Aprovado em comissão, "distritão" só existe em 4 países e favorece reeleição de deputados
O modelo eleitoral "distritão" foi aprovado na madrugada desta quinta-feira (10) pelos deputados que compõem a comissão especial da Câmara que analisa a reforma política com uma vitória apertada por 17 votos a 15. Mas para entrar em vigor nas próximas eleições, a mudança ainda terá de ser aprovada por pelo menos 60% dos parlamentares nos plenários da Câmara e do Senado até setembro, que é o prazo dado para que alterações na legislação eleitoral tenham validade no ano seguinte.
No "distritão", são eleitos os deputados mais votados em cada Estado. Se a proposta for de fato aprovada, ela vai mudar a maneira como as 513 cadeiras da Câmara dos Deputados serão preenchidas.
Isso porque hoje os parlamentares são eleitos no modelo de voto proporcional com base em dois cálculos (quociente eleitoral e partidário) que levam em conta o total de votos dados aos candidatos e aos partidos. Neste modelo, candidatos com poucos votos podem acabar se elegendo se parceiros de sigla tiverem obtido votações maciças, que garantiram uma cota grande de cadeiras para o partido, enquanto políticos com uma votação mais expressiva podem ficar de fora.
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Pela proposta, o "distritão" será um modelo eleitoral de transição, já que pelo texto aprovado, a partir de 2022, as vagas no Legislativo serão preenchidas pelo modelo "distrital misto", em que metade dos deputados federais e estaduais e dos vereadores serão eleitos pelo sistema de lista e metade pelo voto majoritário distrital.
O "distritão" foi defendido nesta quarta-feira (9) pelo PSDB como um modelo de transição para um sistema parlamentarista de governo. O presidente do Senado, Eunício Oliveira, também reforçou seu apoio ao modelo após jantar na terça-feira (8) com congressistas para discutir a reforma política.
Segundo dados do IDEA (Instituto para a Democracia e Assistência Eleitoral, em tradução livre), o "distritão" é adotado em apenas quatro países no mundo: Afeganistão, Kuait, Emirados Árabes Unidos e Vanuatu.
Quem defende a proposta argumenta que ela reduz a oferta de candidatos no processo eleitoral e acaba com os chamados “puxadores de voto”, no qual um deputado com muitos votos "elege" outros deputados da mesma coligação.
Em 2014, por exemplo, Tiririca (PR-SP) foi o segundo mais votados nas eleições para a Câmara dos Deputados. Com mais de 1 milhão de votos, conseguiu levar mais cinco candidatos de seu partido para a Câmara pelo Estado de São Paulo, dentre eles Capitão Augusto e Miguel Lombardi, que tiveram ambos 46.905 e 32.080 votos, respectivamente.
O caráter personalista do "distritão", porém, é alvo de críticas por especialistas e políticos. “Seria horrível se nosso sistema fosse transformado em um 'distritão'. Esse sistema só existe em países muito atrasados”, critica Marcus Ianoni, professor do departamento de ciência política da UFF (Universidade Federal Fluminense).
Quem é conhecido sai na frente
A principal crítica feita pelos especialistas ouvidos pelo UOL é que esse sistema eleitoral, se aprovado, vai dificultar a renovação dos deputados federais. Eles argumentam também que a mudança está sendo pensada de maneira apressada, sem a discussão aprofundada necessária.
“Do jeito que está sendo proposto, é uma tentativa de salvaguarda da reeleição dos nossos deputados”, acredita Maria Teresa Kerbauy, professora do Departamento de Ciência Política da Unesp (Universidade Estadual Paulista) de Araraquara.
Lilian Furquim, cientista política da FGV-SP (Fundação Getúlio Vargas), tem opinião semelhante. Segundo ela, quem já está no cargo leva alguma vantagem, por conhecer o sistema e por já ter alguma fama.
“O novo político que quer entrar no sistema tem desvantagens. Disputar uma eleição é muito caro para os mais jovens. Então tem o perigo de continuarmos com os mesmos deputados, de termos uma reforma, mas não renovarmos o suficiente”, acredita.
Ainda sobre a renovação do Congresso, Kerbauy afirma que a adoção do "distritão" seria apenas uma dentre as propostas incluídas que dificultaria ainda mais a entrada de novos entes na política.
“A eleição vai depender da forma de financiamento que será adotada. Se o financiamento público for aprovado, os partidos vão colocar mais recursos nos candidatos com maior número de votos. Além disso tem as novas regras sobre o horário eleitoral, proibição de coligações, que também podem dificultar essa renovação”, explica. Ontem, a comissão da Câmara também aprovou a criação de um fundo público de R$ 3,6 bilhões para financiamento de campanha.
Marcus Ianoni afirma que esse modelo enfraquece a figura dos partidos e fortalece o personalismo. E ele compara: “Seria uma espécie de corrida de cavalo, em que vence quem chega em primeiro lugar. O eleitor não sabe nem de que partido ele é. É o ultrapersonalismo. Se hoje no sistema que temos ainda existe um critério de proporcionalidade e boa parte dos eleitores não sabe o partido de quem está votando, imagina no 'distritão'”.
Furquim diz não concordar que o "distritão" enfraquece os partidos, mas afirma que também não contribuiria para fortalecê-los, o que na visão dela seria necessário para o Brasil.
“No Brasil ninguém vota no partido, e com tantos partidos que existem não se consegue identificar facilmente suas diferentes ideologias. Mas sem partido não há política em nenhum lugar. O 'distritão' não fortalece os partidos enquanto elaboradores de programas de governo, de propostas para a sociedade”, argumenta.
"Distritão" já foi barrado em 2015
O movimento para substituir o sistema proporcional que vigora hoje no Brasil não é novo e ganhou força durante os debates sobre reforma política na antiga comissão que tratava do tema, em 2015, tendo sido defendido pelo então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e pelo então vice-presidente da República, Michel Temer (PMDB-SP). O plenário da casa rejeitou a adoção do "distritão" em votação realizada em maio de 2015.
"Só se candidatará quem souber que tem chance de se eleger. Isso vai diminuir sensivelmente o número de candidaturas de cada partido e tornará a fala dos candidatos mais programática", defendeu em 2015 Temer.
Já o deputado federal Marcelo Castro (PMDB-PI), então opositor da ideia, chegou a dizer naquele ano que o sistema é "pior do que o que temos hoje" e que ele agravaria os problemas políticos do país.
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