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Crivella centraliza gestão, e orçamento de 'supergabinete' sobe 860%

Crivella já empenhou cerca de 75% dos R$ 368,3 milhões orçados para a pasta Gabinete do Prefeito, segundo informações do portal Rio Transparente - Custodio Coimbra/ Ag. O Globo
Crivella já empenhou cerca de 75% dos R$ 368,3 milhões orçados para a pasta Gabinete do Prefeito, segundo informações do portal Rio Transparente Imagem: Custodio Coimbra/ Ag. O Globo

Hanrrikson de Andrade e Paula Bianchi

Do UOL, no Rio

11/07/2017 04h00

O orçamento do Gabinete do prefeito (GBP) do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella (PRB), passou de pouco mais de R$ 38 milhões, segundo estimativa inicial, para mais de R$ 368 milhões. O movimento, que ocorre após corte de secretarias e reestruturação organizacional feita pela gestão Crivella no começo do ano, cria uma espécie de "supergabinete" que abriga sete órgãos, além da estrutura do próprio gabinete.

Os dados são do portal Rio Transparente, da Controladoria-Geral do Município, e atualizados até terça-feira (4).

O crescimento se deve ao remanejamento administrativo da gestão Crivella, iniciado logo no começo do ano, quando o prefeito recém-empossado publicou um pacote de atos oficiais para, segundo ele, enxugar a máquina pública. Como a estrutura da prefeitura não é fixa, ela pode ser modificada a qualquer momento, desde que em respeito à legislação, por meio de decreto do Executivo.

O inchaço ocorre porque, em comparação com a LOA (Lei de Orçamento Anual) de 2017, aprovada em dezembro do ano passado, novas unidades orçamentárias passaram para o "guarda-chuva" do GBP (Gabinete do Prefeito), órgão que centraliza a administração direta da chefia do poder municipal.

São rubricas criadas neste ano ou que, na gestão anterior, estavam atreladas a outras pastas. Dessa forma, a redistribuição da máquina pública potencializou a previsão de gastos do GBP, um salto de mais de 860%.

A comparação não significa dizer, no entanto, que o Gabinete estaria gastando mais, e sim que há mais recursos centralizados sob sua gestão direta, segundo explica Raul Velloso, especialista em contas públicas e ex-secretário para Assuntos Econômicos do Ministério do Planejamento. "O entendimento é bastante simples. Ele fez um remanejamento e mudou de lugar as unidades de orçamento", explicou.

"Para significar que ele está gastando mais, você teria que olhar para os valores totais que foram pagos, o antes e depois. Mas, para isso, você teria que esperar a prestação de contas anual."

Foram incorporadas, no total, quatro subsecretarias (Pessoa com Deficiência, Bem-estar Animal, Projetos Estratégicos e Serviços Compartilhados), além do Arquivo Geral da Cidade e de Atividades e Projetos de Turismo. Essas rubricas se juntaram aos gastos que já estavam previstos na LOA: despesas com o próprio gabinete (funcionários, manutenção etc.) e com a manutenção do Instituto Rio Patrimônio da Humanidade.

Para o economista e professor da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) Bruno Sobral, trata-se de uma estratégia de gestão. “Às vezes esse tipo de ação pode passar a falsa impressão de que se está inchando uma pasta, quando, me parece, se trata de uma realocação de áreas de outras secretarias para uma posição mais próxima à gestão”, afirma.

Sobral diz que podem ser tanto pastas que o prefeito vê como prioritárias --"daí seria preciso avaliar exatamente quais são, o peso dessas áreas"--, quanto áreas que ficaram sem um local específico após o corte de secretarias. Logo no início de sua gestão, Crivella cortou pela metade o número de secretarias, passando de 24 para 12 pastas.

“É uma gestão que ainda está tentando encontrar um modus operandi, assinando a orquestra, com a dificuldade de viver um momento de contenção de recursos.”

Descentralização

Após a publicação da reportagem, a Prefeitura do Rio explicou que está em curso um processo de descentralização, iniciado em maio deste ano, quando foi publicado decreto determinando a migração de nove órgãos para a Secretaria Municipal da Casa Civil.

"A transferência administrativa foi a primeira etapa institucional desse processo, cuja conclusão deve ocorrer até o final deste ano", informou a prefeitura, em nota.

De acordo com o governo, novos decretos ainda serão publicados, concluindo assim a reorganização das unidades orçamentárias. "A Prefeitura do Rio esclarece que a concentração de órgãos no gabinete do prefeito não será uma característica da atual gestão."

Anteriormente, quando procurada, a administração municipal havia confirmado a inclusão de "subsecretarias, fundações, institutos e empresas municipais, além de alguns fundos específicos, à unidade orçamentária do Gabinete do Prefeito". Informou ainda que despesas foram incorporadas, mas que outras secretarias tiveram o orçamento reduzido em razão da realocação de programas para o GBP.

Segundo a prefeitura, a reestruturação das secretarias e um corte de 2.000 cargos comissionados faz parte de movimento que gerou mais de R$ 490 milhões para a capital fluminense.

Saúde e educação

Em relação aos valores que a Prefeitura do Rio previu gastar inicialmente, em 2017, nas duas pastas tidas como prioritárias, o Rio Transparente contabiliza uma queda no orçamento de mais de R$ 575 milhões, sendo R$ 532 milhões na Saúde e R$ 42,7 milhões na Educação.

A gestão Crivella atribui a redução às limitações de caixa resultantes da crise econômica e do déficit que teria sido deixado pela gestão anterior --no balanço de cem dias de governo, o prefeito afirmou ter herdado de Paes um rombo de R$ 3,2 bilhões nas despesas de custeio e de capital. Os cálculos foram feitos pela FGV (Fundação Getúlio Vargas) e apresentados em abril.

Na versão do estudo, vários gastos adicionais com a rede de saúde, por exemplo, não teriam sido "plenamente incorporados" à LOA de 2017.

Existiria, conclui a FGV, um "saldo negativo" de mais de R$ 1 bilhão somente na pasta da Saúde, que diz respeito à não previsão de gastos com novas clínicas da família e equipes de saúde da família, além de despesas advindas de restos a pagar de exercícios anteriores.

Orçamento do GBP

Do orçamento do gabinete de Crivella atualizado até a terça-feira (4), a cifra empenhada no ano corrente --ou seja, reservada para um custeio planejado em 2017-- era de R$ 276.082.642,93.

Até o momento, segundo o Rio Transparente, estão liquidados --isto é, quando o serviço já foi executado-- cerca de R$ 131,2 milhões, e R$ 96 milhões foram efetivamente quitados. O município tem hoje quase R$ 100 milhões de débitos pagos somados com os restos a pagar.

Das unidades orçamentárias que compõem o gabinete, as que mais consumiram recursos foram a Subsecretaria de Projetos Estratégicos (pagamentos já efetuados de R$ 46,4 milhões) e a Subsecretaria de Serviços Compartilhados (R$ 18,2 milhões).

Os gastos inerentes à estrutura do gabinete, somados aos restos a pagar, são de pouco mais de R$ 21 milhões, sendo a maior parte referente a despesas de pessoal (R$ 9,8 milhões) e com publicidade, propaganda e comunicação social (quase R$ 2,7 milhões).

LOA previu gastos de R$ 72 mi

A estimativa inicial do GBP, segundo o Rio Transparente, considerava apenas o Instituto Rio Patrimônio da Humanidade (R$ 1,9 milhão) e os gastos inerentes à estrutura administrativa do gabinete (R$ 36,1 milhões). Foram as duas rubricas remanescentes em relação à administração do ex-prefeito Eduardo Paes (PMDB) e inscritas na LOA de 2017. No total, gestão Paes previu, para 2017, despesas na ordem de R$ 72 milhões para o código Gabinete do Prefeito.

Ou seja, em relação à Lei de Orçamento Anual, há uma diferença de mais de R$ 296 milhões entre o orçamento atualizado (até 4 de julho de 2017) e a previsão de gastos determinada na ocasião da aprovação da lei --enviada à Câmara Municipal em dezembro de 2016, mês anterior à posse de Crivella.

Apesar da elevação do potencial de despesas, Crivella sustentou, ao divulgar balanço de cem dias de governo, ter iniciado a gestão com R$ 12,5 milhões a menos para gastar com ações do Gabinete do Prefeito. O valor corresponderia a dívidas deixadas pela última administração, provenientes do cancelamento de empenhos.

Prestação de contas do ano passado

Em 2016, na gestão Paes, a verba efetivamente direcionada para o Gabinete do Prefeito e seus órgãos e programas vinculadas foi de pouco mais de R$ 141 milhões, de acordo com a prestação de contas aprovada pelo TCM-RJ (Tribunal de Contas do Município) e pelos vereadores na Câmara.

O cálculo inclui o desempenho orçamentário da Empresa Olímpica Municipal, submetida a processo de liquidação e extinção. A despesa autorizada para o custo da estrutura do gabinete de Paes foi de R$ 35,6 milhões.

O Gabinete do Prefeito do governo Paes consumiu quase R$ 127 milhões em serviços liquidados, e R$ 115 milhões haviam sido efetivamente pagos à época do relatório de prestação de contas.

Austeridade

Desde que tomou posse, em 1º de janeiro, Crivella adotou discurso de austeridade e disse ter assumido o governo com R$ 5 bilhões a menos, em comparação com o ano passado, para fazer investimentos na área social.

Checagem da Agência Lupa mostra, no entanto, que o valor é exagerado. No orçamento aprovado para este ano, informa a reportagem, a diferença no que diz respeito a recursos para fins de investimento seria de R$ 3,1 bilhões --Crivella teria R$ 2,1 bilhões, e Paes dispunha, no ano passado, de R$ 5,2 bilhões. Já quanto ao valor global do orçamento municipal, a diferença seria de R$ 1,3 bilhão.

Além da redução do número de secretarias, o prefeito diz ter retraído despesas eliminando cargos comissionados e outros gastos de pessoal. Foram realizados cortes em vários setores, na versão do governo, com o objetivo de equilibrar as contas.

Uma das medidas que causou maior polêmica foi o anúncio da redução na subvenção --de ao menos R$ 12 milhões-- às escolas de samba do Carnaval carioca. Crivella argumentou que os recursos serão redirecionados para creches do município, mas as agremiações reclamam que, sem o patrocínio, não haverá condições de promover os desfiles.