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Entenda por que a comissão do impeachment mandou Dilma a julgamento

A presidente afastada, Dilma Rousseff, será julgada agora pelo plenário do Senado - Vanderlei Almeida - 13.mai.2016/AFP
A presidente afastada, Dilma Rousseff, será julgada agora pelo plenário do Senado Imagem: Vanderlei Almeida - 13.mai.2016/AFP

Felipe Amorim e Gustavo Maia

Do UOL, em Brasília e no Rio

04/08/2016 12h45Atualizada em 04/08/2016 16h58

A comissão do impeachment no Senado decidiu nesta quinta-feira (4) que a presidente afastada, Dilma Rousseff, deve ser julgada por supostamente ter cometido crimes de responsabilidade.

A decisão ainda precisa ser aprovada pelos 81 senadores em plenário e equivale à afirmação de que a petista merece ser julgada porque há provas suficientes no processo contra ela.

Dilma é acusada de ter praticado quatro crimes de responsabilidade na gestão financeira do governo: a edição de três decretos que ampliaram a previsão de gastos no Orçamento sem a autorização do Congresso Nacional e as chamadas pedaladas fiscais no Plano Safra, programa de empréstimos a agricultores executado pelo Banco do Brasil.

Para ser punida com a deposição do cargo, as condutas precisam estar descritas como crime de responsabilidade na Lei do Impeachment. Esse não é um tipo comum de crime, mas o único tipo de infração política que autoriza o impedimento.

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Aval do Congresso

O parecer do relator no Senado, Antonio Anastasia (PSDB-MG), afirma que Dilma cometeu crime de responsabilidade ao publicar três decretos que, no total, ampliaram a previsão de gastos do governo em R$ 1,75 bilhão em 2015. O valor equivale a 1,5% do déficit nas contas públicas autorizado pelo Congresso Nacional naquele ano, de R$ 119 bilhões.

A principal controvérsia no processo de impeachment é sobre a interpretação do artigo 4º da Lei Orçamentária de 2015 que permite a abertura desse tipo de crédito. A lei permite os decretos desde que “as alterações promovidas na programação orçamentária sejam compatíveis com a obtenção da meta de resultado primário”, diz o texto.

A meta fiscal é a economia nos gastos públicos, prevista em lei, para pagar juros da dívida federal.

A defesa da presidente afirma que o parecer de Anastasia mudou o entendimento predominante na área técnica do governo. Segundo o advogado de Dilma, o ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, sempre se entendeu que os decretos poderiam ser publicados pois são, na prática, apenas uma autorização para o gasto com determinado programa de governo e não tornam obrigatório seu pagamento.

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Além disso, segundo a defesa, na época da edição dos decretos estava em execução um corte de despesas determinado pelo governo de aproximadamente R$ 70 bilhões. Dessa forma, a autorização de gastos nos programas tratados nos decretos estaria limitada pelo contingenciamento de gastos.

O cumprimento da meta fiscal é sempre medido pela comparação entre a receita do governo (como impostos) e os gastos efetivamente realizados.
Mas, para Anastasia, a irregularidade estaria em Dilma não ter pedido o aval do Congresso, a quem cabe definir os limites do Orçamento.

“O que se questiona é o ato de abertura dos créditos, não a sua execução”, diz o parecer. “São dois os bens jurídicos frontalmente lesados: o equilíbrio das contas públicas e a competência legislativa do Congresso Nacional”, escreveu Anastasia em outro trecho do relatório.

Houve dolo?

A comissão, e o parecer do relator, também rejeitaram outro ponto importante da defesa sobre os decretos: o que de Dilma autorizou os créditos ao Orçamento com base em pareceres jurídicos do Ministério do Planejamento que afirmavam não haver risco de impacto à meta fiscal.

Para Cardozo, a existência do aval da área técnica prova que não houve pela presidente o chamado dolo, conceito jurídico que indica a intenção deliberada de praticar a irregularidade.

Anastasia reconhece a existência dos pareceres, mas afirma que estaria provada a responsabilidade da presidente porque cinco dias antes da publicação dos primeiros decretos ela enviou ao Congresso Nacional projeto de lei pedindo a mudança na meta fiscal. Para o relator, o ato seria a comprovação de que a presidente tinha conhecimento de que a meta não estava sendo cumprida e, portanto, os decretos não poderiam ser publicados.

“A partir de 22/07/2015 [envio do projeto], portanto, a denunciada já tinha plena consciência de que a meta de resultado primário fixada para o exercício, definida como superávit de R$ 55,3 bilhões, não mais seria cumprida. Desse modo, não mais procedia a conclusão [do parecer] de que o projeto de decreto de crédito suplementar seria compatível com a obtenção da meta de resultado primário fixada para 2015”, escreveu Anastasia.

Pedaladas fiscais

As pedaladas fiscais são como ficaram conhecidos os atrasos nos repasses a bancos públicos para o pagamento de programas de governo.

A comissão concordou com a tese da acusação de que os atrasos nos repasses do governo federal ao Banco do Brasil, relativos à equalização de taxas de juros do Plano Safra em 2015, configuram um tipo proibido de empréstimo, prática vedada pelo artigo 36 da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Apesar de terem ocorrido principalmente em 2014, e também em bancos como Caixa e BNDES, o impeachment trata apenas das pedaladas ao Plano Safra, programa de financiamento agrícola executado pelo Banco do Brasil. Isso porque a Câmara dos Deputados decidiu que o impeachment só poderia tratar de fatos ocorridos no atual mandato de Dilma, iniciado em 2015.

A defesa contesta essa interpretação e diz que em governos anteriores também ocorreram atrasos, de menor volume, nos repasses e por isso a situação deve ser entendida como um simples atraso de pagamento.

Um dos principais argumentos usados por Cardozo na defesa dessa tese é o parecer do MPF (Ministério Público Federal) que pediu o arquivamento de uma investigação sobre as pedaladas nos diversos bancos federais. O procurador do MPF do Distrito Federal Ivan Cláudio Marx afirmou, ao arquivar o caso, que as pedaladas fiscais não configuram crime e, no caso do Plano Safra, não representa um tipo proibido de empréstimo ao governo.

Omissão

O parecer de Anastasia também rebate um dos principais argumentos da defesa sobre as pedaladas: o de que Dilma não era responsável direta pelo pagamento dos repasses ao Banco do Brasil. Perícia feita por técnicos do Senado apontou que não há ato de Dilma na gestão dos pagamentos do plano e a informação foi confirmada por ofício do Banco do Brasil ao Senado.

Para o relator, Dilma seria responsável no caso das pedaladas por omissão dolosa (intencional) nas suas condutas.

"A falta de ação acarreta o desencadear da causalidade apta a produzir o resultado danoso – resultado este, importante frisar, de afronta direta às cautelas e limites impostos pelo texto constitucional", escreveu Anastasia.

Como argumento para provar a ilegalidade das pedaladas, o relatório também cita a rejeição das contas de Dilma referentes a 2014 pelo TCU (Tribunal de Contas da União), o primeiro órgão a apontar que os atrasos, na prática, são um tipo proibido de empréstimo dos bancos ao governo pois, ao atrasar os repasses, sobraria dinheiro em caixa para outros projetos.

O tribunal também apontou que as mesmas práticas voltaram a ocorrer no ano passado. O prazo para que ela apresente sua defesa neste processo vence no próximo dia 22.

"Parte das irregularidades apontadas pela área técnica do TCU, relativas às contas presidenciais de 2015, coincide, portanto, com o objeto deste processo de impeachment", aponta o relator.

Segundo o documento, as "pedaladas são peças em um tabuleiro de ação política muito maior; fazem parte de um conjunto de medidas que buscaram ocultar ou inflar o resultado primário e, assim, expandir o gasto público".

"Crises são matéria de responsabilidade política, não de responsabilidade administrativa. Por elas devem responder os governantes", defende Anastasia.

A defesa argumentou ainda que, para a contabilidade do banco, os saldos a serem repassados pela União são apurados no momento da concessão da subvenção, e que isto não significa que esses valores devam ser pagos imediatamente.

O relatório, por sua vez, afirma que a contabilização das obrigações por parte da União não foi realizada no que se refere ao exercício de 2015, citando "manifestação da própria Secretaria do Tesouro Nacional".

"A simples ausência de um prazo expresso para a quitação do débito não sustenta a alegação de que o pagamento possa ser postergado indefinidamente [...] Nessa hipótese absurda, não teria o credor qualquer meio de exigir o pagamento, pois a dívida jamais se tornaria exigível. Seu pagamento seria, portanto, apenas uma obrigação moral, mas não jurídica".

A comissão do impeachment encerrou seus trabalhos nesta quinta-feira, após iniciar em 8 de junho a fase de investigação do processo. Foram 31 reuniões, 262 ofícios e requerimentos, 44 testemunhas ouvidas e 18 recursos decididos pelo presidente do STF.