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União cobra de volta R$ 429 milhões investidos pelo BNDES em ações da JBS

Investigações da PF, do MPF e do TCU apontam que empresário Joesley Batista conseguiu vantagens indevidas no BNDES - Zanone Fraissat/Folhapress
Investigações da PF, do MPF e do TCU apontam que empresário Joesley Batista conseguiu vantagens indevidas no BNDES Imagem: Zanone Fraissat/Folhapress

Aiuri Rebello

Do UOL, em São Paulo

10/03/2018 04h00Atualizada em 10/03/2018 14h18

A União cobra de volta R$ 429 milhões referentes a investimentos feitos pelo BNDESPar --braço de investimentos do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) para participações em empreendimentos-- em ações da JBS. A operação ocorreu quando a empresa, hoje controlada pela holding J&F, iniciou sua expansão internacional com aquisições de companhias produtoras de carnes nos Estados Unidos, em 2007 e 2008. Ainda cabe recurso.

Os papéis não valiam o que foi pago pelo banco estatal, apontam as investigações e auditorias que começaram com a Operação Bullish, da Polícia Federal. A cobrança diz respeito apenas à diferença entre o valor real das ações na ocasião das operações de compra e o que foi efetivamente pago pelo BNDES -- a diferença de preço chega a 49,1%, dependendo da operação e do referencial (leia mais abaixo).

Com informações produzidas nos inquéritos da PF e do MPF (Ministério Público Federal), mais as informações da colaboração premiada de Joesley Batista e outros executivos da J&F, o TCU (Tribunal de Contas da União) iniciou diversas Tomadas de Contas Especiais --processos de investigação mais aprofundados que são instaurados quando há indícios de irregularidades-- referentes aos negócios do BNDES com as empresas dos irmãos Batista.

Além de constatar que os negócios eram ruins do ponto de vista da União, as investigações encontraram uma espécie de "superfaturamento" no preço pago pelas ações em pelo menos duas operações de aporte de capital do BNDESPar na JBS.

Compra de frigoríficos nos EUA

Operação investigou relação da JBS com o BNDES - Julio Cesar Guimarães/UOL - Julio Cesar Guimarães/UOL
Operação investigou relação da JBS com o BNDES
Imagem: Julio Cesar Guimarães/UOL

Em 2008, o BNDESPar investiu R$ 2,6 bilhões, em valores atualizados até 2017, para adquirir ações da JBS. O aporte capitalizaria o grupo então presidido por Joesley Batista para comprar as empresas norte-americanas National Beef e um pedaço da Smithfield Beef Group.

O BNDES pagou R$ 7,07 por ação, utilizando no cálculo do preço a média do valor negociado em Bolsa nos 120 pregões anteriores à data do negócio. O critério --que diferiu do padrão BNDES para esses casos, que era compor o preço com a média de 30, 60 ou 90 pregões-- teria prejudicado o banco. O valor das ações da JBS estava em queda e, quanto maior o prazo, maior seria o preço final de cada ação. De acordo com as investigações, o preço justo na época era de R$ 5,90 por ação. 

A diferença entre o que foi pago e o preço considerado justo foi de 20%. Se considerado o valor da ação da JBS no dia da efetivação da compra, que era de R$ 4,74 em 15 de fevereiro de 2008, a diferença de preço chega a 49,1%. Em valores atualizados, o total que o BNDESPar pagou a mais pelas ações é de R$ 303.966.028,20.

A compra da National Beef não se concretizou, pois autoridades americanas antitruste levantaram barreiras ao negócio. Com isso, a JBS teve outro favorecimento: ficar com recursos do banco em caixa, a custo zero. "Não é objetivo social do BNDES prover caixa gratuito para empresas privadas", diz trecho do relatório da Tomada de Contas Especial sobre o caso. A auditoria ainda aponta "desvio de finalidade", já que o recurso foi usado depois na compra de "empresa estranha" à operação --a australiana Tasman. O TCU sustenta que o BNDES não comprovou os benefícios da operação.

Campeões nacionais

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na sede do Instituto Lula, em São Paulo - Nelson Almeida/AFP - Nelson Almeida/AFP
O apoio público às empresas eleitas "campeãs nacionais" começou no governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que durou de 2003 a 2010
Imagem: Nelson Almeida/AFP

O outro negócio em que a União cobra de volta a diferença no preço real e o que foi pago pelas ações aconteceu em 2007, na compra da gigante norte-americana Swift pelos irmãos Batista. O BNDESPar comprou R$ 1,14 bilhão em ações da JBS segundo valores da época.

De acordo com a auditoria do tribunal de contas, o BNDESPar pagou R$ 0,50 a mais por ação do que era devido, o que resultou em um prejuízo de R$ 69 milhões apenas desta diferença. Corrigido, o valor chega a R$ 125.979.897,90.

Fora isso, indicam os órgãos de controle, nos dois casos a análise da operação para aquisição das empresas foi aprovada em tempo "exíguo", com base em pareceres "precários", que levavam em conta principalmente informações da JBS e não pesavam adequadamente riscos e vantagens.

O apoio aos negócios da JBS nos Estados Unidos fazia parte da política de "campeões nacionais" dos governos do PT. O BNDES, por meio do BNDESPar, possui hoje 21,32% do total de ações do grupo, o equivalente a R$ 5,47 bilhões. No dia 7 de março, as ações valiam R$ 9,41 cada uma.

Entre 2005 e 2014, mais de R$ 8 bilhões foram investidos no conglomerado pelo BNDESPar. Considerando os empréstimos a juros subsidiados concedidos pelo BNDES à J&F, o montante chega a pelo menos R$ 12 bilhões.

Os valores foram atualizados no primeiro semestre de 2017, então na realidade o montante cobrado hoje deve ser maior. Há cinco partes cobradas pela União por esta dívida: Joesley Batista, a JBS, o ex-presidente do banco Luciano Coutinho,  o ex-presidente do banco e ex-ministro da Fazenda Guido Mantega e funcionários que participaram das transações. Ainda cabe recurso (veja mais abaixo).

Há dezenas de funcionários do BNDES envolvidos nas transações que estão sendo ouvidos pelo TCU e pela CGU (Controladoria-Geral da União) para apurar a extensão da responsabilidade de cada um, caso a caso. Eles podem ser incluídos no passivo da cobrança e, ainda, serem expulsos do serviço público caso sejam considerados culpados pelos prejuízos ao final do processo administrativo.

4.dez.2014 - O ministro da Fazenda, Guido Mantega, após discurso e receber o prêmio da Academia Brasileira de Ciências Contábeis - Sergio Lima/Folhapress - Sergio Lima/Folhapress
Guido Mantega, ex-ministro da Fazenda, é acusado por Joesley Batista, PF e MPF de envolvimento em esquemas de corrupção no BNDES
Imagem: Sergio Lima/Folhapress

Os ministros do TCU decidiram pelas cobranças dos valores de volta ao erário em dois acórdãos (decisões) proferidos no final do ano passado. Ambos os casos se encontram na fase de contraditório e ampla defesa --ou seja, paralelamente à cobrança, os responsabilizados nos processos podem recorrer contra a decisão. Não há prazo para a devolução do dinheiro ou conclusão dos processos administrativos. 

Posteriormente, caso a cobrança seja confirmada e o dinheiro não seja devolvido, os casos podem virar novos processos criminais e civis na Justiça contra os envolvidos.

Outras duas investigações

Fora as duas operações alvo das cobranças, o TCU conduz atualmente mais duas investigações referentes a outros dois grandes negócios envolvendo capital do BNDESPar e aquisições da JBS.

Em 2008, o BNDESPar aportou R$ 250 milhões, ou R$ 418 milhões em valores corrigidos até 2017, no frigorífico Independência. Em 2009, a empresa decretou falência e, em 2013, teve os ativos adquiridos pela JBS. Em 2009, a JBS anunciou a fusão com o frigorífico Bertin e a compra da Pilgrim, dos EUA.

O BNDESPar entrou com R$ 3,5 bilhões nos negócios e, no ano passado, a PGFN (Procuradoria Geral da Fazenda Nacional), órgão ligado à Receita Federal, pediu a dissolução do negócio sob suspeita de fraudes. Ainda não há conclusão do tribunal de contas sobre esses dois casos e as auditorias continuam.

As investigações concluíram até agora, com base também na delação da JBS, que Joesley, Mantega e o advogado Victor Garcia Sandri se associaram de forma criminosa para conceder vantagens à empresa. Em sua delação, Joesley afirmou ter pago propinas a Mantega, por meio de Sandri, para conseguir aportes bilionários do BNDES, mas nega que as transações tenham gerado perdas à instituição.

BNDES discorda de que tenha havido prejuízo

Em nota enviada à reportagem, o BNDES afirma que a decisão do TCU não é final e pode ser revertida ou reformada após as considerações das defesas, inclusive com a apresentação de recursos posteriores.

"O BNDES entende, e vem manifestando formalmente aos seus órgãos de controle e fiscalização, que as operações em questão seguiram as regras vigentes à época e as boas práticas de operações de mercado de capitais e que não houve nenhuma irregularidade, conforme explicações técnicas já enviadas ao TCU, bem como declarado publicamente pelo presidente e diretores do BNDES", diz a nota enviada ao UOL.

O banco diz que não houve compra de ações acima do valor justo, portanto não houve ágio econômico. Nos cálculos, o BNDES afirma ter considerado o valor potencial que as ações atingiriam depois dos negócios.

"Desde o início do investimento, a BNDESPar recebeu cerca de R$ 1 bilhão decorrente de dividendos e outras remunerações. Além disso, foram vendidas ações no valor de R$ 4 bilhões. Dessa forma, houve ingresso de R$ 5 bilhões e a manutenção de 21,3% do capital da companhia em ações na carteira da BNDESPar", afirma o banco.

Procurada pela reportagem, por meio de sua assessoria de imprensa por email e depois por telefone, a JBS não se manifestou. Apenas após a publicação da reportagem, a assessoria enviou a seguinte nota:

"A JBS esclarece que todos os aportes feitos pelo BNDES na companhia seguiram estritamente a legislação e foram amplamente divulgados, conforme regras da CVM, e de acordo com as práticas de mercado. O relacionamento com o banco de investimentos se deu primordialmente por aportes da BNDESPar, seu braço de participações, sócio relevante da Companhia, e que hoje possui 21,3% das ações, e conta com dois membros no Conselho de Administração da empresa."

As defesas de Guido Mantega, Victor Garcia Sandri e Luciano Coutinho não foram localizadas pela reportagem para comentar o caso pelo telefone.