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"Fui ameaçado pela PF para fazer delação", diz dono do 'posto da Lava Jato'

Carlos Habib Chater foi o primeiro preso da operação Lava Jato - Félix R. /Futura Press/Estadão Conteúdo
Carlos Habib Chater foi o primeiro preso da operação Lava Jato Imagem: Félix R. /Futura Press/Estadão Conteúdo

Nivaldo Souza

Colaboração para o UOL, em São Paulo

09/08/2017 04h00

O doleiro Carlos Habib Chater foi o primeiro preso da Operação Lava Jato, após busca e apreensão no seu posto de combustíveis em 2014. O dono do Posto da Torre, localizado em Brasília, cumpriu um ano e sete meses de prisão em regime fechado e ficou um ano no semiaberto. Chater optou por não fazer delação premiada, mas afirma em entrevista ao UOL ter sido "ameaçado" pelo ex-chefe da Polícia Federal, Márcio Anselmo, para delatar.

“Ele disse que me envolveria com o narcotráfico, que eu ficaria mais de 20 anos na cadeia, que me livraria [da prisão] em uma semana caso eu dissesse quem eram os agentes público ou os políticos que recebiam [propina] aqui [no Posto da Torre]”, conta. Procurado pelo UOL, o delegado Márcio Anselmo não se manifestou sobre as acusações de Chater (veja mais informações abaixo).

A PF apontou o Posto da Torre como o “caixa eletrônico da propina”. O estabelecimento começou a ser investigado em 2008, após suspeita de lavagem de dinheiro do ex-deputado José Janene (morto em 2010). Chater nega ilícitos.

Ele cumpre pena em liberdade desde outubro, quando voltou a administrar o ‘Posto da Lava Jato’, como ficou conhecido. O empresário recusa a alcunha de doleiro, mas reconhece ter operado ilegalmente na conversão de moedas na década de 1980.

A Polícia Federal interceptou conversas dele com o doleiro Alberto Youssef sobre suposta lavagem de dinheiro. Chater exalta o “amigo”, mas nega ter operado propina de Youssef.

Leia abaixo a entrevista de Chater ao UOL:

Nos anos 1990, o senhor foi investigado por operações ilegais de câmbio e lavagem de dinheiro. A acusação voltou com a Lava Jato. Por quê?

[Risos] Eu tenho que dar risada, porque até hoje eles não conseguiram mostrar onde houve a lavagem de dinheiro. Nem na lavanderia nem na casa de câmbio. Inclusive, essa questão de doleiro é porque, no Brasil, depois que você ganha uma pecha ninguém tira. Eu não fazia câmbio há simplesmente 20 anos. Em 1991, quanto tive o problema, isso a mídia também não coloca, eu era credenciado pelo Banco Central [para ter casa de câmbio]. O BC simplesmente retirou o credenciamento sem nunca ter me avisado. Aí me prenderam em flagrante, quando eu estava exercendo uma atividade que imaginava lícita. Isso também ninguém nunca colocou [na imprensa]. Tanto é que eu não tive uma condenação. Fui absolvido [na verdade, prescreveu]. O BC até hoje nunca apresentou qualquer assinatura que eu tivesse ciência de que tinha sido descredenciado.

Por que o BC lhe prejudicaria?

Foi uma questão muito mais política do que técnica. Na época envolvia o ex-senador Romeu Tuma [morto em 2010], que era conhecido da família. Havia um problema dentro da Polícia Federal e acharam por bem que o compadre do Tuma, que era meu pai, talvez deveria pagar o pato por uma briga política.

Como explica a acusação da PF de que 375 contas suas teriam movimentado ilegalmente R$ 10,8 milhões entre 2007 e 2014?

Como eles podem ter provado que eu lavei tanto dinheiro, se fui condenado por uma lavagem de R$ 460 mil numa das sentenças? Numa lavagem de US$ 120 mil [convertidos nos R$ 460 mil] que só o juízo de primeira instância localizou e criou o mecanismo para dizer que foi lavagem. Cadê o restante do dinheiro? Cadê essas lavagens, onde estão? Por que talvez a mídia não foca um pouco mais nessas questões de pegar um processo e perder um pouco mais tempo para dar uma analisada? Acho que é uma questão até interessante.

Mas o juiz Sérgio Moro o condenou no total a 9 anos e 9 meses, pena confirmada em 2ª instância.

Foi uma condenação completamente injusta. Acho que o Brasil está combatendo ilegalidades com outras ilegalidades. Mas cumpri o que tinha de cumprir [1 ano e 7 meses em regime fechado e 1 ano no semiaberto]. Agora é olhar para frente.

A Lava Jato exagera, é isso que quer dizer?

Eu entendo a sanha por Justiça. Mas não devemos, como se diz por aí, fazer Justiça com as próprias mãos. Eu acho que a Lava Jato, em princípio, começou com esse foco. Tive duas sentenças condenatórias: uma de 5 anos e 6 meses; outra de 4 anos e 9 meses. Não sei qual das duas foi corrigida no tribunal [de 2ª instância] e reduzida em 3 meses. Eu gostaria de saber quem vai pagar esses três meses que eu fiquei a mais. Mas aí não tem quem cobre isso, nem a mídia [risos].

Se sente injustiçado?

O juiz Sérgio Moro conseguiu me manter numa prisão preventiva por 570 dias. Essa é a nossa Justiça.

A PF chamou seu posto ‘caixa eletrônico da propina’. Políticos buscavam dinheiro lá?

Eles não conseguiram apontar nem comprovar nenhum político que tenha recebido aqui. O que acontecia, isso está nos autos, [é que] eu tinha operações de crédito com o senhor Alberto Youssef. Eu tomava dinheiro emprestado [do Youssef] e, na hora de devolver, ele ou indicava algumas contas ou pessoas que vinham aqui receber. Para onde ia esse dinheiro eu não posso lhe dizer. O que eu posso afirmar é que não conheço nenhum desses políticos envolvidos. Agora, se esse dinheiro foi para algum político, foi por intermédio de algum motorista ou coisa assim. Eu nunca entreguei e nenhum político disse que recebeu de mim. Nem a polícia nem o Ministério Público provaram que eu tenha tido contato com qualquer político.

16.mar.2017 - Posto da Torre, no Setor Hoteleiro Sul, região central de Brasília, onde teve início a Operação Lava Jato em 2014 - Pedro Ladeira/Folhapress - Pedro Ladeira/Folhapress
Posto da Torre, na região central de Brasília, onde teve início a Operação Lava Jato em 2014
Imagem: Pedro Ladeira/Folhapress

Isso não era lavar dinheiro para o Youssef?

O senhor Alberto Youssef, quando eu saldava minhas dívidas com ele, ou me indicava contas para eu depositar o dinheiro que era dele ou pedia que em entregasse para algumas pessoas. Ele indicava: ‘Vai chegar uma pessoa chamada João da Silva, por exemplo. Por favor, entregue a ele R$ 50 mil reais num envelope do dinheiro que você está me devolvendo’. Se houve alguma lavagem, ela foi feita do senhor Alberto para trás. Não no Posto da Torre.

Mas o ex-gerente do posto, Ediel Viana da Silva, disse à PF ter visto políticos pegando dinheiro vivo. Como explica isso?

Quando [Ediel] percebeu que ficaria [preso] mais tempo do que deveria, ele tentou uma delação. Ele estava preso comigo na mesma cela no Presídio de São José dos Pinhais e o retiraram para fazer a famigerada delação premiada. Ele ficou na [sede da] PF [em Curitiba] por alguns meses e, no final, o Ministério Público não teve como acatar a delação dele porque não havia nenhum tipo de prova que corroborasse com o que estava dizendo. O que aconteceu com o senhor Ediel, que é um mentiroso, é que quando começou a ouvir o nome dos políticos escolheu um ou dois, que eu não sei quem são, para dizer que tiveram reuniões comigo e logo depois começou a sair dinheiro. Mentira. O dinheiro começou a sair muito antes dele trabalhar comigo. Ele inventou uma história, não conseguiu provar e a delação não foi homologada. Foi o desespero de um cara que estava preso. Esse é o modus operandi da Lava Jato: minar o cara que está lá dentro para falar até o que ele não fez, quando ele vislumbra a possibilidade de sair da cadeia. Infelizmente, a delação premiada como está no Brasil é um tiro no pé, porque está se combatendo uma ilegalidade com outra ilegalidade. O povo brasileiro está batendo palmas para isso. Não estou dizendo que a delação é ilegal, mas a maneira ou as condições que se colocam os presos. Repito: eu fiquei 500 e tantos dias preso numa preventiva sem ser julgado. Isso é um estupro.

O que significa esse ‘o dinheiro saía’. Saía para onde e por quê?

Eu sempre tive operações [financeiras] com o senhor Alberto [Youssef], muito antes de conhecer o senhor Ediel.

O senhor era operador do Yousseff?

Não. Nós sempre fomos amigos. Eu conhecia o Beto como um cara que sempre operou o mercado de ações. Volta e meia, quando eu ‘tinha uma dor de barriga’ [financeira], eu recorria ao Alberto e ele me mandava dinheiro e nunca me cobrava. Por isso, eu sou completamente revoltado com essa situação de lavagem de dinheiro. Quem é que lava dinheiro sem cobrar? Se fosse para lavar dinheiro do senhor Alberto, eu teria que cobrar alguma coisa. É a lógica. Ninguém vai lavar dinheiro por lavar, para fazer bonito para alguém. Mas isso não é levado em consideração pelo juiz de primeira instância [Sérgio Moro].

O doleiro Alberto Youssef - Alan Marques-26.out.2015/Folhapress - Alan Marques-26.out.2015/Folhapress
O doleiro Alberto Youssef
Imagem: Alan Marques-26.out.2015/Folhapress
Por que Youssef lhe emprestaria dinheiro sem contrapartida?

A minha relação com ele era pessoal e se tornou comercial por algumas vezes. Nós éramos, antes de qualquer questão comercial, amigos. Nunca houve uma reunião em que fosse definida uma decisão para lavar dinheiro. Inclusive, eu sequer pagava juros a ele porque era uma questão de amizade. Agora, só um idiota para acreditar que eu lavaria dinheiro sem cobrar nada. O senhor Alberto Youssef, que é um delator - e parte-se do princípio de que ele não pode mentir, omitir, faltar com a verdade -, colocou isso para o juiz de primeira instância [Moro], que simplesmente não levou em consideração quando me julgou. Pois bem, se eu fui julgado por lavagem de dinheiro e o proprietário do dinheiro, que é o senhor Alberto Youssef, disse em juízo que me emprestava dinheiro e eu devolvia, ou seja, se havia lavagem houve dele para trás, das duas uma: ou ele mentiu e toda a delação dele devia ser descartada; ou ele falou a verdade e o juiz de primeira instância não levou em consideração.

Mas por que Moro faria isso, se Youssef confessou crimes?

Talvez, eu vou lhe dizer, o que tenha acontecido: como é que pode ser absolvido o cidadão que deu origem à Operação Lava Jato? Talvez isso tenha pesado e talvez eles tenham achado que uma eventual absolvição fragilizaria a Lava Jato. Essa é a minha revolta com a Justiça no Brasil. Ele como delator não podia mentir nem omitir, e disse a verdade: ‘Eu emprestava dinheiro para o senhor Carlos Habib [Chater] e quando ele me devolvia, eu [Youssef] determinava as contas ou os portadores que lá iam para liquidar a operação comigo”. Portanto, ele falou a verdade. Eu sou muito agradecido. Infelizmente, a verdade dele serve para condenar, mas não para inocentar.

Usou a casa de câmbio ValorTur nessas operações?

A casa de câmbio operou por muito pouco tempo. Não existe nenhuma operação irregular na casa de câmbio. Inclusive, o movimento era ridículo porque ela era uma casa nova. Mas para fazer barulho, a Polícia Federal utilizou essa falácia que até hoje não provaram. Nem vão provar, porque nunca existiu.

O senhor diz que não é doleiro, mas fazia operação em dólar. Isso não é ser doleiro?

Eu não fazia operação de câmbio há muitos anos. Há muitos anos...

Mas então o que fazia a sua casa de câmbio?

A casa de câmbio fazia operações legais. O doleiro é tido como operador ilegal. Basta ver o inquérito e o processo, eu não fui condenado em nenhum momento por operação ilegal.

O senhor em algum momento foi doleiro?

Eu fui doleiro antes de 1991. Antes de eu ser credenciado pelo Banco Central. Na época sequer ventilavam que haveria qualquer tipo de autorização do BC, fora [a dada] aos bancos, para fazer operação. Isso era muito normal nas décadas de 80 e 90. Todo mundo era doleiro. Até o ascensorista do Hotel Nacional. Quem compra e vende dólar sem autorização do Banco Central é doleiro. Inclusive vários policiais federais e delegados da PF já fizeram operações na época. O Brasil precisa acabar um pouco com a hipocrisia e tentar ver a realidade dos fatos para entender o que acontecia nas décadas de 80 e 90 e o que acontece hoje.

A PF apontou pelo menos uma operação de câmbio para lavar dinheiro de um traficante. Isso ocorreu?

O que houve foi uma operação que eu fiz para um senhor, que estava viajando e disse que viria uma pessoa para receber esse dinheiro, isso está nos autos. A pessoa que veio receber esse dinheiro eu sequer conhecia. Por telefone, essa pessoa entrou em contato na época para marcar um horário para vir receber. Essa pessoa era envolvida com o tráfico, em princípio. Eu não sei se era ou não era. Isso quem diz é a Polícia Federal. A casa de câmbio não tem nada a ver com isso. Talvez esteja havendo uma confusão na interpretação ou até mesmo a PF possa ter induzido a população e até mesmo jornalistas a acreditarem nisso. Mas o que houve foi exatamente isso: eu, por não saber exatamente, do que se tratava emiti cheques do posto. Que idiota seria eu de emitir cheques do posto para um traficante de drogas?

Por que fez essa operação?

Era um amigo meu, um libanês, que pediu para eu resgatar um dinheiro dele aqui [no Brasil] e repassar para ele mesmo, em dinheiro vivo. Só que essa pessoa viajou para o Líbano e mandou um portador. E esse portador, diz a Polícia Federal, era envolvido com drogas. Eu não conheço, nunca vi esse portador. Fui conhecê-lo dentro do camburão quando eu cheguei em Curitiba e fui para a Polícia Federal, porque quando essa pessoa esteve no posto para receber eu não estava. Mas chegamos ao cúmulo de eu ser condenado por uma operação de US$ 120 mil [ou R$ 460 mil] por lavagem de dinheiro para o tráfico. Eu não sei o que é o tráfico. Eu não conhecia essa pessoa. Mas a PF, mesmo sabendo que eu não conhecia essa pessoa, porque ela me monitorou e pegou conversas e conversas, me ameaçou dizendo que se eu não entregasse os políticos e os agentes públicos seria indiciado por tráfico de drogas. Mesmo assim ele não conseguiu, porque seria uma coisa esdrúxula.

Ameaça para fazer delação?

Como o delegado Márcio Anselmo [responsável pela Lava Jato até o início de 2017] viu que eu não faria delação e não teria quem entregar, depois de várias tentativas, de insistências, de ameaças, ele disse que mandaria para o presídio. No dia seguinte eu fui para o presídio [de São José dos Pinhais].

Explique que tipo de ameaça.

[O delegado] disse que me envolveria com o narcotráfico, que eu ficaria mais de 20 anos na cadeia e ele me livraria em uma semana, caso eu dissesse quem eram os agentes públicos ou os políticos que recebiam [propina] aqui [no Posto da Torre]. Eu disse a ele que, em primeiro lugar, eu fui monitorado por 8 meses oficialmente - mas fora da questão oficial com certeza fui monitorado por muito mais tempo -, e ele não teria indício de tráfico de droga. Inclusive, dentro das celas da Polícia Federal nós localizamos uma escuta ambiental, que na época o juiz disse que não tinham autorização de colocar. Existe muitas coisas que aconteceram nos bastidores dessa operação que eu diria ilegais, imorais, que ninguém sabe ou que pelo menos ninguém quer dar ouvidos.

Nota da redação: O delegado Márcio Anselmo foi procurado pelo UOL para se manifestar sobre a acusação. Foi lhe enviado um e-mail no seu endereço pessoal, ao qual ele respondeu se dizendo disposto a dar entrevista. Mas pediu para formalizar o pedido na assessoria de imprensa da PF em Curitiba, que repassou a demanda para a regional do Espírito Santo. Ao final de segunda-feira (7), contudo, a assessoria capixaba da PF pediu para procurar novamente a de Curitiba. A unidade paranaense foi procurada novamente, mas não se manifestou até fechamento da reportagem.

Por que não denunciou para corregedoria da PF?

Quando nós localizamos a escuta ilegal ambiental que estava nas celas, abriram uma sindicância e quem estava cuidando era o delegado responsável pelas investigações da Operação Lava Jato. Isso é uma piada, né?