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Fim da condução coercitiva pode provocar mais prisões, alertam associações

Da esquerda para a direita: Veloso (Ajufe), Cavalcanti (ANPR) e Paiva (ADPF) - Arte/UOL
Da esquerda para a direita: Veloso (Ajufe), Cavalcanti (ANPR) e Paiva (ADPF) Imagem: Arte/UOL

Bernardo Barbosa

Do UOL, em São Paulo

20/12/2017 04h00

A proibição da condução coercitiva de investigados para interrogatórios pode fazer com que juízes ordenem prisões temporárias para garantir operações de busca e apreensão, na avaliação dos presidentes da Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil), Roberto Veloso; da ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República), José Robalinho Cavalcanti; e da ADPF (Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal), Edvandir Paiva.

Os três comentaram o assunto a pedido do UOL nesta terça-feira (19) depois que o ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), decidiu proibir a realização de condução coercitiva de investigados para interrogatórios por considerar o procedimento inconstitucional. A decisão de Mendes tem caráter liminar (provisório) e ainda será analisada pelo colegiado da Corte, o que não tem data para acontecer.

"A condução para o interrogatório se dava justamente para preservar a busca e a apreensão, além do interrogatório", disse Veloso. "É possível que o juiz seja obrigado a decretar a prisão temporária de investigados, quando uma condução coercitiva já resolveria a situação." 

Para Cavalcanti, a decisão de Gilmar Mendes tem "bons argumentos", mas foi "equivocada". Segundo o presidente da ANPR, pode haver um prejuízo aos investigados. "Ao se tirar a condução coercitiva, não se vai diminuir o número de prisões, vai aumentar", disse.

Cavalcanti lembrou que a condução coercitiva para interrogatórios vinha sendo usada no contexto da coleta de provas e afirmou que o uso do procedimento por si só "é um fato raro."

Paiva também destacou a importância da medida como forma de garantir a coleta das provas durante operações policiais. "A gente entende que essa decisão tira um importante instrumento da investigação", disse o presidente da ADPF. "Os colegas, muitas vezes, deixavam de pedir a prisão temporária para pedir essa medida [condução coercitiva], que é menos gravosa. O que o pessoal vai fazer agora é pedir prisão temporária."

Robalinho e Paiva disseram esperar que o pleno do STF, formado por 11 ministros, reverta a decisão de Gilmar Mendes. Veloso se manifestou a favor apenas de que o colegiado do Supremo analise o assunto.

"Como é uma decisão liminar, a gente tem a esperança de que o plenário não vá nesse sentido", disse o presidente da ADPF.

Entenda o que é condução coercitiva

O termo "condução coercitiva" significa a condução de pessoas por autoridades independentemente de sua vontade para que elas prestem esclarecimentos. A condução coercitiva para interrogatórios está prevista no Código de Processo Penal quando "o acusado não atender à intimação para o interrogatório, reconhecimento ou qualquer outro ato que, sem ele, não possa ser realizado".

Segundo Gilmar Mendes, "a condução coercitiva para interrogatório representa uma restrição da liberdade de locomoção e da presunção de não culpabilidade, para obrigar a presença em um ato ao qual o investigado não é obrigado a comparecer. Daí sua incompatibilidade com a Constituição Federal", escreveu em sua sentença proferida na segunda-feira (18) e tornada pública nesta terça (19).

Já a prisão temporária é cabível, entre outros casos, "quando imprescindível para as investigações do inquérito policial", diz a lei 7.960/89. Este tipo de detenção tem prazo de cinco dias e pode ser prorrogada "por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade".

"Pode ser até que, em alguns casos, o juiz diga: 'olha, eu acho que aqui, eu determinaria uma condução coercitiva, mas acho que a provisória não tem justificativa'", disse Cavalcanti, da ANPR. "Então, algumas pessoas vão ficar sem um e sem outro. Mas é muito possível que a maior parte das pessoas que são alvo hoje de condução coercitiva passem a ser alvo, na verdade, de prisão por cinco dias. Vai ser muito pior para elas."

Uso frequente na Lava Jato

As investigações da Operação Lava Jato recorreram com frequência ao procedimento. Segundo dados do MPF-PR (Ministério Público Federal no Paraná), do início da operação, em 2014, até o dia 14 de novembro deste ano, foram cumpridos 222 mandados de condução coercitiva.

Um levantamento publicado pelo jornal "O Estado de S. Paulo" em março deste ano, com base em dados obtidos pela Lei de Acesso à Informação, mostrou que o número de pessoas que foram alvo de condução coercitiva pela Polícia Federal havia aumentado 304% desde janeiro de 2013

Em diversas ocasiões, Gilmar Mendes se mostrou crítico a procedimentos usados por integrantes da operação. Em maio, à "Folha de S. Paulo", chegou a declarar que a Lava Jato fazia "reféns" para manter o apoio popular. No mês seguinte, citou a Lava Jato em uma palestra e disse que era preciso criticar "abusos" nas investigações.

Na decisão de hoje, o ministro afirmou que "as conduções coercitivas para interrogatório têm se disseminado, especialmente no curso da investigação criminal. Representam uma restrição importante a direito individual. Muito embora alegadamente fundada no interesse da investigação criminal, essa restrição severa da liberdade individual não encontra respaldo no ordenamento jurídico".

Mendes registrou que a sua determinação "não tem o condão de desconstituir interrogatórios realizados até a data do presente julgamento, mesmo que o interrogado tenha sido coercitivamente conduzido para o ato." O ministro também esclareceu que "há outras hipóteses de condução coercitiva que não são objeto desta ação --a condução de outras pessoas, como testemunhas, ou de investigados ou réus para atos diversos do interrogatório, como o reconhecimento, por exemplo."