de gestão. Se você me perguntasse “qual é o principal defeito do governo Dilma?”. Eu diria: a fraqueza de gestão. Segundo, ter mantido os métodos de loteamento, de partidarização do Estado etc.

Ainda na administração da economia do País. O Senado, no momento, debate um projeto, que já existe há algum tempo, que se aprovado daria autonomia completa ao Banco Central. Qual é a sua posição a respeito?
Eu sou contra. O Banco Central já tem, na prática, autonomia operacional, né? Se você vai lá e dá, e torna o presidente do Banco Central imune, digamos, ele não foi eleito. Passa a ser um outro poder. Se de repente ele tiver um mau desempenho você não pode tirar. O processo de retirar é muito complexo. Vai desestabilizar a economia, porque é o Banco Central que está em jogo. E, sinceramente, eu não acho necessário. Eu acho que o Banco Central tem tido um grau de autonomia operacional bastante razoável.

Isso dentro do seu partido existe um consenso a respeito?
Olha, nunca ouve uma discussão a esse respeito. Eu tenho a impressão que sim. O Fernando Henrique não pensa diferente. Tenho a impressão que o Aécio também não pensa diferente, Aloysio Nunes, etc.

Por que será que o Senado voltou a discutir isso agora?
Porque... não sei porque, eu não estou lá [risos]. Eu não acho que é uma questão prioritária.

O ex-presidente Lula...
Sabe, desculpa. Sabe o que desestabiliza mais a economia hoje, de um certo ângulo, na área de financiamento? É o peso excessivo do crédito público com subsídio do Tesouro. O Tesouro hoje é a grande instituição financeira nacional. Nós proibimos, até na Constituição – eu fui autor desse dispositivo – que o Banco Central desse subsídios, subvenções. Mas isso mudou, isso foi desenvolvido, nas mãos do Tesouro Nacional. Você tem hoje um estoque de uns 400 bilhões de reais aplicados, sem muito critério, sem planejamento, não passa pelo orçamento, apesar de que tem subsídio.  Isso é muito mais importante, tratar desse assunto, do que propriamente discutir autonomia do Banco Central, independência etc.

O senhor não enxerga essa discussão hoje dentro do governo? Sobre reduzir o crédito, o excesso de crédito...
O crédito acumulado não dá para ser reduzido. Aliás o próximo presidente vai ter que arcar com o mico desses empréstimos. Muitos feitos atabalhoadamente. Mas o fluxo precisa ser mais moderado, sem dúvida nenhuma, dos novos. E, sobretudo, ser objeto de um planejamento. O que nós queremos com isso? Para onde vai, para que setores, o que é importante para a economia. Não existe nada. O Brasil nunca foi tão pouco planejado como agora. Mesmo dentro da área pública. Eu não sou a favor do planejamento centralizado, da economia privada. Mas da área pública sim. Nunca esteve tão anarco quanto hoje.

Isso se deve a quem? Basicamente, à presidente da República?
Do Executivo. Isso vem do Lula.

O senhor acha que se agravou durante o governo Dilma?
Acho que se agravou sem dúvida porque os problemas se agravaram.

Agora, como é possível ter acontecido isso se supostamente o ex-presidente Lula era um político por excelência, comandava no governo, e tinha ali operadores na área técnica gerencial? Um desses operadores era a então ministra da Casa Civil Dilma Rousseff. Ela se torna presidente e o senhor disse que no governo dela se deteriorou o planejamento. Não parece até um paradoxo isso ter acontecido?
Não. Se deteriorou por causa do acumulo dos problemas que vieram de antes, por exemplo, concessões de estradas. O Brasil poderia estar fazendo dezenas, milhares de quilômetros. Poderia já ter estradas novas, refeitas. Não fez praticamente nada. A única concessão feita no governo Lula foi então, eu acho, dirigida pela Casa Civil, Dilma era ministra. Foi muito mal. Foi a pior concessão de estradas que o Brasil já fez. Você pedagiou estradas que não tinham pedágio. Elas continuaram com os mesmo problemas, não foram feitas novas obras e as concessionárias não cumpriram as regras que as permitiram vencer. Foi uma coisa muito mal feita. Resultado: chegou no governo da Dilma e tinha que atuar na área de estradas, mas eles não conseguiram também. Eles não conseguiram. Porque, eu acho que é desconhecimento, falta de capacidade executiva e preconceitos ideológicos.

Tem um tema relacionado à condução da economia do Brasil e do governo em geral que é a estabilidade econômica. O ex-presidente Lula, nesta semana, fez duras críticas à ex-senadora Marina Silva por ela ter reconhecido o papel do ex-presidente Fernando Henrique na estabilização da economia do País. O senhor acha que Lula tem razão em criticar Marina Silva?
Claro que não. Quer dizer, se a Marina passa a valorizar a estabilidade de preços que aconteceu nos anos 1990 é uma coisa positiva, da parte dela. Lembro que ela fazia parte da bancada do PT e, provavelmente, votou contra a Lei de Responsabilidade Fiscal, contra o Fundef, no caso da educação, e várias outras coisas. Então, se alguém chega e reconhece que foi feita a estabilidade é algo positivo. Quando nós falamos de estabilidade era a inflação galopando a dois dígitos por mês, 10, 15, 20% ao mês. A espinha dorsal da inflação foi quebrada. Quando houve a crise de divisas, no final da década, houve uma maxidesvalorização do câmbio, etc. os preços subiram um pouco. Em 2002, a inflação se devia, basicamente, ao receio e às expectativas de que o Lula pudesse ganhar. Qual seria a nova política econômica. Se fosse a do PT, teria acabado com o país, como o próprio Lula já admitiu isso várias vezes. Isso provocou instabilidade de preço, instabilidade cambial, necessidade de aumentar juros e instabilidade de preço. Ou seja, aquela inflação que o Lula aponta em 2002 foi uma inflação do Lula, não foi uma inflação do Fernando Henrique. Era um programa do PT.

O senhor acha que esse tipo de declaração do ex-presidente Lula se deve, única e exclusivamente, a uma estratégia ou tática eleitoral?
Sem dúvida, sem dúvida.

Agora, eles têm sido, o senhor me permite dizer, exitosos com essa tática. Porque vendem a ideia em várias eleições sucessivas que fizeram ajustes que o seu partido, PSDB, não teria feito, que eles são de fato os grandes fiadores do crescimento econômico do país e da estabilidade. Por que eles conseguem fazer com que essa ideia então prevaleça na maioria dos eleitores uma vez que eles ganham as eleições?
Porque eles são bons nesse ramo. No ramo de marketing o PT é bom e o PSDB não é bom, no ramo de marketing. E outras forças de oposição também não são. É uma questão de saber deslocar o eixo das discussões para onde eles querem deslocar. E não é só também uma questão partidária...

Mas é só marketing? Se for assim não precisa mais ter eleição.
Você quer um exemplo? Fome Zero. Fome Zero nunca existiu. Se você fizer uma pesquisa hoje e for avaliar o Fome Zero, a avaliação é positiva. Ou seja, tem um clima que favorece isso. Agora, em grande medida é marketing. Lembro que nos primeiros anos de administração do Lula, ele se dedicou na política econômica a acalmar o sistema financeiro. Aliás, o sistema financeiro nunca ganhou tanto dinheiro na história – isso diz o Lula, diz todo mundo –, quanto na administração petista. Evidentemente não é isso que eles ostentam durante uma campanha eleitoral.

Mas o senhor disse “eles são bons de marketing, tiveram êxito...”
E a oposição não é. E eu me incluo nisso.

Mas dessa forma então o senhor está traçando um futuro plúmbeo para a oposição. Porque se eles são bons, vão continuar a ser. Se a oposição não vai bem nisso, continuará a não ir bem.
Aí a oposição tem que aprender. Isso faz parte, a oposição tem que ter um programa correto, tem que saber apresentar, tem que saber sair das esparrelas e, por outro lado, eu acredito que esse modelo publicitário está se esgotando.

Será?
O que aconteceu nas ruas, muito difícil de determinar, fazer uma explicação unilinear, isto causou aquilo, etc., mas é algum lado, tem algum lado de insatisfação com esse publicitarismo. Grandes anúncios que não dão em nada. Se você for ver hoje a aprovação do governo Dilma vis-à-vis o grau de exibição que ela tem na mídia livre e na mídia oficial, que passou a incluir, inclusive, as cadeias nacionais, que são abusivamente utilizadas. E você for ver a aprovação do governo dela, há uma diferença grande aí no caso, entre a intensidade e o resultado que na prática se obtém. Por isso eu acho que eles podem perder a eleição.

O senhor, a propósito, tem indicado que pretende, eventualmente, disputar a indicação para ser o candidato a presidente da República pelo PSDB. Essa impressão ela é correta?
Olha, o PSDB, por acordo, ficou de decidir isso mais adiante. Em março, a partir de março do ano que vem. E eu tenho seguido um pouco essa decisão que em algum momento foi tomada. E aí nós vamos ver qual é a situação e o que eu vou fazer sempre é: me alinhar na perspectiva de fortalecer a oposição para que possa ser uma alternativa de poder no Brasil. O que eu fizer vai estar subordinado a esse critério. E fá-lo-ei, digamos, dentro do PSDB.

Sim. O senhor, inclusive, ficou no PSDB e houve uma discussão grande a respeito da sua eventual saída do partido. O que acabou não acontecendo. O senhor de fato chegou a pensar em sair do PSDB e, se sim, por que não saiu?
Era uma hipótese, mas eu concluí minha análise achando que eu posso contribuir mais, que poderia contribuir mais, dentro do PSDB. Pra quê? Para a vitória nas eleições.

Que elementos levaram o senhor a essa conclusão?
Eu penso, basicamente, na questão da unidade que deve haver das oposições, mesmo com mais de um candidato. Mas que possa ter uma unidade que permita a alternância de poder no Brasil, que eu acho que seria muito importante. Depois, Fernando, se você me permitir, eu gostaria de voltar à questão econômica.

Claro.
Porque ficou algo pendurado que eu queria abordar oportunamente.

Então já vamos falar. O que faltou?
É o seguinte: quando a Dilma assumiu havia o esgotamento de um ciclo. O ciclo lulista de desenvolvimento. O que era o desenvolvimento lulista? Uma taxa de crescimento positiva, modesta, 3% ao ano, nada de outro mundo, puxada pelo consumo, com uma grande abertura de importações de bens de consumo competindo com a indústria interna, desindustrialização, nós voltamos ao nível de indústria que tínhamos depois da Segunda Guerra Mundial – é a fatia da indústria no PIB –, um câmbio supervalorizado, né? Que viabilizava tudo isso. Inclusive o turismo externo. O Brasil tem R$ 15 bilhões de déficit. Ou seja, era um modelo que faturou a bonança externa. Que o Brasil nunca teve uma bonança igual. Juros internacionais no chão e preços nossos nas nuvens. Pois bem, os preços brasileiros de agrominerais já estabilizaram. Não vai ter nenhum repique. O custo do dinheiro sabe-se que não vai ser tão barato lá fora, nos próximos anos, crédito ao consumo, foi se esgotando. De alguma maneira esse modelo completou a sua etapa. O que precisava fazer a partir daí? Era você pegar os investimentos de infraestrutura e transformar esses investimentos na alavanca de crescimento da econômica pelo lado da demanda, ou seja, você vai empregar gente, você vai comprar máquinas etc., e pelo lado da oferta, você vai melhorar a produtividade da economia.

Mas o governo não tem feito isso? Porque a gente vê muitas obras. Aeroportos estão em obras, tem algumas obras aí...
Não aconteceu, não aconteceu. Por exemplo, na área de estradas nada. Aeroporto começou tardiamente, ainda tenho dúvidas do que vai ocorrer, na área portuária idem, na área de petróleo ficaram dando nó em pingo d’água, ou em pingo de petróleo, né? Atrasou muito tudo a ponto... a Petrobras é a empresa hoje de capital fechado mais endividada do mundo se excluir as empresas financeiras. Tem um nó aí no caso do petróleo horroroso. A bolsa BNDES descontrolou e o investimento que é bom não sobe. O investimento agregado não sobe. Isso poderia ter subido a economia. Isso a Dilma não fez. No fundo, do mandato dela de quatro anos ela passou dois anos perplexa com a herança que recebeu, sendo coautora da herança que recebeu. E dois anos fazendo campanha eleitoral. Na pratica é isso. E o país perdeu tempo nesse sentido.

Deixa eu voltar para o outro tema. O senhor falou em acordo interno no PSDB a respeito de escolher o nome do postulante principal a presidente da República, em março. Imagino que lá para o final de março. Que itens devem ser levados em conta na hora da decisão do PSDB, em março?
O que deve ser levado em conta?

É.
Quais são as circunstâncias, as outras candidaturas. Hoje, nenhum partido definiu de fato, candidato definidíssimo.

Cite, elenque três ou quatro itens que devem ser levados em conta. Objetivos.
A situação objetiva, o que vier a acontecer. O que aconteceu Marina e Eduardo Campos era inteiramente imprevisível. O imprevisível tem um papel importante, o inesperado, o improvável. As circunstâncias do País naquele momento, como é que os adversários vão se comportar e também a formulação de uma estratégia de programa e de campanha adequadas. Eu acho que tem muito tempo pela frente.

Em março, o desempenho dos pré-candidatos em pesquisas eleitorais é um fator a ser levado em conta?
Sempre é. Embora tenha que se fazer ponderações. Por exemplo, é normal que, tanto o nome da Marina quanto o meu tenha um nível mais alto que os outros, porque disputamos eleição presidencial. Você tem um nome mais difundido. Quer dizer, alguém está, hoje, mais baixo, não significa que não tem viabilidade. Significa que tem um grau de menor disposição. No futuro vai crescer ou não vai? Não sei. Em princípio isso não é um fator decisivo para nada porque os outros candidatos podem crescer e eu tenho experiência. Eu estava bem à frente da Dilma nas pesquisas nessa altura, ao longo do primeiro semestre de 2010, e depois ela ganhou a eleição. Quer dizer, ela subiu mais depressa com apoio do Lula, a euforia econômica e tudo mais. As circunstâncias externas influenciam os resultados.

O desempenho nas pesquisas é um fator a ser considerado, mas não é preponderante?
Não é absoluto. De forma nenhuma.

E como deve ser o processo de decisão? Quem é que toma a decisão, nesse caso, no PSDB?
Eu acho que aí terá que haver conversas entre dirigentes, né? Auscultar o partido, enfim... o processo não é muito definido. Formalmente, a convenção é em junho. A convenção, pela lei, é em junho.

Pois é. Mas em março como é que faz?
Em março, a partir de março, se se achar que não tenha, que não há condições de maturidade para se tomar uma decisão... Veja, a ideia de março, inclusive, veio do Aécio. É uma ideia que foi colocada e me pareceu razoável. Em março a gente para e olha.

O senhor acha exequível imaginar, dentro das possibilidades aí em aberto, que a chapa presidencial do PSDB seja composta apenas por tucanos, no caso Aécio Neves e José Serra?
Olha, nós não temos nenhum candidato ainda batido o martelo, imagina escolher vice, a essa altura. Sobretudo, decidir que vice é do PSDB, é chapa pura, sem ter o quadro dos aliados já definido. Parece muito prematuro isso.

Prematuro e improvável ou só prematuro?
Eu acho, chapa pura não sei dizer. Hoje, parece pouco provável, uma vez que você tem que ter os aliados definidos. Mas tendo os aliados, já tendo o esquema montado, é uma questão que pode ser analisada. Mas ela é bem posterior. Primeiro você tem que ter um candidato definido, depois um quadro de alianças definido. Enfim, falta coisa pela frente.

A propósito, está bem interditado o campo dos partidos médios para que eles possam se aliar à oposição nessa disputa eleitoral, sobretudo ao PSDB. Há poucos partidos de tamanho médio disponíveis para se alinharem aos tucanos. Quem o senhor enxerga hoje que seriam potenciais aliados para serem convidados pelo PSDB?
É difícil falar aqui de improviso, são tantos partidos. Mas eu lembro o seguinte, Fernando, para onde cada partido vai só vai ficar claro em maio, junho. Em 2010, quando eu fui candidato, na época da convenção, nós tínhamos o apoio do PSC, que em uma semana foi para o outro lado.

Exatamente. E agora diz até que vai ter candidato próprio do PSC, não sei.
Então, a minha experiência, nessa matéria de partidos, é coisa praticamente de última hora. Você só vai realmente... pode ter surpresas, pode não ter. Porque veja, quem está no governo hoje que sinal quer passar? Que vai continuar.

Claro.
Isso vai acontecer? Não necessariamente.

Agora, de fato, o que acontece hoje em se replicando, mais ou menos, o momento de hoje lá para o ano que vem, há um estreitamento no número de partidos disponíveis. É isso que parece que está acontecendo. Torna a missão da oposição mais difícil.
Torna, torna. Agora, agora há pouco quando houve o encerramento das inscrições foram criados dois novos partidos que arregimentaram deputados. Eu confesso para você que um mês antes eu não previa isso. Nesse volume. Na verdade, se criou aí o Solidariedade deve ter mais deputados do que partidos já tradicionais, e este outro, como é? Pros, também teve um número significativo. Eu apenas quero dizer que é difícil de prever. E a política brasileira está cheia de fatos imprevisíveis. Aliás, a imprevisibilidade, sem imprevisibilidade, sem extravagância não teria história.

E sem a gente comentar as imprevisibilidades não daria para fazer entrevista. Iríamos ter que esperar a eleição.
É claro.

E dentro desse quadro, imprevisível, é licito supor hoje, nós sabemos, que dentro do seu partido, PSDB, o presidente nacional é o senador Aécio neves, de Minas Gerais, que tem dentro da máquina interna do PSDB um certo controle, senão absoluto, muito grande, e é licito hoje, qualquer um de nós que observa política, entender que ele é o nome que seria indicado para ser candidato a ser presidente se a escolha fosse hoje. Vai ser lá na frente, mas hoje seria ele. Na hipótese de Aécio Neves vir de fato a ser o candidato a presidente do PSDB, o PSDB estará unido em torno de Aécio Neves e o senhor também?
É a minha grande aspiração, que o PSDB esteja unido. Com quem for o candidato. E eu trabalharei para isso, não tenha dúvida.

O sr. trabalhará, fará campanha, de maneira incessante, a favor de Aécio Neves se ele for...?
Farei, farei, trabalharei para que a haja unidade, primeiro. E segundo, havendo unidade, para que a unidade se projete na campanha, sem dúvida nenhuma.

Há sempre acusações de parte a parte nos bastidores, entre mineiros e paulistas tucanos, sobre não terem se ajudado em campanha anteriores. Isso ocorreu?
Não, do que eu me lembre só teve candidatos paulistas.

Não, não. Não candidatos a presidente. Eu digo, o grupo tucano do PSDB e o grupo tucano do PSDB, em São Paulo, não se ajudarem mutuamente em suas campanhas?
Não. Veja, até agora não houve oportunidade de ajuda mútua porque desde o Fernando Henrique, desde o [Mário] Covas, os candidatos são sempre de São Paulo, então nunca aconteceu o outro lado. Agora, eu tenho certeza de que o objetivo da unidade vai ser muito forte no partido e de que ela vai acontecer, na prática, nas campanhas. Eu quero dizer também, isso é preciso ficar bem claro, eu não deixei de ganhar, em 2010, por causa de divisões dentro do partido. Outros fatores foram determinantes.

O senhor acha que Aécio Neves fez campanha para o senhor com a intensidade que deveria ter feito?
Olha, ele fez campanha me apoiando e segundo a estratégia que eles adotaram em Minas Gerais, mas, inclusive no segundo turno.

Qual estratégia?
De ganhar eleição no governo estadual. Que isso sempre é um fator que se impõe. E no segundo turno fizemos muita coisa em Minas Gerais. Mas para deixar bem claro, eu não perdi a eleição porque eu podia ter tido mais votos em Minas. Se você olhar os resultados eleitorais você vai que não constitui a explicação. A derrota em 2010 foi porque tudo crescia 10% – a massa de salários, o crédito ao consumo, um período de euforia, com o governo Lula lá nas nuvens de avaliação. Então, realmente, olhando a posteriori, me parece até uma façanha ter tido 43, 44% dos votos. Não foi por que nesta ou naquela região trabalharam mais ou menos.

Eu já ouvi de vários correligionários seus que, em 2010, o apoio de Aécio Neves e do PSDB de Minas Gerais não foi com a intensidade que poderia ter sido para ajudá-lo. Isso não confere?
Olha, é difícil saber qual é a intensidade. A meu ver, eles ajudaram. Inclusive eu lembro que no segundo turno nós fizemos uma campanha muito intensa em Belo Horizonte onde eu até ganhei a eleição, em Belo Horizonte. Agora, após, depois da eleição é sempre muito subjetivo. Tem gente que pensa assim, tem gente que pensa o contrário. Mas o que eu quero dizer é que não houve, realmente, peso determinante naquilo que aconteceu.

Já ouvi também, logo depois até da eleição de 2010, que se em 2014 a eleição acabasse afunilando num segundo turno entre Dilma Rousseff e Aécio Neves, que José Serra ficaria com Dilma Rousseff?
[risos] É brincadeira, né?

É brincadeira?
É. Total brincadeira. É como, é tão provável quanto esse seu iPad sair voando, batendo assas no estúdio aqui.

Não tem a menor chance?
Não.

O senhor, se não for candidato a presidente, o que pretende fazer na sua carreira política daqui para frente?
Fernando, eu estou trabalhando, como se vê, dando palestras, algumas até profissionais, outras não, e estando presente no debate, que é o que eu posso fazer. Estou no pleno gozo dos meus direitos políticos. Às vezes algumas pessoas acham que não. E tenho, pela minha experiência e pelo meu conhecimento do Brasil, gosto até de fazer isso. O que eu vou fazer realmente, no ano que vem, mais adiante, não tenho condição de adiantar porque eu não tenho definido. Isso é uma coisa que na oportunidade veremos.

Entre as possibilidades que estão em aberto, disputar uma vaga ao Senado é uma delas?
Você tem aí diversas possibilidades, mas eu não estou, eu não me detive a analisar nenhuma. É um problema metodológico. Se eu não vou resolver eu não fico dando volta na cabeça com isso.

Muita gente fala que a vaga ao Senado é uma disputa apertada por conta de o incumbente, senador Eduardo Suplicy, do PT, já está lá há três mandatos. Diz que vai disputar de novo mais um mandato possivelmente e, para muitos, Eduardo Suplicy é quase imbatível. O senhor acha que ele é imbatível na disputa pro Senado, em São Paulo?
Não, não é. Ninguém é imbatível antes de disputar a eleição. Você lembra que em 2006, quando eu fui candidato a governador, me elegi no primeiro turno. O Guilherme Afif [Domingos] foi candidato ao Senado e perdeu por uma margem muito pequena.

Para o Eduardo Suplicy para o Senado.
É. Se ele tivesse acreditado na vitória provavelmente teria ganho. Ou seja, ninguém é imbatível. Todos os adversários merecem respeito como adversários. A minha experiência com eleição é que não dá para subestimar ninguém quando você vai ser candidato. Eu me lembro que quando eu fui candidato ao Senado, em 1994, os adversários mesmo, os que tinham mais votos, eram o [Romeu] Tuma e a [Luiza] Erundina. Eu fui o primeiro colocado dos três, mas até o último momento eu temia pelo resultado da eleição. Foi uma eleição disputada. Com eleição não se brinca.

Não se pode superestimar e nem se subestimar e nem superestimar.
É.

Nesse sentido, tem sido, mais ou menos, senso comum no plano nacional a polarização entre dois grupos representados por PT e PSDB. O senhor acredita que existe, inclusive, nesse grau de imprevisibilidade em que nos encontramos a hipótese de o PSDB não estar presente na rodada final, num eventual segundo turno, para presidente?
Existe. Eu espero que esteja, mas existe, claro. Você está em uma disputa eleitoral. Eu me lembro, por exemplo, em 2002, eu comecei em quarto, creio, colocado. Fui para terceiro, fui para segundo e num certo momento o Garotinho começou a crescer, podia ir para o segundo turno. Sabe? É tudo muito incerto e você depois são feitas grandes analises. Mas ex-ante é muito complicado.

Mas ainda assim, o que dá pra imaginar com as curvas que vieram até agora? Porque a gente tem uma curva, de fato, declinante de votos para o Congresso para o PSDB. O PSDB elege menos deputados a cada eleição. Tem diminuído de tamanho, assim como outros aliados históricos do PSDB também têm perdido espaço no poder Legislativo. Não há indicações no horizonte de que essas curvas serão estancadas. Ou há? Ou o senhor prefere dizer de novo que não dá para dizer nada?
Pelas características da política brasileira, eu diria até, pela piora das práticas políticas que o PT levou ao paroxismo, ao máximo. Tudo aquilo que havia de atrasado, de fisiológico, de loteamento, de partidarização do Estado. Esse caso é mais especialidade do PT. Tudo isso foi exacerbado no Brasil. Isso tem influência nas eleições para deputados. Tem inegável influencia. É o poder econômico que pesa, não apenas o dinheiro que o deputado tem, mas a máquina que bota em andamento. Nesse sentido não é uma surpresa que tenha havido um certo encolhimento da oposição. Houve encolhimento e também translado, havia forças que compunham a maioria, nos anos 1990, e passaram para o lado do PT ao longo do tempo.

A impressão que se tem é que há um processo de encolhimento mesmo e que o PSDB se tiver um desempenho pior na eleição, do ano que vem, para presidente, isso deve fazer com que ele fique ainda menor no Congresso. Essa é uma possibilidade, me parece.
Depende do que vai acontecer nas eleições. Por exemplo, em São Paulo o PSDB não só não encolheu como também cresceu um pouco. Por quê? Porque foram ganhas as eleições estaduais nesse tempo todo. Isso vai depender muito também dos desempenhos regionais e às vezes das alianças que são feitas.

Foi bom que o senhor mencionou São Paulo.
Você quer um exemplo? Quando eu fui candidato a presidente e o Alckmin a governador o então DEM fez aliança conosco. Elegeram um grande número de deputados. Também, além do PSDB. E uma parte deles, a parte maior, entrou no PSD, e o PSD se alinhou até agora ao governo federal. Você tem tipicamente uma eleição que foram eleitas pessoas num esquema de oposição ao governo federal e que posteriormente mudaram o seu rumo. Não é tanto, às vezes, o resultado eleitoral. O que acontece depois também tem muita importância.

Essa fagocitose política. Células entrando em outras.
Você viu agora, em São Paulo, foi votado o aumento do IPTU. Um aumento abusivo. Praticamente um confisco de renda, no caso do IPTU. Confisco para pessoa física e mais forte ainda para pessoa jurídica, pequenos negócios e tudo mais. O sujeito comprou um imóvel, o imóvel valorizou, a renda dele não aumentou e ele vai ter que pagar a maior parte da renda de imposto sobre o imóvel. A diferença foi de um ou dois votos. Tinha um vereador que era do PPS, que poucos dias antes mudou e foi para o tal do Pros, e que votou então a favor da prefeitura. Foi praticamente decisivo na votação. Essas são movimentações muito próprias no sistema político brasileiro e da moeda de troca que se estabelece na política. Eu não estou convencido de que tem que ser assim. Eu não estou convencido de que para governar você precisa lotear. Esse é um fantasma que assombra o Brasil desde a época de Jânio Quadros. O Jânio, na verdade, tentou dar um golpe e virar um ditador. Ele já era um presidente forte. Tentou dar um golpe e virar ditador e não deu certo porque o Congresso aceitou a renúncia e ele ficou fora. Ele imaginava que iam reagir e dizer que não etc. Agora, a explicação que ele deu depois é de que ele não conseguia governar, porque ele tinha princípios morais, etc., mas com esses princípios ele teria minoria no Congresso. Precisava ceder, loteamento, dinheiro, isso e aquilo para poder governar. O PT, de certa maneira, estabeleceu essa espécie de legitimidade que teria você governar loteando, porque é a única maneira de se governar, senão é inviável e tal. Eu não concordo. Eu acho que é perfeitamente possível você governar sem lotear, sem partidarizar, sem, ao mesmo tempo, ter confronto antagônico com o Congresso. Eu acredito que isso é possível. E na vida pública, na minha vida pública sempre procurei caminhar nessa direção.

Essa é a uma discussão longa, podíamos falar um programa inteiro só sobre isso. Agora, só para lembrar houve também loteamento de cargos, em certa medida podemos aí discutir como é que eles foram, também no governo do PSDB anterior ao de Lula. Mas enfim, essa é uma discussão longa, mas houve também, não é?
Mas no governo Fernando Henrique, essa é a prática política brasileira, houve avanços em algumas áreas. Houve avanços na área da educação, na área da saúde. Você sabe que eu ocupei ministério por quatro anos. Não houve indicação política para nenhum cargo, em nenhum momento. Nós criamos a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a Anvisa, e a ONS. Eu propus ao presidente, mandamos para o Congresso, para o Senado os nomes indicados todos com critérios técnicos. Todos foram aprovados. O pessoal sabia que não havia mercadoria para trocar. Porque o governo tem que começar dando exemplo e tem que tratar com isonomia. Não pode ter o deputado x indica e o deputado y não indica. Você sabe que para um deputado, mais importante do que ele ter, é ele não ter se o vizinho tem. Isso é uma coisa que pesa. De alguma maneira, na Funasa, na Fundação Nacional de Saúde, nós moralizamos tudo que foi degradado. A Anvisa virou uma agência para criar dificuldade e vender facilidade e a Funasa foi simplesmente degrada, a Fundação Nacional de Saúde. Quer dizer, eu acho possível você governar com outro padrão. Isso não significa que vai ser tudo puro, que você nunca vai ter gente cometendo irregularidades, é evidente. Trata-se de um princípio que diminui muito o caráter de troca-troca de mercado persa da política.

O senhor mencionou São Paulo, agora há pouco, alguns fatos sobre eleições em São Paulo. Pela primeira vez, em 2014, há possibilidade de não haver nenhum representante de São Paulo com chance de ser presidente da República. Se o senhor não for o candidato, será possivelmente Aécio Neves, pelo PSDB. Aí teremos Eduardo Campos ou Marina Silva, que não são de São Paulo, e Dilma Rousseff que também não é.
Desde 1950, a última vez que São Paulo não teve um candidato a presidente, foi em 1950.

Isso é um motivo de desalento para São Paulo?
Não creio. Primeiro não sabemos o que vai acontecer de fato. Segundo, São Paulo não é um Estado que tenha um espírito muito regionalista, digamos assim. Não há pátria paulista, não há. É sempre um, as pessoas, os dirigentes sempre se colocam como mais num plano nacional.

Então não deve haver um impacto grande para a política paulista o fato de não haver um paulista?
Eu tenho impressão, ex-ante, não necessariamente. Agora, não é fácil prever, muito difícil.

O senhor acredita que dentro do partido do governo, Partido dos Trabalhadores, existe, pelo melhor do seu juízo, observador da política, a possibilidade ainda de Luís Inácio Lula da Silva vir a ser ele o candidato a presidente, em 2014, não a presidente Dilma?
Estou falando na base de informações que eu não teria. Me parece que sim.

Por quê?
Porque se você olhar pesquisas, hoje pesquisa tem um valor, a gente sabe, muito relativo, mas quando você olha as pesquisas que envolvem a atual presidente, a Dilma, seja eleitoral propriamente dita, seja de avaliação de governo, você vê que ela tem um desempenho para o grau de exposição que ela tem, para a quantidade de fatos positivos que são anunciados, como esse de Libra, não sei o quê, que ela fez uma salada de números. Deu uma ideia que vinha um trilhão [de reais] atrás da esquina. As pessoas estão vendo, não tem informação, boa parte tende a acreditar. Mesmo assim, ela tem um desempenho modesto. E está estacionada nisso. Se pegar pesquisas de diferentes, você pega aí diferentes institutos ela tem aí 37, 38, 40 [%], fica em torno disso. Para quem está no cargo, para quem está com a exposição que ela está, eu acho pouco. Quando você pega avaliações de governo, eu já vi pesquisa, não estou dizendo as que são acuradas não, mas aprova/desaprova, em geral não dá uma diferença grande entre aprova/desaprova. E veja que é diferente de ótimo e bom. Ótimo e bom é uma coisa. Em geral aprova é maior do que... quando eu era governador de São Paulo eu tinha 55, 57 de ótimo e bom e 70 [%] e tantos de aprova. Aprovado/reprovado é mais fácil você ter uma votação alta no aprovado. Ela tem pouco. Quer dizer, há muita restrição. E acima de tudo, Fernando, você pega qualquer pesquisa, de qualquer instituto e está lá “desejo de mudança”, que a mudança aconteça.

Mas a mudança seria com o Lula no caso aí?
Que quer que mude. Você é a favor de mudar o jeito que o Brasil vem sendo governado? A grande maioria diz que sim. Só para te dar uma ideia, em 2010, eu ficava com uma pulga atrás da orelha. Eu estava muito à frente das pesquisas, no entanto, as próprias pesquisas diziam que o pessoal não queria mudar muito. Está certo? Aquele era um indicador de que disputa ia ser acirrada. Agora, eu diria o contrário. O indicador de que a disputa vai ser acirrada é o fato de que o pessoal quer mudança. E eu acho, particularmente, que nós temos que falar sobre qual é o Brasil de verdade. E a oposição tem que ter o talento, tem que ter o preparo, tem que ter estratégia, para mostrar qual é o Brasil de verdade que ela propõe. O que tem de mentira no Brasil que hoje é apresentado e o que vai se fazer para que cheguemos a esse país de verdade. Eu acho que, independentemente da consciência política, hoje a maioria das pessoas pensa assim. Quando houve essas manifestações, sabe qual foi a coisa que mais me chamou atenção? A coisa do padrão Fifa. Padrão Fifa de hospitais. Eu achei isso altamente positivo. Ou seja, a ideia de que serviço público tem que melhorar. Particularmente na saúde, porque vou te dizer uma coisa, medicina para pobre, é uma pobre medicina, é um erro. Achar que você vai resolver o problema no Brasil criando uma medicina para os pobres.  Não. Os pobres têm que ter uma medicina de classe. Esse é o trabalho, não há outra opção na área da saúde.

Terminamos na saúde. Mas eu comecei perguntando se o senhor achava que Lula poderia substituir Dilma Rousseff. Por conta dissoo senhor...
Perdão. É que eu acabei derivando para outro ponto. Eu acho que sim. Eu acho que o PT não quer perder o poder de jeito nenhum. Nenhum partido quer. Mas para o PT é muito especial. Sabe por quê? Porque eles se misturaram com o poder. O PT se apossou do governo e deixou uma parte para os aliados. Mas toda a máquina hoje, ela está confundida com o governo. Para eles é uma questão de sobrevivência. É muita coisa. Então eles vão fazer tudo para ganhar. Se a Dilma, se os dados apontarem que ela, eventualmente, não seria capaz de ganhar no primeiro turno, eu acho que o PT não vai correr o risco. Eu estou dizendo isso daqui como analista. Não estou dizendo como pitonista.

Mas por que no primeiro turno? O senhor acha que ela tem que ganhar no primeiro turno senão ela não ganha?
Gera muita insegurança. Um segundo turno para ela é arriscadíssimo.

Mas não foi assim nas outras eleições?
Era diferente porque o quadro nacional era outro, o desejo de mudança era praticamente nenhum, pequeno, o quadro da economia era eufórico. Eu não acho que a economia vai afundar, para o ano que vem, vai continuar esse desempenho medíocre. O quadro é outro, e o desejo de mudança é grande.

Do outro lado ali do muro da oposição há dois nomes também: Marina Silva e Eduardo Campos. Hoje, há uma discussão dentro do PSB, me parece claro, que se tivesse que ser hoje oficialmente escolheriam o próprio Eduardo Campos. O senhor acha que essa é realmente a tendência, ou eles podem fazer uma inversão?
Fernando, eu fiquei tão surpreso com o que aconteceu que é difícil fazer previsões. Outro dia eu estava dando uma entrevista e me perguntaram “o senhor acredita em mais surpresas?” eu disse “acredito”, “quais?” e eu disse “se eu soubesse não seria surpresa”. Mas que tem tem, e eu acho que vai ter também no futuro.

Nesse caso, quem é mais competitivo?
Hoje, estritamente, seria a Marina, do ponto de vista da análise política, hoje, se você for pegar a pesquisa só e um certo sentimento nacional, mas mais adiante...

Ela poderia ter para Eduardo Campos o mesmo papel que teve Lula para Dilma?
É, são características muito diferentes. A Marina é uma pregadora introvertida. O Lula é um pregador extrovertido. Francamente, não creio que se coloque aí um paralelo, entende?

Falando do senhor das pesquisas, que são ainda muito preliminares, o senhor aparece em todas as pesquisas sempre como o que tem a maior taxa de rejeição. Perdeu a eleição para prefeito em São Paulo. Esses elementos são os principais que o impedem aí de ser talvez o escolhido do PSDB?
Olha, a questão de rejeição, às vezes é a Dilma que está na frente. Eu acho normal. Porque eu disputei uma eleição nacional, você sofre muitos ataques, aí de toda a máquina petista. E aí você fica compassivo. Quem é preferencialmente eleitor do PT conhece e diz “o Serra não porque ele é opositor nosso”. É uma coisa mais consistente. A própria Marina Silva passou a campanha intacta, de 2010, nenhum dos dois lados se concentrou na Marina. Então eu acho mais ou menos normal. Não creio que essa coisa de rejeição seja algo assim tão forte e absoluto. É previsível. Da mesma maneira que eu tenho mais preferência que os outros também tenho mais rejeição, pelo fato de ser mais conhecido e ter tido embates duríssimos nessa matéria.

O senhor acha que esse tipo de taxa de rejeição é algo que é reversível durante uma campanha?
Em tese sim, seria.

O senhor foi prefeito de São Paulo. Na prefeitura de São Paulo surgiu um caso rumoroso agora em que pessoas cobravam, aí são acusadas, de terem cobrado propinas de valores muitos altos. A cobrança do ISS. Na época em que o senhor foi prefeito, do melhor do seu juízo, o senhor foi prefeito. O senhor acha que um prefeito tem como saber, como intuir que isso está acontecendo na administração.
Não, a menos que você tenha... Você está assim e não sabe o que está acontecendo ou pode estar acontecendo. Mas, na época, nós fizemos em relação ao ISS, uma reforma completa que diminuiu a evasão. Foi a informatização do ISS até com criação de nota fiscal paulistana, que eu não sei se você recebe como pessoa jurídica ou física, mas como pessoa jurídica pra serviço pode usar e tem devolução de impostos. Houve um avanço enorme. Essas irregularidades agora descobertas havia indícios delas por denúncias anônimas, em 2010. Eu saí da prefeitura em março de 2006. Em 2012, durante a campanha eleitoral, surgiram denúncias anônimas. O então secretário, Mauro Ricardo, abriu investigação a esse respeito. Foi ele que abriu. E aí concluíram e pegaram os fulanos com a boca na botija. Não é positivo que tenha havido a roubalheira. Positivo é que tenham investigado diante de denúncias e descoberto.

A forma como foi divulgada a operação toda pela prefeitura de São Paulo, pela administração atual, dá a impressão de que houve uma roubalheira na administração anterior e ponto. O senhor acha que houve algum uso do fato, além do que deveria ter sido?
Você sabe o que foi esquisito? Que um dos dois principais larápios, aí no caso, foi incluído na atual administração como diretor da SPTrans. Muito esquisito a prefeitura estar estudando, estar investigando e colocá-lo na diretoria de uma empresa. Acho que até eles foram pegos de surpresa. Agora, aproveitamento político é lógico que vão procurar fazer. Isso faz parte do jogo político.

Eu vou fazer algumas perguntas aqui também sobre outro caso rumoroso do metrô de São Paulo. Em uma correspondência eletrônica, um e-mail da empresa Siemens, escreve ali, tem escrito que o senhor teria sugerido um acordo em uma licitação da CPTM para evitar disputa judiciais que atrasariam a entrega dos trens. O senhor acha correto que um governador, no caso, possa interferir em uma licitação pra abaixar os preços ou acelerar o prazo?
Não. Aí o que houve foi outra coisa. Eu atuei contra o cartel porque ganhou uma empresa com um preço mais baixo e as que ganharam com um preço mais alto queriam derrubar a primeira empresa que ganhou com preço baixo. Eu disse “se derrubarem, se forem para Justiça e derrubarem eu refaço a concorrência. Eu não vou dar para o segundo colocado.” Foi uma posição anticartel.

Mas isso não poderia ser confundido ou interpretado como advocacia administrativa, porque o seu interesse, como governador, estaria acima da comissão de licitação?
Não, não, apenas o seguinte, eu estou defendendo os preços mais baixos. Eu olho, tem um cartel que quer forçar aumentar preços, eu faço a concorrência de novo. Nada demais. Você tem uma concorrência, alguém ganha com preço baixo. Os que tiveram preço mais alto querem derrubar aqueles que ganharam com preço baixo. Aí eu digo, eu não tenho como impedir que vão à Justiça, etc. Vão à Justiça, se ganharem e derrubarem o primeiro, eu não darei para o preço mais alto, eu farei nova licitação, com os preços baixo antes aprovados. Ou seja, estou defendendo os cofres públicos e enfrentando o cartel, não o contrário.

Então o sr. estaria, nesse caso, enfrentando o cartel, mas deixa eu apresentar outro fato aqui. O presidente da CPTM,  no seu governo, Sérgio Avelleda, é réu numa ação sobre uma acusação de ter restringido a competição em um contrato para manutenção das linhas. E, segundo o edital, 73 empresas teriam feito consultas à CPTM sobre a licitação. No final, só 3 delas acabaram participando. Nesse caso, não houve um estímulo ao cartel?
Eu não acompanhei todas as licitações havidas em meu governo, que são centenas, se não milhares. O que eu posso dizer é que o Sérgio Avelleda sempre tive a imagem, e tenho, do homem correto e de um bom administrador. Foi posto na CPTM, foi um bom presidente da CPTM. Agora, esse caso em si, eu acho que ele pode perfeitamente explicar, eu particularmente não conheço isso.

O ex-diretor da CPTM que também é acusado, teria recebido propina de R$ 1,8 milhão da Alston, João Roberto Zaniboni, esse ex-diretor da CPTM era uma pessoa que o sr. conhecia na administração?
Não, eu acho que ele trabalhou no período [Mário] Covas, se eu não me engano, nunca ouvi falar. Nem trabalhou no meu governo, pelo que eu soube.

Eu já perguntei sobre a prefeitura, mas pergunta agora sobre o governo do Estado. Num caso desses, que são obras tão importantes para a infraestrutura de um Estado como é São Paulo, metrô, trens, o governador não fica sabendo os detalhes, mas ele não tem como intuir e perceber que alguma coisa errada está acontecendo?
Quando tem um cheiro, faz alguma coisa, remove gente, manda olhar, fala com a corregedoria, você tem que ter sinais para isso, porque você não está acompanhando cada coisa em detalhe. O que eu posso dizer, quando eu entrei no governo... não porque no governo anterior tivesse havido sobrepreços, mas eu acho que toda vez que você começa uma gestão, você tem mais força. Nós fizemos uma redução de preços e investimentos geral, de contratos, 4, 5%, forçando, pressionando, você tem sempre um braço de ferro. O meu critério básico é: menor preço e rapidez. Porque tempo é dinheiro, está certo. Se você investe e fica no meio da obra, você está perdendo dinheiro. Se fosse uma empresa privada, quebraria. Isso aí tem que se raciocinar assim. Se fosse uma empresa privada, quebraria. É dinheiro que você jogou lá e que não está rendendo nada. O governo do PT é especialista nisso. Vide transnordestina, transposição do São Francisco, refinaria Abreu Lima, eu poderia te citar aqui dezenas de obras. Pois bem, a rapidez é importante. É importante o melhor preço. Veja o assunto do petróleo agora, e o campo de Libra. Não houve concorrência. E mais ainda, o governo ajudou a se formar um cartel. À luz do dia isso. Eu disse no dia seguinte. Me perguntaram “o que você achou do leilão de Libra?”. Falei “não houve  leilão”. Foi uma locação, inclusive usaram a Petrobras, obrigaram a Petrobras a ter uma participação maior do que ela poderia diante da crise financeira que vive. Isso é administração de cartel em estado puro. Eu acho que essas questões... É muito importante que as irregularidades sejam investigadas, que se punam quem levou dinheiro, e ao mesmo tempo que se compreenda como é que se atua. O cartel é um fenômeno do conjunto da economia. Tem cartel de bancos, você tem cartel por todo lado, é natural do sistema capitalista, em escala mundial, e em escala nacional. Agora, o que o poder público tem que fazer é se contrapor a isso. Por exemplo, uma medida que eu fiz na prefeitura de São Paulo e que despertou resistências, e que generalizei no governo do Estado, não fui o introdutor. Foi o Covas e o Alckmin, o leilão eletrônico. O leilão eletrônico dificulta o cartel, dificulta o entendimento de combinarem. Teve resistências. Nós conseguimos fazer. Você vai diminuindo a área onde pode se construir irregularidades. Agora, não dá pra você chegar e falar: eu vou parar tudo e começar do zero. É impossível, do ponto de vista administrativo provocaria o caos.

Outro tema, manifestações violentas de rua. Os governos, com suas forças de segurança, têm sido demasiadamente lenientes ou o contrário com esses manifestantes violentos.
Olha, eu acho que não dá pra dizer, não dá pra escolher entre um e outro. Tem sido um processo de aprendizado. Eu nunca vi, olha, eu fui líder estudantil de um tempo muito agitado no Brasil, eu era dirigente, era presidente da UNE, numa época que se lutava bastante. Eu nunca vi nada parecido, nem do nosso lado nem do lado da direita, com marcha da família, etc. Eu nunca vi nada tão volumoso e generalizado no Brasil. Foi uma coisa nova, não tinha acontecido antes, uma mistura de coisas. Ontem, Fernando, antes de ontem, eu estava com os meus netos, que estavam jogando um peão de plástico, um jogo. E aí, 8 horas, eu ia embora, tinha um compromisso, falei “eu vou embora”. A minha neta, que tem 6 anos, virou pra mim e falou “você vai numa manifestação?”. Você veja, que coisa nova, meu neto mais novo, de 4 anos, diz “eu já vi uma manifestação”. Ou seja, é algo até que já entrou no vocabulário das criancinhas. É um fenômeno diferente.

Mas elas estão aí já há quase 4 meses.
E pegou de surpresa. Eu acho que pouco a pouco tem que se desenvolver um esquema que reprima a desordem, que é diferente de manifestação. Quebra-quebra, quebra de patrimônio público...

Eu entendo que seja uma coisa nova, mas são cerca de 4 meses já. São Estados importantes, Rio de Janeiro, São Paulo, já não houve tempo suficiente para que seja desenvolvido uma tecnologia para proteger quem quer se manifestar de maneira pacífica e reprimir aqueles que não querem?
Não é uma tecnologia simples, porque você lida com gente, com pessoas. Você sabe que a chance de pegar, entre aspas, inocentes, no lugar de desordeiros, é muito grande. Eu acredito que pouco a pouco a polícia já está fazendo isso e vai fazer.

Tem algo que deveria ter feito e não fez?
Sabe o que tem que fazer? Ir identificando quem são, porque você tem fotos, filmes, etc. Quem são aqueles que realmente estão lá não para manifestar, mas para fazer quebra-quebra e desordem. Você deve ter grupo de extrema-direita, grupo de extrema-esquerda, você tem de tudo aí no meio. Eu acho que isso demanda uma tecnologia mais refinada.

Isso necessariamente leva tempo, não tem como fazer mais rápido?
De fora, pode parecer lento, mas de dentro talvez seja muito difícil fazer mais depressa.

O seu partido está entre dois nomes para presidente da República. O seu e Aécio Neves, já falamos um pouco aqui. Mais para Aécio Neves, hoje, a julgar pelo establishment partidário. Quem é, dos dois, Aécio Neves ou José Serra, que estaria mais à esquerda hoje?
[Risos] Engraçada a pergunta. Eu acho que categoria esquerda-direita é meio já batido isso. Hoje não divide muito... Aí tem, sabe, direita, esquerda, não divide o debate, fica um pouco escolástico.

Ainda assim.
Sabe, meio dogmático.

O sr. está à esquerda ou à direita de Aécio Neves?
À direita não estou.

À esquerda?
Depende do ângulo que se olhe. Eu tenho uma biografia de militância de esquerda longa. São histórias diferentes, difíceis de comparar.

Mas se o sr. tivesse que descrever para alguém que não os conhecesse, quem seria mais de esquerda ou direita?
Eu não usaria essa categoria, não dá para comparar banana com laranja, digamos. São formações diferentes, perfis diferentes, personalidades diferentes. É muito difícil. Mas acho que ambos somos, para usar um termo genérico, progressistas.

José Serra, muito obrigado por sua entrevista à Folha de S. Paulo e ao UOL.
Eu que agradeço, muito obrigado por essa oportunidade.