No WhatsApp, procuradores cobraram atitude de Dodge sobre inquérito no STF
Resumo da notícia
- Raquel Dodge arquivou inquérito que apurava ameaças ao Supremo
- Relator disse que ela "não tem respaldo legal" e manteve investigação
- Procuradores ouvidos pelo UOL cobraram atitude de Dodge via WhatsApp
- Não há relatos de que mensagens tenham sido endereçadas a ela diretamente
Um dia antes de a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, determinar o arquivamento do inquérito aberto pelo STF (Supremo Tribunal Federal) para apurar notícias falsas e ameaças à Corte, procuradores do MPF (Ministério Público Federal) usaram grupos de WhatsApp para cobrar uma posição da procuradora.
As cobranças foram confirmadas pelo UOL junto a dois procuradores que ocupam cargos de alto escalão dentro da hierarquia do órgão e que falaram sob a condição de anonimato.
Ontem, Dodge mandou arquivar o processo instaurado pelo presidente do Supremo, Dias Toffoli, no dia 14 de março. A investigação vem sendo conduzida pelo relator, ministro Alexandre de Moraes. Desde sua abertura, a existência do inquérito é alvo de questionamentos, inclusive jurídicos.
Para justificar o arquivamento, Dodge afirmou, entre outras coisas, que o STF não tinha a competência para seguir no caso, uma vez que caberia ao Ministério Público e não à Corte o papel de investigar e conduzir a ação penal. No entendimento da procuradora-geral, o órgão que vai julgar o caso não pode ser o mesmo que investiga e denuncia.
No mesmo dia, o ministro Alexandre de Moraes indeferiu a determinação de Dodge e prorrogou o inquérito por mais 90 dias.
Segundo os procuradores ouvidos pelo UOL, o estopim para as cobranças internas em relação ao inquérito foi a decisão de Alexandre de Moraes para que as publicações Crusoé e O Antagonista retirassem do ar uma reportagem que relata que o empresário Marcelo Odebrecht teria dito à Justiça que o termo "amigo do amigo do meu pai", encontrado em um email que faz parte das investigações da Operação Lava Jato, seria uma referência ao ministro Dias Toffoli.
As mensagens trocadas entre procuradores nos grupos do WhatsApp tinham o tom de indignação e cobrança em relação aos rumos do inquérito. Um dos procuradores ouvidos pela reportagem disse que a própria procuradora-geral faz parte de alguns desses grupos. Entretanto, não há relatos de que as mensagens tenham sido endereçadas a ela diretamente. Assessores próximos a ela também integram outros grupos e teriam tido acesso às reclamações da categoria.
"Havia um desconforto claro com relação ao inquérito, mas o estopim das cobranças foi a censura feita pelo ministro à publicação. Durante toda a segunda-feira (15), os grupos de WhatsApp que reúnem procuradores do Brasil todo ficaram cheios de mensagens cobrando uma posição dela", disse um procurador.
Outro procurador ouvido pela reportagem confirmou o tom. "A repercussão da censura cometida pelo ministro foi péssima. Era preciso que alguma medida fosse tomada e só quem poderia tomar essa atitude era a procuradora-geral", disse.
A situação parece ter tomado dimensões incontornáveis na manhã da terça-feira, quando o STF determinou o bloqueio de contas em redes sociais de sete pessoas investigadas pelo inquérito.
No mesmo dia, a Polícia Federal cumpriu mandados de busca e apreensão contra diversas pessoas, entre elas o general da reserva Paulo Chagas (PRP-DF), que disputou o governo do Distrito Federal nas eleições de 2018.
Os efeitos da decisão, segundo os procuradores
Os dois procuradores ouvidos pela reportagem concordam que a manifestação de Dodge contra o inquérito era necessária porque a investigação teria "vícios" desde a sua origem.
Eles dizem, no entanto, que parte da categoria concorda com a medida adotada por Dodge, enquanto outros entendem que ela demorou para se manifestar sobre o caso e adotou uma medida que, em vez amainar os ânimos e resolver a crise com o STF, teve o efeito inverso.
"A medida foi correta. Esse inquérito é um erro e uma afronta à Constituição. Acho que o tempo que ela levou para se manifestar foi acertado. Ela foi diplomática ao esperar que o STF enviasse os autos para o Ministério Público. Você não pode ficar confrontando o tribunal em que você trabalha o tempo todo. Ela deu o tempo para o STF se manifestar, mas isso não aconteceu. Um mês depois, ela não tinha outra opção", afirmou um dos procuradores.
A menção ao "tempo" dado por Dodge ao STF é uma referência a um requerimento feito pela procuradora no dia seguinte à abertura do inquérito no qual ela pedia esclarecimentos sobre o objeto da investigação. Segundo a PGR, um mês depois do pedido, o STF não respondeu ao requerimento.
Para outro procurador, no entanto, Dodge errou no "timing" e na forma de sua resposta à Corte.
"A procuradora demorou para agir. Ela poderia ter tomado outras medidas antes de a crise ter escalado como escalou. Além disso, quando ela determinou o arquivamento do inquérito, por mais que isso fosse uma prerrogativa dela, ela não deixou uma saída honrosa ao STF. Qualquer um que visse a decisão dela saberia o que o STF faria no momento seguinte. O STF dobrou a aposta e a crise não foi resolvida", disse o procurador.
Se nos bastidores há divergências sobre a medida adotada por Dodge em relação ao inquérito, publicamente a procuradora-geral da República recebeu apoio da ANPR (Associação Nacional de Procuradores da República), principal entidade da classe.
"Raquel Dodge está certa [...] esse inquérito é escalafobético e teratológico [monstruoso, anômalo]", disse o presidente da entidade, José Robalinho Cavalcanti, ao UOL.
Outro lado
Procurada, a assessoria de comunicação da PGR disse não poder se pronunciar sobre eventuais mensagens em grupos privados, em aplicativos como o WhatsApp, compostos por procuradores.
Disse também que Dodge não atuou como resposta às supostas cobranças feitas por colegas ou mesmo à determinação feita pelo STF para que Crusoé e O Antagonista retirassem a reportagem sobre Dias Toffoli do ar.
Segundo o órgão, a determinação para o arquivamento do inquérito se deu por critérios técnicos expressados no documento encaminhado ao Supremo.
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