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JBS pagou R$ 27 mi a Cabral e PMDB para ficar com fábrica de rival, diz delator

Fábrica da Vigor em Barra do Piraí (RJ) - Prefeitura de Barra do Piraí/Divulgação - Prefeitura de Barra do Piraí/Divulgação
Fábrica da Vigor em Barra do Piraí
Imagem: Prefeitura de Barra do Piraí/Divulgação

Do UOL, em São Paulo

19/05/2017 21h29

Em delação premiada cujo sigilo foi derrubado nesta sexta-feira (19) pelo STF (Supremo Tribunal Federal), Ricardo Saud, um dos sete delatores da JBS e executivo da holding J&F, descreve aos procuradores como a empresa tomou uma fábrica “quase pronta” da concorrente BRF em troca de propina de R$ 27 milhões para a campanha ao governo do Estado de Luiz Fernando Pezão (PMDB).

Segundo Saud, durante um almoço no palácio da Guanabara, sede do governo do Estado, a convite do então governador Sérgio Cabral em 2012, ele, Joesley Batista e outros executivos da JBS foram convidados a fazer investimentos no Estado.

Ao prospectar negócios, Saud relatou que havia encontrado uma “fábrica novinha, que estava começando a se deteriorar com o tempo”, em Barra do Piraí, município a cerca de 230 km da capital fluminense. A unidade fabril pertencia à empresa arquirrival da JBS, a BRF, dona de marcas como Sadia e Perdigão.

Segundo o delator, a fábrica estava pronta havia dois anos, sem funcionamento, construída em uma área de 400 mil metros quadrados doada pelo Estado.

O pulo do gato, de acordo com Saud, é que, se não fosse colocada em funcionamento dentro de determinado prazo, poderia ser tomada pelo Estado e repassada a quem interessasse. Assim surgiu a oportunidade.

“Fui no Sergio Cabral e disse: ‘Essa fábrica pra nós é tudo. Arruma essa fábrica pra nós. Eu coloco para funcionar em 6 meses”, relatou Saud. A próxima pergunta feita pelo executivo da J&F explicita o acordo: “Você tem peito de tomar isso da BRFoods? Do Abilio Diniz?”. A resposta de Cabral, segundo o delator, foi: “Eu tenho peito, vou mandar revogar”.

Ao saber do acordo, o dono da JBS, Joesley Batista, teria dito, segundo o delator: “Ganhar uma fábrica dessa de graça? Num momento desse? Melhor coisa que tem”. Hoje a fábrica pertence à JBS. “Nem nós acreditávamos [que isso estava acontecendo].” Incentivos fiscais, segundo o executivo, também foram concedidos ao empreendimento.

A relação entre o terreno doado à JBS e a campanha do governador Luiz Fernando Pezão embasou, em fevereiro, o pedido de cassação do governador por abuso de poder econômico na campanha de 2014. A representação do TRE (Tribunal Regional Eleitoral no Rio) apontou, na época, uma doação da JBS de R$ 6,6 milhões ao partido um mês após o grupo ter recebido do governo comodato de um terreno no interior do Estado.

Fui no Sergio Cabral e disse: ‘Essa fábrica pra nós é tudo. Arruma essa fábrica pra nós, relatou executivo da J&F

A próxima etapa do acordo versou sobre valores a serem pagos pela JBS. “Olha, a única coisa que eu preciso é ganhar a eleição [do Pezão, que seria o candidato do PMDB ao governo do Rio e fora vice de Cabral]. Preciso de dinheiro e tempo de televisão, de partidos”, relatou Cabral a Saub, segundo o delator. Saub reforçou à PGR que “nunca tratou um centavo com Pezão”, acertando toda a propina com Cabral.

“Olha, essa propina eu posso dar. Mas tempo de televisão, não”, disse o executivo. “Vamos ficar entre R$ 30 [milhões] e R$ 40 milhões de propina”, disse Cabral, de acordo com a delação. O acordo foi fechado em R$ 27 milhões.

Desse montante, a maior parte foi para a campanha de Pezão ao governo do Estado e outra parte se destinava à campanha dos deputados indicados por Cabral. “Foram 20 milhões dissimulados em doações oficiais”, contou o delator, pagamentos feitos no segundo semestre de 2014. “Os outros 7,5 milhões foram em espécie, dinheiro vivo.”

Foi um dos grandes negócios que fizemos, afirma executivo da J&F sobre fábrica da BRF 

O procurador então quis saber do delator se não houve nenhuma reclamação por parte da BRF. "Não entendemos até hoje o que aconteceu. Não reclamou."

Em publicação chamada Revista BRF, sem data, a empresa afirma que investiu R$ 70 milhões na fábrica, que seria capaz de processar 15 milhões de litros de leite por mês, comercializadas sob a marca Elegê. A Vigor, empresa do grupo J&F, inaugurou sua unidade fabril em Barra do Piraí em junho de 2016.

Outro lado

Em nota, a BRF confirmou que abriu mão de sua fábrica em Barra do Piraí. A empresa informou que, “por uma mudança em sua estratégia de negócios, que passaria a não contemplar a expansão da cadeia de lácteos, desistiu de operar a unidade que havia construído para esse fim no município de Barra do Piraí (RJ). Assim, a companhia devolveu o imóvel ao Governo do Estado do Rio de Janeiro em 2014, assumindo o prejuízo com a edificação e as benfeitorias realizadas por ela no terreno”.

Procurada, a "defesa de Sérgio Cabral informa que se manifestará no processo em curso na Justiça".

Em entrevista dada ao jornal “Folha de S.Paulo”, logo após a cassação pelo TRE, Pezão foi questionado sobre a doação de terreno à JBS. “A JBS não recebeu o terreno do Estado, foi da Prefeitura de Barra do Piraí. São muitas ilações. Pode ter havido coincidência, mas a JBS é um erro.”