Lei de abuso de autoridade pode deixar juízes com "medo de poderosos", diz Moro
O juiz federal Sergio Moro, responsável pela Operação Lava Jato na 13ª Vara Federal de Curitiba, fez duras críticas ao projeto da lei de abuso de autoridade em tramitação no Senado, durante palestra nesta quinta-feira (30) na comissão da Câmara dos Deputados que discute a reforma do Código de Processo Penal.
Segundo Moro, o atual projeto no Senado pode levar a que juízes sejam punidos por sua interpretação na aplicação da lei e que os magistrados passem a ter medo de atuar contra “poderosos”.
“Ninguém é favorável a qualquer abuso praticado por juiz, promotor ou por autoridade policial”, disse Moro. “Apenas o que se receia é que a pretexto de coibir o abuso de autoridade seja criminalizada a interpretação da lei”, afirmou o magistrado.
“Se não for aprovada uma salvaguarda clara e inequívoca a esse respeito, o grande receio é que juízes passem a ter medo de tomar decisões que possam eventualmente ferir interesses especiais ou que envolvam pessoas política e economicamente poderosas”, concluiu o juiz.
Moro citou como exemplo de salvaguarda à atuação dos juízes o anteprojeto de lei de abuso de autoridade entregue nesta semana pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, aos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE).
“Há uma preocupação da magistratura muito grande em relação a esse projeto de lei”, disse Moro. “E se ameaça a independência da magistratura, é o primeiro passo para colocar em risco as nossas liberdades fundamentais”, afirmou o juiz.
Também convidado à audiência na Câmara, o juiz federal Sílvio Rocha, da 10ª Vara Federal de São Paulo, elogiou o texto em discussão no Senado sobre o projeto de abuso de autoridade.
“Estamos numa República e é inerente ao regime republicano a responsabilização dos agentes públicos, qualquer agente público”, disse.
“O projeto da Câmara, este sim era muito ruim. Mas o projeto do Senado é de qualidade muito boa e aperfeiçoa a legislação. Então, é preciso deixar de lado um pouco essas paixões e implementar racionalidade nesse discurso”, afirmou o juiz.
No entanto, em debate no Senado, em dezembro, o juiz Sílvio Rocha também afirmou ser necessário aprimorar o texto para evitar que juízes sejam punidos por sua interpretação na aplicação da lei.
Atualmente o Senado analisa um projeto que modifica a lei de abuso de autoridade. O relator, Roberto Requião (PMDB-PR), apresentou seu parecer nesta quarta-feira (29) à CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Casa.
O texto apresentado por Requião define como abuso de autoridade atos como o de decretar a prisão de investigados “em desconformidade com as hipóteses legais”, alongar a duração de investigações “sem justificativa” ou iniciar investigações sem provas.
Segundo Requião, o projeto defendido pelo procurador Rodrigo Janot impede que agentes públicos, como juízes e promotores, sejam punidos por excessos cometidos em atos processuais.
"Ele [Janot] sugere um projeto que admite o excesso de agentes públicos, e admitindo os excessos, tenta, num artifício legal, descriminalizar. Ele diz o seguinte, se o excesso for fundamentado, deixa de ser crime. Ou seja, é um momento muito sério para levar essa discussão", disse Requião, em debate no Senado na quarta-feira.
Ao entregar suas sugestões ao texto no Senado, na terça-feira (28), Janot afirmou que o projeto não protege nenhum agente público.
O texto da Procuradoria permite a punição de membros do governo, do Congresso, do Judiciário e do Ministério Público, mas afirma que não configura abuso de autoridade a divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas, desde que a divergência seja fundamentada, e diz que os agentes públicos não podem ser punidos pelo exercício regular de suas funções.
O projeto de abuso de autoridade é discutido no Congresso em meio à apreensão no mundo político com a nova leva de pedidos de investigação apresentadas a partir das delações premiadas de executivos da Odebrecht.
Rodrigo Janot apresentou ao STF (Supremo Tribunal Federal) 83 pedidos de inquérito contra autoridades com foro no Supremo, como deputados federais e senadores.
Os pedidos de investigação permanecem sob sigilo e caberá ao ministro relator no STF, Edson Fachin, decidir sobre se autoriza as investigações e torna os processos públicos.
Moro participou do debate na Câmara, em Brasília, no mesmo dia em que foi publicada a sentença de sua autoria que condenou o deputado cassado e ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ) a 15 anos de prisão, acusado de receber propina em contas na Suíça a partir do esquema de corrupção investigado na Petrobras. Cunha diz ser inocente e que vai recorrer da decisão.
Também nesta quinta-feira, antes da reunião na Câmara, o juiz Sergio Moro recebeu uma homenagem do STM (Superior Tribunal Militar). Ele foi condecorado com a comenda da Ordem do Mérito Judiciário Militar. Também foram homenageados pelo STM a ministra do STJ (Superior Tribunal de Justiça) Laurita Vaz e a advogada-geral da União, Grace Mendonça.
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