Para cientistas políticos, afastamento de líder como Renan fragiliza governo
O afastamento do senador Renan Calheiros (PMDB-AL) da presidência da Casa por decisão liminar do ministro Marco Aurélio Mello, do STF (Supremo Tribunal Federal), enfraquece seu poder político e fragiliza o governo de Michel Temer, na avaliação de cientistas políticos ouvidos pela reportagem do UOL.
“Qualquer decisão judicial abala a imagem de uma pessoa, como foi, por exemplo, com a condução coercitiva do [ex-presidente] Lula. Sempre que isso vem no sentido de colocar em questão a capacidade da pessoa de exercer um cargo público, é uma mácula para a sua imagem”, diz Cláudio Gonçalves Couto, professor da FGV-SP (Fundação Getúlio Vargas).
Mello resolveu, nesta segunda-feira (5), que, sendo réu em um processo criminal, Renan não pode permanecer na linha de substituição do presidente da República. A decisão atendeu a um pedido do partido Rede Sustentabilidade.
“É a primeira vez que o presidente de uma das nossas Casas Legislativas é afastado por estar nesta situação [de réu] e na linha sucessória da Presidência da República”, afirma Pedro Arruda, professor de ciências políticas da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica). “Isso enfraquece o seu poder político, porque o presidente do Senado é quem conduz as votações, estabelece a agenda, as prioridades da Casa, coloca em votação temas importantes, de interesse do governo.”
Na última quinta-feira (1º), o STF decidiu que Renan deve responder pelo crime de peculato (desvio de dinheiro público) em uma ação da Procuradoria-Geral da República. O senador é acusado de usar parte de sua verba parlamentar para pagamento de pensão alimentícia a uma filha. Também é investigado em mais 11 inquéritos, mas foi a primeira vez que se tornou réu.
Influente liderança do mesmo partido do presidente Michel Temer, o peemedebista é avaliado como um importante articulador não apenas de seus interesses, mas principalmente daquilo que importa para o governo.
“Apesar do que pesa contra ele [nos processos], Renan é uma daquelas lideranças típicas do PMDB que têm condições e capacidade de articulação política. Pela habilidade de negociação, de defender as próprias posições e as posições do partido. A perda de uma liderança como essa fragiliza o governo”, avalia o professor Couto.
Existem chances de que o senador volte à presidência, já que a decisão tomada pelo ministro Mello tem caráter liminar (em primeira análise) e ainda deve passar pelo crivo dos outros integrantes do STF, que devem se reunir nesta quarta-feira (7).
Renan foi afastado, mas não perdeu o mandato de senador, o que significa que mantém privilégios como foro especial e imunidade parlamentar. Mesmo assim, sai arranhado. “Sua imagem fica péssima. Ele já se encontrava no final do seu mandato de presidente do Senado [que vai até fevereiro]. Isso contribui para a deterioração da imagem dele”, afirma Roberto Livianu, promotor de Justiça e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção.
No fim de semana, o instituto e outras seis entidades enviaram à Procuradoria-Geral da República um pedido para que Renan fosse afastado do cargo por estar “legislando em causa própria”.
“É inadmissível termos na presidência do Senado uma pessoa acusada de peculato, de agir contra a administração pública. Não há outra saída, o Supremo Tribunal Federal obrigatoriamente tem que o afastar”, defende Livianu.
Sai aliado, entra opositor
Com o afastamento, quem assume o comando do Senado é Jorge Viana (PT-AC). Parlamentar da sigla que, há cem dias, perdeu a presidente da República para o impeachment, Viana não terá apoio da maioria, mas não se espera que facilite as coisas para Temer.
“Estão previstas para os próximos dias votações importantes para o governo, como a da reforma da Previdência e a da PEC 55, dos gastos públicos. Em tese, Viana pode adotar alguma medida protelatória para evitar as votações até 2017. Mas o PT é um partido minoritário", diz o professor da PUC-SP. “O futuro está em aberto. É difícil prever um desfecho, mas isso é péssimo para o Temer.”
“Não ter um aliado nessa hora é realmente muito complicado”, afirma Couto, da FGV-SP. “O governo deve, sim, ser prejudicado por isso. Os líderes aliados do governo podem tentar contornar essa posição com o Jorge Viana, e talvez ele não queira comprar uma briga pessoal com esses partidos. Existe também a possibilidade de Renan renunciar e permitir a eleição de um substituto.”
Voz das ruas
A decisão pelo afastamento de Renan no dia seguinte às manifestações de rua em que o senador foi um dos alvos acaba por validar a imagem desgastada e de pouca credibilidade que o Congresso Nacional tem oferecido nos últimos tempos, na opinião do promotor Livianu.
“Nas pesquisas de opinião feitas com a população, chama a atenção que o Congresso e os partidos políticos há muito tempo estejam nas últimas posições de confiança. Isso se deve a uma repetição de acontecimentos, como o que aconteceu na madrugada da última quarta-feira [quando foi aprovado o pacote anticorrupção, totalmente desfigurado da proposta original]. São gestos de infidelidade em relação aos mandatos que receberam.”
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