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"Com Lula preso, eleição não resolverá crise brasileira", diz historiador José Murilo de Carvalho

O historiador e cientista político José Murilo de Carvalho - Universidade de Coimbra/BBC
O historiador e cientista político José Murilo de Carvalho Imagem: Universidade de Coimbra/BBC

Flávio Costa

Do UOL, em São Paulo

06/04/2018 04h00

"A nossa crise atual vai se prolongar bastante. Certamente, as eleições sem Lula não vão resolvê-la", afirma o historiador e cientista político José Murilo de Carvalho, 78, ao tomar conhecimento do decreto de prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), determinado neste final de tarde de quinta-feira (5) pelo juiz federal Sergio Moro.

Para o professor emérito da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), a ausência do petista do rol de candidatos presidenciais cria um vácuo que pode favorecer um postulante da extrema-direita. "E isso é assustador", diz Carvalho, em entrevista ao UOL.

"Não temos até agora um forte candidato de centro. Isso não é de bom augúrio", afirma Carvalho.

Ao referir-se indiretamente ao deputado federal Jair Bolsonaro (PSL-RJ), segundo colocado nas pesquisas de intenções de voto, o historiador aponta que o próximo presidente, qualquer que seja ele, terá dificuldades em construir uma base de apoio no Congresso. "Sem isso, ele [Bolsonaro] se transformará em um novo Collor", afirma Carvalho.

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Autor e organizador de 19 livros, entre os quais "A Formação das Almas - O Imaginário da República no Brasil" (Companhia das Letras, Prêmio Jabuti de 1991) e "Cidadania no Brasil: O Longo Caminho" (Civilização Brasileira, 2001), Carvalho é e membro das Academias Brasileiras de Ciências e de Letras. Ele considera que a prisão do ex-presidente é capítulo "triste" de nossa história.

"Sobretudo porque é a prisão de um presidente que teve um papel importante na nossa vida política, com dois mandatos de êxito e que combinou, coisa que não havia acontecido antes na nossa história, a preocupação com social com a igualdade dentro de um ambiente de liberdade. Lula teve esse mérito e isso ninguém lhe tira."

Porém, José Murilo de Carvalho critica o PT por ter, em sua visão, se descuidado de uma das principais bandeiras do partido: a da ética na política.

"Isso foi um pouco fatal. Pode-se até dizer que no Brasil, dada às nossas circunstâncias políticas e nosso sistema eleitoral, ninguém ganha eleição sem fazer o que todos fazem, mas obviamente fazer isso teve um custo alto que está sendo pago não só pelo PT mas também pelo próprio ex-presidente."

Juízes fazem cálculo político, afirma Carvalho

Carvalho nega a tese da defesa do ex-presidente de que Lula tenha sofrido uma perseguição judicial. Porém, afirma que o julgamento do processo contra ex-presidente não obedeceu a critérios estritamente técnicos.

"Ficou claro neste julgamento que fatores não estritamente legais têm impacto nas decisões dos juízes. Eles fazem, inclusive, cálculos políticos. E isso tem contribuído para colocar o próprio Supremo em uma situação de ser um constante alvo de críticas", diz o historiador.

"Dos três Poderes da República, o Judiciário ainda é era aquele que se preservava um pouco, diante da desmoralização que afeta o Executivo e Legislativo. Isso é ruim porque é uma espécie de ameaça para nossa democracia."

Preso e candidato

A condenação de Lula em segunda instância o deixa, em tese, inelegível pelos critérios da Lei da Ficha Limpa. A legalidade de sua candidatura ainda precisa ser avaliada pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

Apesar da chance de Lula não ter condições legais de disputar a eleição e do risco de ele nem sequer estar em liberdade para fazer campanha, lideranças do PT continuam afirmando que não há “plano B” do partido para a disputa presidencial.

Mesmo depois da condenação no TRF-4, Lula liderou todos os cenários da pesquisa Datafolha feita dias depois da decisão do tribunal. Nos cenários sem o petista, o primeiro colocado foi o deputado federal Jair Bolsonaro (PSL-RJ).

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