Fim do foro resolve problema do STF, mas não o da impunidade, diz Barroso
O ministro Luís Roberto Barroso, do STF (Supremo Tribunal Federal), disse nesta quarta-feira (29) que o fim do foro especial por prerrogativa de função --popularmente conhecido como foro privilegiado-- resolve problemas da Corte, mas não o da impunidade no Brasil.
"A briga pelo fim, pela restrição do foro, não é uma questão de impunidade. É uma questão de tirar do Supremo o que ele não deve ter", afirmou. "A impunidade precisa ser combatida com uma revisão do modo como nós praticamos o sistema penal brasileiro."
Barroso deu a declaração durante palestra, em São Paulo, sobre o combate à corrupção e o foro privilegiado na Conferência Nacional da Advocacia Brasileira, organizada pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).
Segundo o ministro, o STF não tem estrutura para funcionar como corte criminal. Barroso citou números da Assessoria de Gestão Estratégica do Supremo segundo os quais há na Corte 529 processos de pessoas com direito a foro, a maioria do Congresso. Outro dado citado pelo magistrado foi que o Supremo demora 581 dias, em média, para apreciar uma denúncia.
"A disfuncionalidade já levou a mais de 200 casos de prescrição", disse.
Segundo Barroso, o foro privilegiado serve para "proteger amigos e perseguir inimigos" e é uma "jabuticaba que apodreceu".
O ministro sugeriu a criação de duas varas especiais, uma criminal e outra de improbidade administrativa, para julgamento de casos de pessoas como direito ao foro.
Os juízes seriam escolhidos pelo Supremo e teriam mandato de quatro anos. Os réus poderiam recorrer diretamente ao STF ou ao STJ (Supremo Tribunal de Justiça).
Após a palestra, Barroso disse a jornalistas que tende a achar que restringir o foro a chefes de poderes "faria bem". O ministro também falou que, se a redução da prerrogativa vier pelo Congresso e não por interpretação do Supremo, "tanto melhor".
O STF retomou na semana passada o julgamento sobre a restrição ao foro privilegiado. Barroso é o relator do caso e votou, em maio, para que o foro valha apenas para crimes cometidos no cargo e relacionados a ele. O julgamento foi interrompido por um pedido de vista do ministro Dias Toffoli, o qual Barroso não quis comentar.
"Não sou censor de colega, não sou fiscal de salão", declarou. Dos 11 ministros, oito já votaram por modificar o foro.
Congresso avalia foro
A proposta de restringir o foro aos chefes de poderes foi aprovada no Senado e já passou pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara, cujo presidente, deputado Rodrigo Pacheco (PMDB-MG), também compareceu ao evento em São Paulo.
Segundo ele, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), assumiu o compromisso de instalar ainda neste ano a comissão especial necessária para o prosseguimento do texto. Pacheco disse ter conversado com Maia nesta terça-feira (28).
"Ele [Maia] disse que instalaria esse ano ainda e que vai imprimir os esforços necessários para ter uma solução legislativa e constitucional desse tema. Isso é muito importante para não gerar instabilidade jurídica. O Supremo decide sobre o caso concreto, mas quem define a ordem constitucional é o Congresso Nacional", disse ao UOL.
"Pacto oligárquico" da corrupção
Barroso também abordou o combate à corrupção em sua palestra. O ministro disse não ser “punitivista”, mas defendeu que “garantismo” não pode ser sinônimo de processos que se arrastam por anos na Justiça.
Segundo o ministro, há impunidade especialmente em crimes de corrupção e outros associados a parcelas mais ricas da população, como sonegação.
"A elite dominante brasileira criou um sistema penal que a mantém imune do alcance do direito penal", afirmou Barroso.
"Nós criamos no Brasil um direito penal perverso e seletivo, feito para prender menino pobre com 100 gramas de maconha e que não consegue pegar quem desvia 10, 20, 100 milhões [de reais]."
Ainda de acordo com o ministro, a corrupção no Brasil era "sistêmica, endêmica, profissionalizada", e atendia a um "pacto oligárquico" entre setores da política, do empresariado e da burocracia para saquear o Estado.
"É muito difícil romper esse pacto. Mas essa é a missão da nossa geração: criar um país em que ser honesto valha a pena", afirmou.
Para Barroso, a "fotografia" do momento brasileiro pode ser "devastadora" dada a intensidade das denúncias de corrupção, mas os avanços obtidos desde a redemocratização mostram que "o filme é bom".
O ministro afirmou que talvez nenhum país tenha tido "tanta coragem" em enfrentar a corrupção como o Brasil.
"O trem já saiu da estação. Nada será como antes", disse. "Mas precisamos botar alguma coisa no lugar."
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