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Juiz determina transferência de Cabral para presídio federal após discussão

Marina Lang

Colaboração para o UOL, no Rio

23/10/2017 15h53

O juiz federal Marcelo Bretas, da 1ª instância da Lava Jato no Rio de Janeiro, autorizou, na tarde desta segunda-feira (23), a transferência do ex-governador Sérgio Cabral (PMDB) para um presídio federal, atendendo a pedido do MPF (Ministério Público Federal). Não foi definida a unidade prisional para a qual Cabral será enviado. A defesa do ex-governador afirma que a decisão é arbitrária e que irá recorrer.

São quatro presídios federais existentes no país: Mossoró (RN), Campo Grande (MS), Catanduvas (PR) e Porto Velho (RO). Detido desde novembro passado, o ex-governador ficou preso no Complexo de Gericinó, em Bangu, zona oeste do Rio, e hoje se encontra na Cadeia Pública Frederico Marques --antigo BEP (Batalhão Especial Prisional), localizado no bairro de Benfica, zona norte da capital fluminense.

O pedido foi feito após Cabral ter mencionado, durante interrogatório realizado hoje na 7ª Vara Criminal, informações pessoais a respeito de Bretas.

Na audiência da ação penal referente a acusação de lavagem de dinheiro por meio de compra de joias, Cabral afirmou que a família do juiz Bretas teria entrosamento com joias porque “vendia bijuterias”. O magistrado repreendeu a defesa de Cabral, dizendo que se sentia ameaçado pela afirmação.

O advogado de Cabral pediu, então, um recesso de cinco minutos para orientar o cliente.

Segundo o procurador Sergio Luiz Pinel Dias, o que motivou o pedido de transferência "foi a questão de [Cabral] receber informações dentro da cadeia, informações dadas de fora da cadeia". "Foi no momento em que ele mencionou a família do magistrado", disse.

No entanto, o procurador evitou categorizar as falas de Cabral como ameaças. "O que ficou claro é que ele vinha recebendo informações de fora do presídio", reforçou. "Absolutamente normal ele receber informações dos processos a que responde. O que não é normal é ele saber da vida dos familiares do magistrado", completou Dias.

Perfil sobre Bretas publicado pelo jornal "Folha de S.Paulo" em fevereiro traz a informação de que os pais do juiz criaram os filhos na igreja evangélica e "trabalhando em uma loja de bijuterias no Saara, mercado popular do centro do Rio". O UOL procurou a assessoria de imprensa do Ministério Público Federal, que ainda não se manifestou.

O advogado de Cabral, Rodrigo Roca, classificou a decisão da transferência como “grave”. “O que ele [Cabral] fez foi trazer um desabafo --verdadeiro, mentiroso, não importa. A questão é que foi um ato conhecido através de interrogatório, um ato dele para que ele se defendesse. Para ele dizer o que bem entender em sua defesa”, disse o advogado.

“Não vou dizer nem que foi um comentário infeliz, foi um comentário desnecessário. E, por ser desnecessário, não deveria nem ter sido levado em conta para uma sanção tão grave quanto esta [transferência para o presídio federal], que vai prejudicar o exercício da defesa”, declarou.

Foi a primeira vez que o ex-governador se encontrou com Bretas após suas duas primeiras condenações da Lava Jato no Rio. Em agosto, o juiz federal negou hoje pedido dos advogados de Cabral para conceder entrevista a dois veículos de comunicação --a defesa do ex-governador alega que ele queria apresentar sua versão dos fatos.

Durante o interrogatório, Cabral discutiu com Bretas, fazendo críticas aos processos do qual é réu. Para Cabral, que também teceu críticas ao magistrado ao longo do depoimento, o juiz Bretas faz uma “projeção pessoal para o meu calvário”.

“Vossa Excelência já me condenou em duas ocasiões, uma em 45 anos e outra em 13 anos. Percebe-se, a partir dessas condenações, que vossa excelência não acredita em mim”, declarou Cabral. “Comprei joias para minha mulher em datas comemorativas”, continuou.

Bretas perguntou se Adriana Ancelmo teria usado joias mais baratas como parte do pagamento de joias mais caras. Cabral respondeu que tal prática é de “praxe” ao se comprar joias, e classificou a denúncia como um “teatro” do Ministério Público.

“Eu leio meus processos. Você olha e percebe que há um ‘recorta e cola’ de um processo ao outro.”

Cabral: joias com dinheiro de caixa 2

Cabral disse ter comprado joias para sua mulher, Adriana Ancelmo, com dinheiro proveniente de caixa dois de campanha eleitoral. Ele negou que o dinheiro fosse fruto de propina ou de superfaturamento em contratos do governo estadual.

O ex-governador fluminense também admitiu que não houve emissão de nota fiscal porque as joias foram compradas sob parcelamento e com desconto, e que a condição dada pela H.Stern seria uma compra sem nota fiscal. Procurada pelo UOL, a joalheria não se manifestou até a publicação desta reportagem.

De acordo com o MPF, por cinco vezes, os acusados adquiriam joias e pedras preciosas --avaliadas no valor total de R$ 4,5 milhões-- com propósito de ocultarem ou dissimular a origem de dinheiro derivado de crimes praticados pela organização criminosa.

A denúncia diz ainda que o dinheiro era oriundo de propinas pagas por empreiteiras entre os anos de 2007 e 2014, em contratos para obras do metrô, reforma do Maracanã, PAC das Favelas e do Arco Metropolitano.

Cabral negou o superfaturamento de obras em seu governo, alegando que executivos da Carioca Engenharia e Andrade Gutierrez teriam negado esta afirmação em depoimento na semana passada.

A mulher de Cabral, Adriana Ancelmo, e Carlos Miranda, apontado como operador de Cabral, permaneceram em silêncio sob orientação de seus advogados.

Em seu depoimento, Luiz Carlos Bezerra, também apontado como operador, confirmou que esteve na H.Stern para deixar valores, sem saber que receberia joias. Ele negou que soubesse a origem do dinheiro.