Em coquetel após a posse, Itamaraty mostra que já foi anfitrião mais cortês
Boa parte dos jornalistas credenciados para o coquetel que se seguiu à posse do presidente Jair Bolsonaro, nesta terça (1º), no Ministério da Relações Exteriores, saiu de lá sem entender direito por que havia sido chamada.
Isolados em um cercadinho à esquerda de quem entra no Itamaraty, eles podiam pouco mais do que gritar o nome das autoridades convidadas, quem sabe conseguir uma declaração clichê delas e aguardar a chegada da próxima.
Tudo começou pela manhã, quando convocaram a imprensa para estar no CCBB (Centro Cultural Banco do Brasil) até, no máximo, 11h30. Questão de segurança. Esse era o horário em que o último ônibus autorizado a cruzar a cidade sairia. A festa começaria quase oito horas depois, às 19h.
Uma vez no Itamaraty, os jornalistas foram confinados em uma sala revestida com tapetes grossos, verde-musgo, equipada com mesas compridas de madeira, forradas com toalhas azuis, e um telão que transmitia o passo a passo da posse. Quem quisesse sair, até poderia, mas não entrava mais.
Por volta das 13h, serviram salada, torta de frango, carne louca, sucos e refrigerantes. Um cardápio até que razoável para os padrões relapsos de atendimento a jornalistas. Os colegas elogiaram o zelo do novo chanceler, Ernesto Araújo, mas então descobriu-se que quem providenciou o farnel foi a equipe do antigo governo, comandada por Aloysio Nunes Ferreira.
Às 18 horas, chamaram os jornalistas para se "posicionarem" no canto do saguão da entrada, antes da chegada dos convidados. Levaram todos para o cercadinho, avisaram que ninguém estava autorizado a frequentar o coquetel e regularam até a informação mais básica. Do mezanino, onde se deu a recepção, vinha o som modorrento de um sambinha sem fim.
Postados sobre o chão frio do saguão, o secretário-geral das Relações Exteriores, Otávio Brandelli, e a mulher, Rosa Estrela, recepcionavam os convidados sem muita emoção. Rosa Estrela usava um arejado vestido de alça que deixava seus braços tatuados à mostra e, embora parecesse bem moderna, sua figura não foi suficiente para dirimir a inescapável atmosfera de festa de casamento.
O primeiro a chegar foi o presidente chileno, Sebastián Piñera, que acenou com simpatia na direção do cercadinho: "Senor Piñera, una palavrita!", gritou uma repórter, gargalhando do próprio portunhol; pouco depois, à chegada do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, o povo na calçada gritou freneticamente "Bibi! Bibi!", com súbita intimidade; na vez do presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Dias Toffoli, o som foi de vaia. O secretário de estado norte-americano, Mike Pompeo, seguiu a máxima das estrelas de Hollywood: surgiu, sorriu e sumiu. Em meia hora, antes mesmo de Bolsonaro chegar, escafedeu-se.
Sebastián Piñera até que ficou um tempinho no coquetel, mas deu azar quando estava de saída. Topou com Bolsonaro entrando. Entre ir para frente e voltar, ele caranguejou na direção do cercadinho. Disse qualquer coisa aos jornalistas, voltou para festa, ficou um pouco e acabou indo embora de vez.
A entrada de Bolsonaro se deu sob gritos de "mito!". Michelle, que é a mulher revelação da temporada, vestia um longo poderoso preto, rendado. O anfitrião esbanjou autenticidade. Como uma criança que já brincou bastante e agora quer que seus amiguinhos vão embora, ele se isolou em uma sala com pessoas da família e com poucos autorizados a entrar. Deixou do lado de fora, à vontade para circularem, Paulo Guedes, Sergio Moro, Onyx Lorenzoni e Hamilton Mourão, entre outros. Pouco depois das 21h, o próprio Bolsonaro deixou o palácio do Itamaraty.
Pelo que se percebeu, a equipe do governo que saiu andou batendo cabeça com a do que entrou; o chanceler Ernesto Araújo teria disseminado um clima de caça às bruxas que deixou gregos e troianos em suspenso. Na terça, quando os jornalistas se queixaram da falta de modos generalizada, ninguém na assessoria do ministério queria se responsabilizar por nada. "Nós apenas seguimos orientações." De quem? "Da equipe de transição..."
Foi assim na posse da Dilma? "Uma posse nunca é igual à outra."
Um levantamento feito por colegas de cercadinho dá conta de que a posse de Bolsonaro foi a que teve menor presença de delegações de países estrangeiros (46), desde a de Fernando Collor de Mello (72). Na primeira de FHC, vieram 120; na de Lula, 110; e na de Dilma, 130. Desta vez, o Itamaraty enviou 2.600 convites para o coquetel.
O cardápio foi revelado a duríssimas penas e mesmo assim de forma meio vaga. Carne louca (também!), bolinho de bacalhau e de carne e massa. Para beber, caipirinha, vinho nacional tinto e branco e cerveja.
A princípio, o último ônibus para levar os confinados de volta ao CCBB sairia às 21h30. Mas então surgiu a notícia, dada de supetão, de que era para todo mundo ir no das 19h mesmo. O presidente ainda está na festa, argumentaram muitos, não dá para ir embora. Problema seu. "Recomendamos vivamente que os senhores peguem o ônibus e vão para suas casas ou hotéis escreverem seus textos com conforto", disse um dos tomadores de conta do cercadinho, com um humor muito próprio.
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