Coibir abuso é necessário, mas deputados erraram a hora, afirmam juristas
O abuso de autoridade precisa ser combatido, mas não neste momento nem da forma como deputados federais tentaram fazer na madrugada desta quarta-feira (30) ao incluir no projeto das medidas contra a corrupção uma emenda que prevê punição a condutas de juízes e integrantes do Ministério Público. Esta opinião é compartilhada pelo jurista Walter Maierovitch e pelo advogado eleitoral Marlon Reis, um dos idealizadores da lei da Ficha Limpa.
“A lei de abuso é antiga, do tempo da ditadura, e precisa ser melhorada. Isso é verdade. O problema é o momento. [A inclusão da emenda] ficou com cara de retaliação [ao Ministério Público e à Justiça] por causa da operação Lava Jato”, diz Walter Maierovitch. “A matéria deveria ser apreciada em um momento apropriado através de um projeto de lei, e não através da colocação de uma emenda”.
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O projeto de lei teve origem na proposta das dez medidas contra a corrupção elaborada pelo Ministério Público, que contou com a assinatura de apoio de 2,3 milhões de pessoas. “A Câmara acabou legislando em causa própria e deu as costas ao cidadão”, comenta Maierovitch, que é juiz aposentado. “O que há é uma tentativa de tirar a independência do Ministério Público e do Judiciário”.
“Não digo que não seja necessário atualizar a lei de abuso de autoridade, mas o que aconteceu na Câmara contamina o debate”, diz Marlon Reis, que também já atuou como juiz. “O projeto [de medidas contra a corrupção] foi completamente dilacerado. A essência foi perdida. É uma tragédia, um fracasso. É incrível que o Congresso tenha virado as costas para a sociedade, que cobra mais eficiência do poder público no combate à corrupção”.
Para Reis, a emenda aprovada pela Câmara é uma “medida de intimidação” e funciona como uma “espada contra a garganta do Ministério Público e de magistrados”. “A postura do Congresso não deve ser de dizer ‘sim’ ou ‘não’ às medidas. Elas teriam de ser debatidas. Se discordavam de algumas medidas, os deputados precisariam encontrar redações alternativas e salvar o âmago das propostas, fazendo as modificações necessárias”.
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O projeto de lei segue para o Senado. Maierovitch e Reis lembram que o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB), tem se empenhado em aprovar medidas contra procuradores e juízes.
Depois, o projeto vai à sanção do presidente Michel Temer (PMDB), que pode vetar medidas. Maierovitch acredita que a punição ao abuso de autoridade será questionada no STF (Supremo Tribunal Federal) caso a medida seja aprovada pelos senadores e sancionada por Temer.
“Câmara barrou o quarto poder”
O professor Davi Tangerino, da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo, também afirma que os deputados deram “mostras de que não estão comprometidos com o fim da corrupção” e buscaram um “instrumento de intimidação” ao incluir a emenda contra o abuso de autoridade, mas avalia que os efeitos da iniciativa não seriam graves porque caberia aos próprios procuradores e juízes manejar a nova lei e processos desse tipo.
Tangerino, que integra o Grupo de Estudo Anticorrupção na FGV, é mais otimista em relação ao conjunto de medidas aprovado pela Câmara. “Considero o conjunto mais positivo do que negativo. A Câmara aprovou medidas que aumentam o poder do Ministério Público, como a criação de alguns tipos penais, mas também criou medidas de responsabilização de agentes públicos que abusarem desse poder. Acho saudável para a democracia que haja esse balanceamento”.
Para o professor da FGV, a redação original das dez medidas fazia do Ministério Público um “quarto poder” na República, um “ente superpoderoso”. Em sua opinião, essa mudança seria perigosa porque não havia a previsão de um controle desse poder.
Ele considera positiva a retirada de propostas como a que validava a obtenção de provas por meios ilícitos. Também afirma que o pacote sugerido pelo Ministério Público focava na criminalização e esquecia as causas da corrupção. Para Tangerino, o combate à corrupção exige medidas de outra natureza, como o aperfeiçoamento das regras de transparência dos negócios públicos.
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