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Cardozo diz que História deverá pedir desculpas a Dilma e chora em entrevista

“Não enxovalhem a honra de uma mulher digna”, pede Cardozo

UOL Notícias

Ricardo Marchesan e Marina Motomura*

Do UOL, em Brasília

30/08/2016 13h16Atualizada em 30/08/2016 15h04

Em seu discurso, nesta terça-feira (30), o advogado e ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, que faz a defesa da presidente afastada, Dilma Rousseff, pediu aos favoráveis ao impedimento que não "enxovalhem" a honra da petista e disse que, caso ela seja condenada no processo, a História deverá pedir desculpas a Dilma. "Peço a Deus que algum dia, se Dilma for condenada, um novo ministro da Justiça tenha a dignidade de pedir desculpas a ela. Se ela estiver viva, se faça de corpo presente; se estiver morta, à sua filha e a seus netos. Que se peça desculpas a Dilma Rousseff, se ela vier a ser condenada; que a história faça justiça com ela; que a história absolva Dilma Rousseff."

Após encerrar seu discurso, Cardozo deu entrevista a jornalistas e chorou. Questionado sobre o motivo de ter se emocionado, Cardozo respondeu que jamais vai perder a capacidade de se indignar diante das injustiças. "Aquele que perde a capacidade de se indignar diante da injustiça, perdeu a sua humanidade, por isso eu me emocionei."

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Cardozo disse que não são só os responsáveis pela ditadura que devem se desculpar com suas vítimas. 'Não peguei os tempos duros da ditadura, mas vi pessoas sendo presas, violentadas, injustiçadas. O que mais me doía é quando eu tinha que pedir desculpas e a pessoa já tinha morrido, quando eu tinha que fazer uma homenagem post-mortem e via a injustiça pesando no ombro de filhos e netos em que eu pedia desculpas para efeito moral", disse. Ele pediu aos senadores que absolvam Dilma. "Não aceitem que o nosso país sofra um golpe parlamentar e uma pessoa honesta tenha a pena de morte política para que, no futuro, alguém tenha que dizer: Me desculpe, Dilma Rousseff, pelo que a ditadura lhe fez e pelo que a nossa democracia também lhe fez. Votem, por favor, pela justiça e pela democracia", afirmou, encerrando sua fala.

O advogado disse, em seu discurso de pouco mais de uma hora, que a petista é "injustiçada". "Não é justo falarem o que falaram aqui de Dilma Rousseff", afirmou Cardozo. "Querem condenar, condenem, mas não enxovalhem a honra de uma mulher digna"

"Nunca demonstraram que essa mulher enriqueceu, que desviou dinheiro para seus filhos, que fez qualquer coisa que não fosse estritamente dentro da ética", disse o advogado.

No início de seu discurso, Cardozo lembrou da prisão de Dilma Rousseff durante a ditadura militar, fazendo comparações ao processo de impeachment.

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Indiretamente, ele também respondeu à advogada Janaina Pascoal, autora do pedido de impeachment, que mais cedo, em seu discurso, chegou a chorar e dizer: "Eu peço que ela [Dilma], um dia, entenda, que eu fiz isso pensando, também, nos netos dela."

"[Dilma] Foi brutalmente torturada. Foi atingida na sua dignidade de ser humano. E é possível que, naquele momento, alguns de seus acusadores, tomados de uma crise de sentimentalismo, tenham lhe dito: 'Menina, nós estamos te prendendo e te torturando pelo bem do país. Nós estamos pensando nos seus filhos e nos seus netos'", afirmou Cardozo. "Às vezes acontece assim com os acusadores, subitamente têm uma crise de consciência. Mas não conseguem com ela eliminar a injustiça do seu golpe."

Em tom mais emocional, Cardozo encerrou a fala pedindo que os senadores absolvam Dilma. "Julguem pela democracia. Não aceitem que sofra golpe parlamentar."

Debate sobre misoginia repercute no Senado

Assim como Dilma disse ontem aos senadores, Cardozo repetiu que a presidente foi discriminada por ser mulher.

"Mulheres, quando se equiparam nas suas disputas aos homens, são autoritárias", afirmou Cardozo ."É impossível não perceber como Dilma Rousseff foi profundamente discriminada por ser mulher."

Janaina Pascoal também negou, mais cedo, que o processo contra Dilma seria uma discriminação.  "Eu sofri mais do que sofreria em outras situações pelo fato da presidente da República ser mulher", afirmou a advogada. "Muito me doeu o fato de constatar ser justamente eu a pessoa a solicitar o afastamento da primeira mulher presidente da República do país."

Ontem, Dilma disse, em resposta a perguntas de senadores, que o impeachment tem "componente de misoginia". "Tem sempre um componente de misoginia e de preconceito contra as mulheres nas ações que ocorreram contra mim", afirmou Dilma, em resposta à senadora Regina Sousa (PT-PI), que citou o tema.

Citação ao governo interino

José Eduardo Cardozo citou também as gravações em que o ex-ministro do Planejamento, Romero Jucá (PMDB-RR), aparece sugerindo ao ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado que uma "mudança" no governo federal resultaria em um pacto para "estancar a sangria", o que seria uma referência à Operação Lava Jato.

Sem citar os nomes de Jucá ou Machado, Cardozo afirmou que as gravações evidenciaram que o processo de impeachment teria sido uma maneira de acabar com as investigações durante o governo do presidente interino, Michel Temer.

"Ela foi acusada porque ousou ganhar uma eleição afrontando interesses daqueles que queriam mudar o rumo do país", afirmou Cardozo. "Ela foi condenada porque ela ousou não impedir que investigações contra corrupção no Brasil não tivessem continuidade."

"Golpe" e plebiscito

Mais uma vez, o advogado disse que o impeachment de Dilma seria um golpe, e que, para isso, "criaram-se pretextos jurídicos". "Hoje, golpes não se fazem mais com tanques ou com armas", disse

Cardozo chamou de "pretextos jurídicos" as denúncias contra Dilma, as chamadas pedaladas fiscais do Plano Safra e a publicação de decretos que ampliaram a previsão de gastos do Orçamento sem autorização do Congresso Nacional.

Para ele, esses pretextos seriam para justificar o "golpe" e que as denúncias "são tão técnicas, tão sofisticadas, tão confusas, que a maior parte da população brasileira não saberá dizer exatamente qual é a acusação".

Ele também citou a proposta de Dilma por um plebiscito por novas eleições presidenciais. "Se os senadores quiserem julgar a petista pelo conjunto da obra do governo, aceitem a proposta dela de convocar um plebiscito para a população brasileira escolher se querem novas eleições para presidente." (*Com Estadão Conteúdo)