Secretaria de drogas troca política social por foco no dinheiro do crime
Luiz Beggiora foi nomeado pelo ministro da Justiça, Sergio Moro, como o responsável pela Senad (Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas). Em entrevista ao UOL, no entanto, o secretário falou pouco sobre drogas. Alinhado com a proposta de Moro, o foco de seu trabalho está voltado à gestão dos bens apreendidos do tráfico: telefones, imóveis, automóveis e até aeronaves, para reforçar o combate ao crime. Políticas de assistência social devem ficar a cargo do Ministério da Cidadania, comandado por Osmar Terra.
Com experiência na procuradoria da Fazenda --trabalhando na área de grandes devedores, gestão de dívida ativa, combate a fraudes-- e passagem pela Operação Lava Jato --quando atuou como coordenador nacional do núcleo de consultoria e atuação em matéria penal--, o advogado planeja criar um sistema que gere mais recursos a partir dos bens apreendidos. Essa arrecadação, continua, seria destinada a iniciativas de política pública.
Queremos tirar essa sensação da impunidade. De que o bem foi apreendido, mas não aconteceu nada, não houve retorno para a sociedade. Temos de demonstrar que realmente o crime não compensa. Temos que ir atrás dos recursos dos traficantes para reduzir o poder de ação deles.
Beggiora não quis comentar temas como prevenção ao uso de drogas, o desafio das cracolândias nem o tratamento de usuários. Sobre a descriminalização, disse não ser uma pauta da secretaria, mas afirma estar acompanhando o debate no STF (Supremo Tribunal Federal). Até 2018, a Senad reunia todas essas atribuições: de gerir o fundo nacional antidrogas a apoiar ações de cuidado e tratamento dos usuários e dependentes, passando por analisar e propor a atualização da legislação.
Confirma a seguir os principais trechos da entrevista.
UOL - O que podemos esperar da secretaria, o que exatamente será feito nela?
Luiz Beggiora - Continuamos com a parte que trata da prevenção e redução da oferta. Mas no momento estamos em uma outra missão determinada pelo ministro [Sergio Moro], que é fazer a melhor gestão dos ativos. Temos um estoque de bens, vindos do tráfico de drogas, que são oriundos da apreensão e perdimento em favor da União. Esses recursos serão depois aplicados para incrementar a redução da oferta e da demanda de drogas.
Como seria feita essa melhor gestão?
Beggiora - Temos hoje em torno de 30 mil bens disponíveis para serem alienados. Desde telefone celular a carros: são muito veículos, caminhões, carros de luxo e também aeronaves. Tudo fruto de apreensão decorrente de crimes relacionados ao tráfico ilícito de drogas. Então temos fazendas, imóveis rurais, imóveis urbanos. Temos em torno de 500 imóveis, hoje, que já estão disponíveis para serem leiloados.
Pela estatística dos últimos anos, a Senad estava leiloando em torno de mil, 1.200 bens ao ano. Temos de fazer uma melhor gestão, se não vamos levar 30 anos para leiloar tudo, correto? Isso se não entrar mais nada novo.
Estou falando de 30 mil bens que já podem ser destinados imediatamente [para leilão], mas existem mais. Há em torno de 50 mil bens à disposição do juiz aguardando uma sentença final. Nesses novos casos, temos de fazer uma abordagem diferente.
E qual seria essa nova abordagem?
Beggiora - Alguns casos não são nem tão novos, têm quatro, cinco anos, aguardam recursos nos tribunais, mas não tiveram uma decisão final. Nesses casos, precisa haver uma melhor articulação com o poder judiciário para dar vazão a esses bens, para que os juízes autorizem a alienação antecipada.
Tendo em vista que a média de tempo de um processo é de cinco, sete anos, um veículo de alto valor apreendido hoje vai estar bem desvalorizado [quando for a leilão]. Se apreendeu um carro usado, quando terminar o processo ele vai ser sucata.
Temos de correr contra o tempo, porque a cada ano que passa estamos perdendo valor econômico desse bem. Isso não interessa ao estado nem ao acusado, se ele conseguir reverter a decisão judicial.
Na prática, como essa mudança funcionaria?
Beggiora - Estamos trabalhando para melhorar essa gestão, propondo sugestões referentes até ao próprio depósito desses valores. Se eles [os valores arrecadados via leilão] forem depositados diretamente na conta do tesouro, terão um rendimento melhor, um rendimento [com taxa] Selic.
Isso dará até maior segurança jurídica. Se houver uma reversão da decisão do juiz, ele pode determinar a devolução daquele valor atualizado pela Selic.
Faço o seguinte comparativo. Se um carro de R$ 200 mil foi dado como perdimento, qual vai ser o valor desse veículo sete anos depois, no pátio, sujeito a chuvas e intempéries? Se eu alienar esse carro bem no início, ainda que seja por um valor menor de mercado, e depositar isso na conta do tesouro valendo Selic, daqui a sete anos eu vou ter esse montante atualizado. Mesmo se reverter a decisão, algo raro nos casos de droga, a pessoa [envolvida no processo] vai receber o valor atualizado.
Então a prioridade da Senad no momento é esta? Mudar esse sistema para obter mais dinheiro com os bens apreendidos do tráfico de drogas?
Beggiora - Estamos trabalhando com duas realidades. Uma é lidar com o estoque, porque precisamos achar uma solução para 80 mil bens [30 mil já liberados para leilão, 50 mil ainda em processo]. A outra é o futuro: o ministro quer que a gente implemente uma agência de gestão de ativos.
O que seria essa agência?
Beggiora - Estamos estudando modelos, temos modelo da França, do Canadá, dos Estados Unidos, da Itália, do México. Estamos analisando para ver qual se adapta mais à nossa realidade.
A ideia é que, quando um bem for apreendido, o juiz determine o perdimento desse bem. Enquanto o processo tramita, o bem será transferido para a agência, que vai fazer toda a gestão. Se for um veículo, pode ser destinado para algum uso dentro da própria estrutura da segurança pública, atender na área de reinserção social e prevenção. Ou pode ser alienado para render juros.
Esse valor arrecadado seria usado em políticas referentes a drogas?
Beggiora - A lei 7.560, chamada lei do fundo, prevê que de 20% a 40% dos recursos oriundos da gestão desses ativos sejam repassados para a Polícia Federal, quando a apreensão for relacionada a crimes federais, como tráfico internacional e interestadual de drogas. Quando o crime é dentro do estado, o perdimento seria da polícia judiciária estadual, que é a Polícia Civil. A destinação [desses fundos] tem previsão clara.
Outra parte seria repassada mediante convênio para os estados, para aplicar na reinserção social, em comunidades terapêuticas e em pesquisas, visando a repressão e prevenção. Então estaria beneficiando todas essas áreas dentro da política pública. A ideia é incrementar esse fundo para gerar mais recursos e evitar mais perdas para a União.
O senhor tem uma previsão de quanto seria possível obter com os leilões?
Beggiora - Infelizmente verificamos que não existe um levantamento dos valores a nível nacional. O que temos são estatísticas de alienações do passado, com uma média de R$ 6 milhões em leilões nos últimos anos. Em 2018, foram feitos sete leilões, que arrecadaram em torno de R$ 6 milhões.
Se 1.200 bens renderam R$ 6 milhões, 30 mil bens renderiam quanto? Claro que não dá para fazer essa proporção, porque há bens de maior e menor valor.
Vamos fazer um levantamento nacional para atuar pontualmente nos estados que concentram o maior valor. Sabemos que São Paulo é um foco. Ao mesmo tempo, vamos credenciar os leiloeiros, para que possam nos ajudar nesse passivo.
Essa abordagem do trabalho da Senad tem a ver com sua experiência profissional?
Beggiora - Quando convidado pelo ministro, um dos pontos que ele focou foi essa necessidade de cuidar dos ativos. Fui por muitos anos coordenador geral dos grandes devedores, na procuradoria da Fazenda, e também diretor de gestão da dívida ativa. Tenho experiência na parte de planejamento estratégico, parcerias estratégicas e também na área de leilões e levantamento de recursos.
O que muda em seu trabalho pelo fato de estar lidando com drogas?
Beggiora - O que muda é a melhoria na gestão. Vamos fazer uma melhor gestão desses ativos para evitar a perda de seu valor econômico. Com isso vamos conseguir incrementar as receitas da união, tirando essa sensação da impunidade. De que o bem foi apreendido, mas não aconteceu nada, não houve retorno para a sociedade. Temos de demonstrar que realmente o crime não compensa. Temos que ir atrás dos recursos dos traficantes para reduzir o poder de ação deles.
O fato de [meu trabalho] estar relacionado às drogas aumenta a responsabilidade de fazer uma gestão mais eficiente para poder contribuir com a situação do país. Grande parte da violência é gerada por conta das drogas. Se conseguirmos gerir melhor isso, reduzindo a oferta das drogas e aumentando as condições de combate ao tráfico através do reaparelhamento dos policiais, vamos contribuir de forma significativa para reduzir a violência e melhorar as condições de vida da sociedade.
Existe algum direcionamento específico do presidente Jair Bolsonaro?
Beggiora - Não, diretamente não tem. A orientação que temos do ministro é a criação dessa agência para melhorar a gestão dos ativos que estão parados.
A principal missão é essa. Mas isso não quer dizer que vamos deixar de cuidar das políticas de repressão e de prevenção da demanda. Essa é uma das atribuições. Vamos fazer pesquisas e levantamentos para avaliar a questão da violência. O decreto 9.662, de 1º de janeiro, fala na "construção do conhecimento sobre drogas no país, estimulando estudos, pesquisas e avaliações sobre violência, aspectos socioeconômicos e culturais, e ações de redução de oferta".
O foco desses estudos seria a repressão, não prevenção? Então estamos falando de traficante, não de usuário?
Beggiora - Sim, a repressão e prevenção da oferta. A parte dos cuidados, da atenção e da reinserção social ficou com o Ministério da Cidadania.
O senhor pode dar um exemplo prático de como seria esse trabalho de redução de oferta?
Beggiora - Seriam treinamentos de agentes de segurança, por exemplo, para que possam trabalhar melhor a questão nas escolas. Isso através de convênios com os estados, para que possam capacitar melhor seus agentes. Ou treinar professores sobre como abordar o tema com os alunos e tentar evitar ao máximo esse consumo.
Estamos trabalhando com isso paralelamente. Essa questão não é o foco principal [da secretaria], mas está tendo um planejamento nesse sentido também: temos profissionais da área que atuam há anos, uma diretoria de políticas públicas cuidando do assunto.
Qual a vantagem de ter dois ministérios diferentes cuidando desse mesmo tema [drogas]?
Beggiora - O Ministério da Cidadania vai ter melhores condições para avaliar quais as necessidades da sociedade. A atividade-fim [políticas voltadas aos cuidados e prevenção no uso de drogas] será muito bem desempenhada por eles. E nós [Ministério da Justiça] vamos poder cuidar de outra atribuição que estava renegada a segundo plano. Então vamos conseguir dar um retorno maior para a sociedade com as duas questões sendo tratadas em ministérios diferentes. Muitas vezes, quando se pretende fazer muita coisa, acaba que não se consegue fazer bem nenhuma.
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