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Sem WhatsApp, organizadores do "Fora Collor" estouraram conta de telefone

Estudantes "caras-pintadas" em ato contra Collor, em São Paulo, em setembro de 1992 - Eder Chiodetto / Folhapress - 18.09.1992
Estudantes "caras-pintadas" em ato contra Collor, em São Paulo, em setembro de 1992 Imagem: Eder Chiodetto / Folhapress - 18.09.1992

Wellington Ramalhoso

Do UOL, em São Paulo

14/03/2015 06h00

1992. Jovens descontentes com o governo Fernando Collor, hoje senador pelo PTB de Alagoas, mobilizam milhares de pessoas em manifestações pelo impeachment do presidente. Sem internet, sem redes sociais, sem celulares e sem aplicativos como o WhatsApp.

Como conseguiram convocar os protestos e reunir tanta gente? “Era tudo mais lento num momento político que exigia extrema rapidez. O que tinha de tecnologia era fax e telefone [fixo]. Lembro que as nossas contas de telefone eram quilométricas. Foram todas cortadas. Logo depois que o Collor caiu, a gente não tinha condição de nada. A própria UBES deu 98 cheques sem fundo nesse período. Foi um negócio de louco”, diz o publicitário Mauro Panzera, que na época presidia a UBES (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas).

“As diretorias da UNE (União Nacional dos Estudantes) e da UBES fizeram uma espécie de comando que acabava marcando um calendário e distribuía para todo o país. Essa agenda era relativamente aceita pelo movimento estudantil no país inteiro. E as pessoas das cidades sabiam das datas e se preparavam. Todo dia tinha manifestação, de segunda a sexta”, afirma Panzera.

Na base do movimento, as notícias do calendário dos protestos corriam no boca a boca nas escolas e universidades. “Essas coisas se espalham com muita rapidez, mesmo sem WhatsApp, mesmo sem redes sociais. Vira uma onda."

Os estudantes protagonizaram o movimento “Fora Collor” e entraram para a história como os “caras-pintadas”. Investigado pelo Congresso, Collor deixou a presidência no terceiro ano de seu mandato e sofreu o impeachment. O vice Itamar Franco, então no PMDB, assumiu o cargo.

“Naturalmente que a gente queria abalar a política ao fazer a nossa manifestação, mas ninguém previa que o abalo seria tão grande”, diz o publicitário, que na época estudava em Belém e hoje vive em Fortaleza.

“O movimento estudantil não foi sectário, recebia todo mundo, era o mais amplo possível. Aceitava todas as cores, todos os credos. O importante era ser contra o Collor”, afirma o ex-presidente da UBES.

Partidos e sindicatos também participaram do movimento “Fora Collor”, mas nos atos dos “caras-pintadas”, os estudantes ditavam o calendário e dominavam a palavra. “Quem discursava no final das manifestações éramos nós. O movimento estudantil é uma salada de grupos pequenos. E todos queriam ter direito de falar”.

Mais que corrupção

As denúncias de corrupção abalaram e derrubaram Collor, porém as entidades estudantis, majoritariamente de esquerda, também se opunham à política econômica do governo. “A gente ressaltava bastante, por ser algo que a própria mídia ajudava, esse aspecto da corrupção. Mas o nosso objetivo era, de certa forma, frear o que o Collor se propunha a fazer com a economia do país: vender empresas, ter uma politica excludente”.

Nesse aspecto, opina Mauro Panzera, a mobilização atual contra a presidente Dilma Rousseff (PT) lembra o movimento “Fora Collor”. Para ele, quem se articula contra a petista não está preocupado apenas com as denúncias de corrupção e se opõe às políticas da gestão petista.

O publicitário vê, no entanto, Dilma com muito mais sustentação do que Collor e critica os movimentos que pregam o impeachment da presidente. “É um povo movido pelo ódio, pela raiva. Esses movimentos são mais conservadores do que o Collor era na época”.