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Exército expunha corpos do lado de fora de helicópteros, diz Comissão da Verdade

Abel Honorato (último à dir.), ex-colaborador do Exército, em audiência com os membros da Comissão Nacional da Verdade em Marabá - Divulgação/CNV
Abel Honorato (último à dir.), ex-colaborador do Exército, em audiência com os membros da Comissão Nacional da Verdade em Marabá Imagem: Divulgação/CNV

Bruna Borges*

Do UOL, em Marabá

17/09/2014 06h00

Na época da Guerrilha do Araguaia, o Exército carregava e expunha os corpos dos guerrilheiros em helicópteros, relatou o antropólogo Orlando Calheiros, assessor da Comissão Nacional da Verdade nesta terça-feira (16) em Marabá, no Pará.

Segundo o antropólogo, além de transportar os mortos em sacos pretos, testemunhas disseram que o Exército também amarrava os corpos do lado de fora dos helicópteros para expô-los aos camponeses da região, em uma tentativa de intimidação. Também há relatos de que pessoas vivas eram amarradas e atiradas durante o voo para a morte.

Para o coordenador da comissão, Pedro Dallari, o resgate histórico sobre a guerrilha é um dos mais importantes do grupo, pois metade dos desaparecidos políticos do país, cerca de 70 pessoas, corresponde a esse período.

Região da Guerrilha do Araguaia - Arte/UOL - Arte/UOL
Região onde ocorreu a Guerrilha do Araguaia, entre Tocantins e Pará
Imagem: Arte/UOL

Considerado um dos episódios mais violentos da repressão durante a ditadura militar brasileira, a Guerrilha do Araguaia foi caracterizada por prisões ilegais, tortura, desaparecimentos e extermínio dos guerrilheiros. A guerrilha rural, que seguia o curso do rio Araguaia, ocorreu entre 1967 e 1974 em uma região que compreende áreas do Pará, Maranhão e Tocantins (à epoca Goiás). O movimento, criado pelo PCdoB, tinha como objetivo implementar uma revolução socialista no país começando pelo campo.

As famílias têm dificuldades para identificar a localização dos restos mortais desses guerrilheiros, pois o Exército tinha como política de Estado desaparecer com os corpos da guerrilha. Segundo as testemunhas da diligência realizada nesta semana, os comandantes eram os responsáveis por essa prática.

Em agosto, a comissão revelou informações sobre o depoimento do sargento João Santa Cruz Sacramento, que confirmou a informação. O militar afirmou que viu alguns dos desaparecidos com vida antes de eles sumirem. “A chave para achar os corpos ou restos mortais é o Curió [coronel reformado Sebastião Rodrigues de Moura], ele era o chefe, ele tinha acesso a tudo e nós não tínhamos”, diz trecho do depoimento do sargento.

Abel Honorato, 71, um ex-colaborador do Exército, contou em audiência pública da comissão que foi torturado pelos militares e obrigado a trabalhar para o major Curió. Também afirmou que viu corpos sendo transportados em helicópteros.

"O Curió me obrigou a trabalhar para ele, mesmo depois da guerra. Eu fui muito judiado, muito acabado, até hoje eu não sou ninguém", disse a testemunha.

Honorato deveria contar tudo o que sabia para ajudar na repressão aos guerrilheiros. Ele também afirmou que o ex-senador Romeu Tuma, morto em 2010, era um agente da repressão e usava o codinome “doutor Silva” e que também atuou na “Casa Azul”, a sede do Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes), que era usada pelo Exército como prisão ilegal e centro clandestino de tortura durante o regime militar. “Eu acho que o Silva era comandado pelo Curió. Eu tenho certeza, tenho uma lembrança muito forte de que ele era o doutor Silva era o Romeu Tuma”, afirmou Honorato.

“Se você falava que conhecia a região, aí era recrutado para achar os guerrilheiros. Apanhava e era obrigado. Se você sofrer o que eu sofri, a pessoa conta até o que não sabe”, relatou Honorato.

Também nesta terça-feira, a Comissão da Verdade fez uma visita ao Cemitério da Saudade, em Marabá, para reconhecimento de possíveis túmulos de guerrilheiros.

Ivaldo José Dias, 72, e Ivan Jorge Dias, 71, que são testemunhas da guerrilha, mostraram onde eram levados os corpos que foram assassinados pelo regime militar. Eles contam que levaram pessoas vivas ao quartel e que depois foram chamados pelos militares para levá-las mortas ao cemitério, saindo do quartel e do hospital da cidade. Também afirmaram que foram espancados pelos militares e que foram obrigados a realizar esse trabalho por essa violência.

*A jornalista Bruna Borges viajou a Marajá a convite da Comissão Nacional da Verdade