Procurador do mensalão volta ao STF para defender Eduardo Cunha
Quase 10 anos depois, o homem que ficou famoso pela denúncia que iniciou o julgamento do mensalão retorna ao STF (Supremo Tribunal Federal) na condição de advogado de um dos principais personagens do escândalo da Lava Jato.
O ex-procurador-geral da República Antônio Fernando de Souza é um dos advogados do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), suspeito de receber propina do esquema investigado pela Operação Lava Jato. Cunha nega as acusações.
Nesta quarta-feira (2), o STF inicia o julgamento que decidirá se o presidente da Câmara será ou não réu do crime de corrupção e lavagem de dinheiro.
O inusitado retorno de Souza ao STF gerou críticas de políticos, mas recebeu o apoio de advogados, inclusive daqueles que defenderam os réus do mensalão que ele ajudou a condenar.
Antônio Fernando de Souza tem 67 anos de idade. Ingressou no MPF (Ministério Público Federal) em 1975 e ficou na instituição até 2009. Nos anos 90, integrou o grupo de procuradores da República conhecido como “tuiuiús”, por conta da dificuldade que eles tinham de avançar na carreira. Em 2005, ele foi escolhido como procurador-geral da República, cargo para o qual foi reconduzido em 2007 e no qual ficou até 2009. Em 2006, Souza ofereceu a denúncia contra 40 suspeitos de fazerem parte do esquema do mensalão, entre eles o então ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu (PT) e o então tesoureiro do PT Delúbio Soares.
Depois da aposentadoria, em 2010, Antônio Fernando decidiu seguir a carreira de advogado e virou sócio do escritório Garcia de Souza Associados, com sedes em Curitiba e em Brasília. Legalmente, não há nenhum dispositivo legal que impeça Souza de advogar para quem quer que seja. Mas a decisão de defender Cunha (seu cliente mais famoso até agora) causou estranheza ao deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP), um dos responsáveis pela ação que pede a cassação do presidente da Câmara por quebra de decoro parlamentar.
“Eu acho que alguém que passou pela PGR tem o direito de exercer a profissão, mas nesse caso, como ex-representante da PGR, inclusive no caso do mensalão, eu acho que ser advogado de uma figura como Eduardo Cunha é indefensável. Eu acho que é contraditório e incoerente”, diz Ivan Valente.
Antônio Fernando não é o único advogado de Cunha, mas pessoas ligadas ao estafe do presidente da Câmara afirmam que ele é o principal estrategista da defesa feita ao STF.
Apesar das críticas de Valente, advogados que defenderam parte dos réus do mensalão acusados por Souza saudaram a “mudança” na carreira do ex-procurador-geral da República.
“Eu vejo essa mudança com muita naturalidade. Ele é um profissional sério, competente e faz jus ao bom nome que ele conquistou. Sempre tratou os advogados com muito respeito. O fato de ele ter sido procurador-geral não o coloca em posição de privilegiada porque o caso não é o mesmo”, diz o advogado Alberto Toron, que defendeu o ex-deputado federal João Paulo Cunha (PT), condenado no mensalão.
O advogado Pierpaollo Bottini, que defendeu o ex-deputado federal Professor Luizinho (PT-SP), diz que a mudança de lado de Antônio Fernando não deveria causar estranheza. “Eu não acho que a gente possa criticar ou impedir alguém de advogar só porque, em determinado momento da vida, ela esteve do outro lado do balcão. Acho que ele cumpriu seu papel lá (na PGR). Não acho que isso deveria causar estranhamento. As pessoas devem ter essa compreensão. É outro processo, outra situação”, afirmou Bottini.
Marcelo Leal, que defendeu o ex-deputado Pedro Corrêa (PP-PE) no mensalão, também não vê problemas na atuação de Souza na defesa de Cunha. “O fato de ele ter sido procurador e agora ser advogado não tem relação. São duas coisas completamente diferentes. Eu desejo toda a sorte do mundo para ele”, disse Leal.
Leal, que assim como Bottini e Toron, também defende réus da Operação Lava Jato, citou um caso atribuído ao famoso advogado Ruy Barbosa para explicar seu apoio a Antônio Fernando. “Tem essa história de que Ruy Barbosa foi ao tribunal e venceu um processo usando uma tese. À tarde, ele foi defender outro cliente em uma situação inversa ao cliente da manhã. Ruy Barbosa inverteu a tese. Alguém no tribunal o criticou e disse que ele estava sendo contraditório e aí ele respondeu: ‘É que pela manhã eu estava errado’”, contou Leal.
A reportagem do UOL tentou, por telefone, contatar Antônio Fernando de Souza, mas, até o encerramento desta reportagem, não obteve retorno.
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