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"Não dá para adotar parlamentarismo sem ouvir a população", diz Haddad

Bruno Santos/Folhapress
Imagem: Bruno Santos/Folhapress

Do UOL, em São Paulo

20/07/2017 23h59Atualizada em 21/07/2017 08h46

O ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT), em entrevista na noite desta quinta-feira (20) à GloboNews, manifestou-se contrário à inclusão no debate político, neste momento, da possibilidade de adoção do parlamentarismo. Conforme noticiado pela "Folha de S.Paulo" nesta semana, há uma articulação visando à implementação do sistema no país a partir de 2022 via PEC (proposta de emenda constitucional).

Ele afirma que o Brasil já passou por dois plebiscitos, um em 1963 e outro em 1993, e nas duas ocasiões a proposta de parlamentarismo foi rechaçada. Além disso, a Constituição prevê que o sistema possa ser adotado desde que com consentimento popular, e não por decisão única e exclusiva do Congresso.

“Não dá para adotar parlamentarismo sem ouvir a população. Se a população quiser, é uma coisa. Ainda assim discutível”, ponderou. “Agora, [adotar o parlamentarismo] sem consultar, passar por conveniência, em função de uma crise que foi criada pela própria classe política que levou o país à bancarrota? Não me parece procedente e imagino até que uma emenda dessa seria questionada junto ao STF.”

No parlamentarismo, se tem um governo comandado por um primeiro-ministro, escolhido pelo Poder Legislativo, que pode trocá-lo a qualquer tempo. O sistema é adotado em países como Reino Unido, Portugal e Itália.

O ex-prefeito também criticou o excesso de confiança que, segundo ele, está sendo depositado nas eleições de 2018, com a ideia de que nela estaria a solução para os problemas do país. “Nós tínhamos que estar preocupados neste ano em criar as condições de governabilidade para tirar o país desse atraso que está estampado nos jornais. Você lê o jornal e fala: como é que alguém pode querer ser presidente do Brasil?”

Haddad candidato?

Horas mais cedo, no entanto, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse considerar o nome do ex-prefeito paulistano como uma das possibilidades do PT para disputar a Presidência da República em 2018 caso ele não possa participar do pleito. Fala sobre a qual Haddad desconversou, dizendo que o PT, na realidade, espera que a condenação de Moro seja revertida em segunda instância e que tal estratégia é a mais correta.

"Independente de o Lula ser eleito ou não, eu gostaria que ele pudesse concorrer, se apresentar, se explicar --porque eu acho que nesses dois ou três anos ele sofreu ataques muito violentos, ele tem o direito de se explicar. E como não há uma prova jurídica que impeça ele de se candidatar, eu penso que ele tem que passar pelo escrutínio do voto popular. Esse é meu desejo genuíno."

Com relação a tais ataques, Haddad os condenou especialmente no caso dos vindos de pessoas ligadas a outros partidos políticos.

"Estamos misturando estações. A questão ética, a questão moral é individual, e cada um responde pelo que fez. Você não pode torcer para um adversário inocente ser condenado", disse.

"Se amanhã um tucano for condenado injustamente, se me convidarem para um ato [a favor da pessoa], eu vou participar. Porque, se a gente não tiver a dignidade de defender a honra alheia, independentemente da questão ideológica, nós não somos dignos da política."

'Alckmin é correto'

Ao dizer que também é capaz de reconhecer "pessoas muito corretas" no PSDB, o ex-prefeito foi impelido pelo jornalista Mario Sergio Conti a dar um exemplo.

"Acho o governador [Geraldo] Alckmin, com quem eu convivi quatro anos [durante sua gestão], uma pessoa correta. Então, eu não vou acreditar no primeiro malandro que o acusar do que quer que seja. Entre a palavra de um malandro, de um empresário corruptor, e a palavra dele, eu fico com a dele", disse. "Pode aparecer uma prova? Pode, contra qualquer pessoa. Mas, até onde eu sei, não tem absolutamente nada na conduta dele que o desabone. Sou capaz de dizer isso aqui para milhões de telespectadores."

'Temer fora'

Haddad disse ser favorável à realização de eleições direitas, abortando, assim, o mandato do presidente Michel Temer, por conta da "gravidade da crise", por acreditar que "o governo está perdendo totalmente as condições de levar o país até 2018 em segurança" e porque tanto Lula como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso acreditam ser o melhor para o país no momento.

"Talvez seja um dos poucos casos em que Fernando Henrique e Lula concordem, e os dois estão pedindo eleições gerais. Acho que a experiência deles deveria ser considerada. [...] São dois ex-presidentes que completaram um ciclo de oito anos à frente do Executivo."

Gestão Doria

Questionado sobre os primeiros meses da gestão empreendida pelo atual prefeito da capital paulista, João Doria, Haddad mostrou-se reticente, dizendo ser antipático falar do sucessor com tão pouco tempo de governo. Mas que, em linhas gerais, já se mostra evidente que ambos têm conceitos diferentes acerca de cidade. “A cidade que ele tem na cabeça é diferente da cidade que eu tenho na cabeça, isso muita gente já está notando.”

O petista disse ainda que tem notado certa preocupação de Doria em “desmontar políticas”, em vez de criar políticas públicas complementares. “Eu passei pela maior recessão da história da cidade, 8% de queda do PIB, e não cortei um programa social, nem dos meus antecessores. Expandi políticas públicas durante o meu governo. E hoje tudo o que eu vejo é ao contrário disso.”

Decisões que, segundo Haddad, atingem inclusive políticas empreendidas por gestões anteriores à sua. “[Doria] Cortou o Leve Leite. Não perguntou para ninguém se era o caso, se não era o caso. Se podia ser substituído por uma outra coisa. E é da época do [Paulo] Maluf”, afirmou. “O Bilhete Único Mensal, que foi eu que criei, [ele] botou um preço tão alto que inviabilizou. Então, o que eu tenho visto até aqui é uma vontade de demarcar pela negação, e não pela afirmação, e São Paulo precisa ser uma cidade afirmativa, até para aparecer diante dos olhos do mundo como uma cidade moderna, e não como uma cidade que está se recolhendo”, finalizou.