Foro: por que parlamentares que preferiam STF agora querem evitar Corte

Em julgamento no STF, a ampliação do foro privilegiado se tornou um novo foco de atrito entre Judiciário e Legislativo e enfrenta resistências no Congresso por causa da insatisfação de uma ala de parlamentares com decisões tomadas pela Corte envolvendo políticos.

O que aconteceu

A mudança teria potencial de ampliar poderes dos ministros diante do Congresso e de Jair Bolsonaro (PL). Alvo de cinco investigações no STF, o ex-presidente já argumentou, por exemplo, que o Supremo não tem competência para julgar o caso da suspeita de fraude em cartão de vacina e que o caso deveria ser remetido para a primeira instância.

Se antes uma parte dos deputados e senadores preferiam ser julgados pela Corte, agora querem evitá-la. Fatores como maior chance de absolvição, prescrição das ações e evitar perseguições em razão do cargo —motivo pelo qual o foro foi criado— eram citados.

Esse entendimento mudou em razão do incômodo com ações recentes do Supremo, especialmente do ministro Alexandre de Moraes. Os parlamentares citam operações autorizadas por ele em gabinetes da Câmara, como o caso envolvendo o deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ), mas as reclamações aumentaram após a prisão de Chiquinho Brazão (sem partido-RJ), suspeito de envolvimento no assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ).

Especialistas ouvidos pelo UOL dizem que os parlamentares agem em defesa própria nessa tentativa de restringir o foro. Além do receio de eventuais desdobramentos de inquéritos que investigam atos contra a democracia, caso a regra chegue ao fim, eles poderiam recorrer a três instâncias da Justiça (Tribunais de Justiça, Superior Tribunal de Justiça e STF) em caso de condenação. O advogado criminalista Michel Saliba destaca ainda que, até a implantação do processo eletrônico, os parlamentares também eram beneficiados pela morosidade nos julgamentos.

Os parlamentares perceberam que ter o foro por prerrogativa de função no STF os faz menos cidadãos que os demais. Se processado, um cidadão comum vai ser julgado em primeira e segunda instâncias, tem direito a recurso ao STJ e ao Supremo Tribunal Federal. O parlamentar será julgado pelo STF em única instância. Ter foro por prerrogativa de função é renunciar à cidadania, na minha opinião.
Michel Saliba, advogado

Supremo já tem maioria para ampliar foro

Seis ministros votaram para manter na Corte processos contra autoridades, nos casos de crimes cometidos no cargo e em razão dele, mesmo depois de terminados os mandatos. O julgamento foi suspenso porque o ministro André Mendonça pediu mais tempo para analisar o caso. Pela regra atual, fixada pelo Supremo em 2018, quando termina o mandato de um político, as ações são enviadas para a primeira instância —os mesmos tribunais que julgam cidadãos comuns.

O Congresso vai no sentido contrário e tem vários projetos em discussão para mudar as regras. No geral, as propostas são encabeçadas por nomes do centrão e da oposição bolsonarista— um dos mais duros é de autoria de Ramagem e da deputada Bia Kicis (PL-DF) e limita a conclusão de inquéritos abertos para investigar políticos a 90 dias. "O STF está na contramão ao tentar ampliar. É um retrocesso. O Congresso tem que se posicionar sobre o tema", disse Kicis à CNN Brasil.

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Parada desde 2018 na Câmara, a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que restringe o benefício também tem sido resgatada. O autor da proposta, o então senador Álvaro Dias (Podemos-PR), um dos maiores defensores da operação Lava Jato, defendia que a medida era essencial para punir políticos no caso. Relator da proposta, Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), disse à Globonews neste mês que os deputados da oposição que hoje defendem o avanço da proposta o fazem por "casuísmo", por serem alvos de investigações na Corte.

Arthur Lira (PP-AL) prometeu grupo de trabalho para discutir o tema. O presidente da Câmara indicou a aliados a intenção de avançar com a PEC que altera as regras, caso o tema avance no STF.

O Congresso Nacional tem feito uma reação em geral [às decisões do STF]. Quando é pauta de costumes, vem pelo Senado, mas está vindo pela Câmara também. Este fenômeno é chamado de backlash pelo direito constitucional e a ciência política. Quer dizer a reação do Parlamento a determinadas decisões dadas no famoso ativismo judicial, e é um fenômeno mundial.
Rubens Beçak, professor da Faculdade de Direito da USP de Ribeirão Preto

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