MP diz que Odebrecht usou "departamento de propina" para comprar terreno para Instituto Lula
A força-tarefa da Operação Lava Jato no MPF-PR (Ministério Público Federal no Paraná) entregou à Justiça nesta quarta-feira (30) documentos que, segundo os procuradores, mostram que a Odebrecht usou seu "setor de operações estruturadas" --na prática, um departamento para repasse de propinas-- para pagar parte da compra de um terreno em São Paulo supostamente destinado ao Instituto Lula. A entidade nunca ocupou o imóvel.
Segundo as informações apresentadas pela força-tarefa ao juiz Sergio Moro, responsável pelos processos da Lava Jato na Justiça Federal do Paraná, a Odebrecht usou empresas offshore no Panamá, na América Central, e em Antígua e Barbuda, no Caribe, para fazer os pagamentos, que totalizaram pouco mais de R$ 3 milhões em valores da época dos repasses. O conteúdo apresentado foi obtido por meio da análise de dados do sistema Drousys, usado pelo setor de operações estruturadas da Odebrecht.
Os documentos foram anexados ao processo em que Lula é acusado de ter recebido propina milionária da Odebrecht na forma de um apartamento em São Bernardo do Campo (SP) e do terreno para o Instituto Lula. A defesa do ex-presidente diz que ele "não tem qualquer relação com eventuais atos ilícitos praticados por terceiros" e que o Instituto Lula "jamais teve a propriedade ou a posse do imóvel indicado na ação penal”. Lula vai depor a Moro no dia 13. (saiba mais sobre o caso abaixo).
A rota do dinheiro, segundo o MPF
De acordo com relatório do MPF-PR, um dos sócios da empresa que era dona do terreno supostamente destinado ao Instituto Lula, Mateus Baldassari, declarou à Receita Federal em 2010 que tinha cotas da empresa Jaumont, registrada nas Ilhas Virgens Britânicas, um paraíso fiscal no Caribe. Em janeiro de 2011, segundo extrato bancário, a Constructora Internacional del Sur, registrada no Panamá em nome de Olívio Rodrigues Júnior --operador de propinas da Odebrecht--, transferiu US$ 537.575 (R$ 940.541,22) para a Jaumont.
As instruções para o pagamento à Jaumont, que teria sido efetuado em uma conta na Suíça, foram encontradas em um documento nomeado como "Último Beluga R$ 887 Conv US$". Dois meses antes, em novembro de 2010, um pagamento no mesmo valor de US$ 537.375 havia sido previsto pelo "departamento de propina" da Odebrecht para uma empresa chamada Beluga Holdings Ltd. O valor seria pago pela Innovation, registrada em Antígua e Barbuda. A Innovation é outra offshore registrada em nome de Olívio Rodrigues Júnior e de Marcelo Rodrigues, também operador de propinas para a Odebrecht.
O pagamento de US$ 537.375 à Beluga pela Innovation foi feito em novembro de 2010, mas acabou devolvido no mês seguinte, segundo mensagens trocadas via Drousys. Este valor aparece nas mensagens como "parcela 3 x 3".
Em outubro de 2010, em uma conta na Suíça, a Beluga recebeu da Constructora Internacional del Sur dois pagamentos, um pagamento de US$ 611.615 (R$ 1,031 milhão) e outro de US$ 637.300 (R$ 1,054 milhão). Este último valor aparece em mensagens do Drousys como "parcela 2 x 3" à Beluga. O relatório do MPF não diz quem seriam os donos da Beluga, nem em que país ela foi registrada.
Um mês antes dos pagamentos, foi salva no Drousys a imagem de um bilhete com os dados da conta da Beluga na Suíça e com o termo "P. Melo" escrito a lápis. Já nas instruções para o depósito na Jaumont havia uma anotação com o termo "Lovera R$ 887/US$".
Um dos réus no processo sobre o instituto Lula é Paulo Baqueiro de Melo, ex-diretor da OR (Odebrecht Realizações Imobiliárias). Já João Alberto Lovera, ex-executivo da OR, disse em depoimento à Justiça que Lula visitou o terreno junto com Melo. Oficialmente, o terreno foi comprado pela DAG Construtora, acusada pelo MPF de ser laranja da Odebrecht.
A partir de semana que vem, os réus do processo vão prestar depoimento ao juiz Sergio Moro. Melo e Demerval Gusmão, dono da DAG Construtora, depõem na segunda-feira. A audiência de Lula será no dia 13.
O sistema Drousys
O material apresentado à Justiça foi obtido por meio da análise de dados do sistema Drousys que estavam hospedados em um servidor na Suécia e foram entregues aos procuradores em março. O MPF recebeu no começo de agosto mais informações do Drousys e de outro sistema usado pelo "departamento de propina", o MyWebDay, mas que estavam armazenadas na Suíça.
O relatório da força-tarefa da Lava Jato mostra trocas de mensagens no Drousys entre Fernando Migliaccio, ex-executivo da Odebrecht; Maria Lúcia Tavares e Ângela Palmeira, ex-funcionárias da empresa; e os operadores Olívio Rodrigues Júnior e Marcelo Rodrigues. Todos usavam codinomes.
Empresas offshore como as registradas em nome dos operadores da Odebrecht são usadas, em geral, para evitar que o real beneficiário dos recursos da companhia seja conhecido e, muitas vezes, para sonegar impostos. Elas podem operar no Brasil e não são necessariamente ilegais, podendo ser usadas, por exemplo, para facilitar transações entre partes de diferentes países. Brasileiros que detêm offshores devem declará-las à Receita Federal.
Outro lado
Em nota enviada ao UOL, o advogado Cristiano Zanin Martins, que defende Lula, disse que “o juiz Sergio Moro já reconheceu em decisão proferida em 18/07 que o ex-Presidente Lula não recebeu qualquer vantagem indevida proveniente de contratos firmados pela Petrobras. Essa constatação do juiz, além de confirmar que não existe qualquer razão jurídica para que ações contra Lula estejam sendo processadas na Justiça Federal de Curitiba, também colide com as acusações indevidamente feitas pela Força Tarefa da Lava Jato contra o ex-Presidente."
Ainda segundo Zanin Martins, "não há qualquer ato de ofício praticado por Lula no exercício do cargo de Presidente da República que possa ser associado à obtenção de vantagens indevidas. Tampouco existe qualquer conduta que possa indicar dissimulação de valores de origem ilícita. O ex-Presidente Lula não tem qualquer relação com eventuais atos ilícitos praticados por terceiros e por isso não há nos autos nada que possa relacioná-lo. O Instituto Lula é associação sem fins lucrativos que sempre funcionou na mesma sede desde a sua constituição e jamais teve a propriedade ou a posse do imóvel indicado na ação penal”.
A reportagem também tentou falar por telefone com o advogado de Mateus Baldassari, sem sucesso. Em maio, ao depor como testemunha do processo sobre o terreno que pertencia à sua empresa, Baldassari disse que nunca esteve com Lula e não quis responder se havia recebido algum valor "por fora" pela venda do imóvel.
A advogada Paula Sion, que defende Olívio Rodrigues Júnior e Marcelo Rodrigues, disse ao UOL que seus clientes cumpriam tarefas operacionais e não tinham ciência de quem eram os beneficiários finais dos recursos.
O advogado de Paulo Melo, Matheus Silveira Pupo, disse que não poderia se manifestar sobre o relatório da força-tarefa da Lava Jato devido a condições definidas no acordo de colaboração premiada assinado por seu cliente.
O UOL não conseguiu contato por telefone com as defesas de Fernando Migliaccio, Ângela Palmeira, Maria Lúcia Tavares e João Alberto Lovera.
Todas as pessoas ligadas à Odebrecht e citadas no relatório do MPF fecharam acordo de delação premiada.
Em casos relativos à Lava Jato, a Odebrecht tem dito que colabora com a Justiça no Brasil e nos países em que atua. A empresa afirma que já reconheceu os seus erros, pediu desculpas públicas, assinou um acordo de leniência com as autoridades do Brasil, Estados Unidos, Suíça, República Dominicana, Equador e Panamá, "e está comprometida a combater e não tolerar a corrupção em quaisquer de suas formas”.
Entenda a acusação contra Lula
A denúncia da força-tarefa da Lava Jato no MPF-PR (Ministério Público Federal no Paraná) acusa Lula pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro em contratos firmados entre a Petrobras e a Odebrecht. Segundo os procuradores, o ex-presidente teria recebido propina da empreiteira por intermédio do ex-ministro Antonio Palocci --também réu na ação, junto com Marcelo Odebrecht e outras cinco pessoas.
O MPF afirma que parte do dinheiro foi usada para comprar um terreno, que seria usado para a construção de uma sede do Instituto Lula (R$ 12,4 milhões). A denúncia diz ainda que a propina também foi usada para comprar um apartamento vizinho à cobertura onde mora o ex-presidente, em São Bernardo do Campo (SP), que é alugado pela família de Lula. Na avaliação dos investigadores, a operação foi realizada para ocultar o verdadeiro dono do apartamento, que seria Lula.
No total, R$ 75 milhões teriam sido desviados da Petrobras por meio de oito contratos da Odebrecht com a estatal, de acordo com a força-tarefa. Parte do valor teria sido repassada a partidos e agentes políticos que apoiavam o governo Lula, principalmente PP, PT e PMDB. O ex-presidente foi apontado como o "responsável por comandar uma sofisticada estrutura ilícita para captação de apoio parlamentar, assentada na distribuição de cargos públicos na administração federal".
A defesa de Lula afirma que ele aluga o apartamento vizinho ao seu. Além disso, acrescentou que o Instituto Lula funciona no mesmo local há anos e que o petista nunca foi proprietário do terreno em questão. A transação seria um "delírio acusatório", complementam os advogados.
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