O que Temer pode e o que não pode fazer como presidente interino
Após decisão do Senado, a presidente Dilma Rousseff (PT) será julgada pela acusação de ter cometido crime de responsabilidade e, por isso, foi afastada. O vice-presidente, Michel Temer (PMDB), assume de forma interina por até 180 dias, sendo efetivado se Dilma for condenada ao fim do processo.
O UOL questionou os professores de direito constitucional Vladimir Pinto Coelho Feijó (Ibmec-MG) e Rubens Glezer (FGV-SP) sobre as atribuições de Temer como presidente em exercício durante o afastamento temporário de Dilma, e também sobre quais medidas ele pode tomar com e sem o apoio do Congresso Nacional. Veja as respostas:
O que Temer pode fazer como presidente interino?
Em tese, Temer tem amplos poderes como presidente, definindo a condução da política econômica, editando decretos e medidas provisórias, sancionando ou vetando projetos de lei do Congresso e executando todas funções como chefe de Governo e de Estado. "A regra é essa: substitui com plenos poderes", diz Rubens Glezer. Vladimir Feijó concorda com esse ponto de vista, mas faz uma ressalva.
"Li artigos de colegas de direito constitucional que julgam que o presidente em exercício só pode cumprir atividades regulares, sem se intrometer em decisões governamentais, de políticas públicas duradouras. Ele não poderia desfazer medidas tomadas no passado. Do meu ponto de vista, ele pode, mas esse é um debate a ser travado", diz Feijó.
Em que momento Temer assume oficialmente a Presidência? Há alguma solenidade de posse?
A partir do momento em que Dilma for notificada, ela já é oficialmente afastada do cargo. Ao mesmo tempo, o Senado informa Temer, por escrito, que ele passa a ser presidente em exercício, assumindo o gabinete presidencial no Palácio do Planalto e passando a ter o controle de secretarias, ministérios e das Forças Armadas. Não há previsão de posse ou transmissão oficial de cargo.
O que Temer pode fazer imediatamente após assumir a Presidência?
Em suas primeiras atitudes como presidente, Temer pode, por exemplo, exonerar os ministros de Dilma e nomear seus indicados. Grandes reformas, como a política, a trabalhista e a da Previdência, dependem de votação no Congresso Nacional, mesmo que apresentadas pelo presidente da República. Uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional) desse âmbito, por exemplo, ocorre em dois turnos na Câmara e no Senado e demora cerca de três meses para ser aprovada.
Segundo Vladimir Feijó, Temer pode, de imediato, cortar gastos, além de utilizar o Ministério da Fazenda e o Banco Central para alterar a condução da economia. "Pelo Banco Central, é possível mexer na taxa de juros, enquanto na Fazenda há uma margem para alterar alíquotas por meio de decreto. Ele pode baixar uma alíquota, por exemplo, para estimular a exportação de um produto de segmentos que são subexplorados, ou aumentar um imposto para diminuir a importação de outro produto. Só é preciso fazer isso tudo com critério, porque mexe nas relações internacionais", diz Feijó.
De acordo com um documento elaborado pelo PMDB, Temer planeja promover privatizações, reforçar as exportações e relançar programas como o Minha Casa, Minha Vida e o Pronatec (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico), além de executar um ajuste fiscal.
Aliados do vice também querem desvincular benefícios dos reajustes concedidos ao salário mínimo e acabar com as vinculações constitucionais, como gastos obrigatórios com saúde e educação. O grupo em torno de Temer busca garantir apoio no Congresso para aprovar essas medidas.
Temer pode reduzir o número de ministérios ou mesclar pastas?
O presidente tem essa prerrogativa, por meio de medida provisória, mas a decisão final ainda é do Congresso Nacional. Na última reforma ministerial de Dilma, quando ela extinguiu oito pastas, o Senado só referendou a decisão em março deste ano --cerca de seis meses depois de a presidente ter decretado a MP.
"Com boa vontade do Congresso, Temer poderia aprovar essa MP em cerca de um mês. Até lá, o que ele pode fazer é deixar de nomear um ministro para uma pasta que será futuramente extinta, gerando uma economia de R$ 17 mil por mês, referente ao salário do titular", diz Vladimir Feijó.
Segundo aliados do vice-presidente, ele pretende reduzir o número de ministérios em pelo menos oito pastas.
O vice-presidente em exercício pode mexer no Bolsa Família e em outros programas sociais?
Temer pode fazer ampliações ou reduções nos programas, mas qualquer mudança significativa também precisaria de aprovação na Câmara e no Senado, para serem implementadas no Orçamento do governo para 2017.
Ele ainda tem a prerrogativa de poder alterar, por exemplo, o último decreto de Dilma Rousseff, que no dia 1º de maio anunciou o reajuste de 9% no valor dos benefícios do Bolsa Família e corrigiu a tabela do Imposto de Renda em 5%.
"Mas ele teria que lidar com um eventual desapreço da opinião pública e da população se fizer isso", diz Vladimir Feijó. A equipe do vice, entretanto, sinalizou que ele manterá o chamado "pacote de bondades".
Temer pode influenciar de alguma forma na operação Lava Jato?
Entre as instituições envolvidas na Lava Jato, o presidente da República não tem ingerência sobre o trabalho da Justiça Federal ou do Ministério Público, mas comanda a Polícia Federal, por meio do Ministério da Justiça.
"O ministro da Justiça tem comando sobre a PF e pode, por exemplo, realocar funcionários e mexer na equipe da força-tarefa. Hoje, os delegados têm ajudado juízes e promotores a lerem as provas e indicado quais caminhos a investigação pode tomar. Mas a sociedade tem medo de uma 'operação-abafa'", comenta Vladimir Feijó.
Para Rubens Glezer, qualquer interferência no trabalho da PF dependeria do apoio e da governabilidade que Temer obtiver. Além disso, segundo o professor, o vice só poderia influenciar a PF na promoção (ou não) de concursos públicos para ampliar o quadro da instituição, apesar de ela estar subordinada ao governo. "Qualquer outra ingerência fugiria à competência dele", opina.
A preocupação com uma uma possível acusação de interferência do Executivo na Lava Jato fez com que Temer desistisse do nome de seu amigo pessoal Antônio Claudio Mariz de Oliveira para a pasta da Justiça --recentemente, o advogado fez críticas à operação e ao uso da delação premiada.
Temer pode convocar novas eleições?
De acordo com especialistas, não há prerrogativa jurídica para que o presidente da República convoque novas eleições. Uma saída legal seria a renúncia tanto de Dilma --mesmo durante um eventual período de afastamento para o julgamento no Senado-- quanto de Temer ainda em 2016, o que obrigaria o Congresso a convocar novas eleições diretas para presidente em até 90 dias.
Outros cenários, como uma PEC idealizada por alguns senadores que anteciparia as eleições, são vistos como improváveis, pois não haveria brecha na Constituição para essa saída.
"Uma alternativa, que também é questionável, é solicitar ao Congresso um plebiscito consultando a população sobre essa possibilidade. O Congresso teria que aprovar não só a consulta popular, mas também uma lei que fizesse a convocação de eleições. Eu julgaria uma afronta à Constituição, mas alguns consideram que não é", comenta Vladimir Feijó.
"Acho que uma proposta sobre novas eleições, apesar da série de dificuldades jurídicas, teria uma pequena chance de se tornar viável caso angariasse um amplo consenso no mundo político, jurídico e na população ", acrescenta Rubens Glezer.
De qualquer forma, se Dilma não pareceu rejeitar completamente a ideia, Temer já teria considerado a hipótese um "golpe", segundo apuração da "Folha de S.Paulo".
E se Dilma voltar? Ela pode voltar tudo como estava antes?
Em tese, sim. Caso vença o julgamento no Senado, Dilma pode remodelar o governo de acordo com sua visão administrativa. "Tudo que vale para ele, em termos de mudança, vale para ela também. Pode ser validado ou derrubado. Especialmente porque ela é a presidente titular, enquanto ele estaria apenas em exercício", diz Vladimir Feijó.
"Mas também não é automático assim. Dilma teria que ajustar seu interesse à opinião pública, validando aquilo que ela considera as reformas adequadas e revisando as outras, decretando uma decisão que anulasse a anterior e impusesse um novo posicionamento."
Além disso, a presidente também estaria sujeita a um acordo com os parlamentares, da mesma maneira que Temer. "Voltando à Presidência, ela teria que rediscutir uma aliança no Congresso, apresentar uma pauta e ganhar o apoio da opinião pública para que os projetos sejam aprovados no parlamento, e essa tensão do impeachment seja reduzida", diz Feijó.
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