'Bolsolão'? Emendas parlamentares estão previstas na lei, mas sem barganha
Nesta semana, a "Folha de S. Paulo" revelou uma suposta oferta do governo federal de R$ 40 milhões em emendas parlamentares para os deputados que votassem a favor da reforma da Previdência. Segundo o jornal, representantes de seis partidos confirmaram a conversa com o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM-RS).
Por conta da reportagem, os parlamentares chegaram a trocar empurrões na Câmara na última quarta-feira (24), fazendo o tema ganhar mais força nas redes sociais. Com isso, internautas e políticos da oposição fizeram viralizar o termo "Bolsolão" para tratar do caso, em referência ao esquema de compra de votos durante o governo petista que ficou conhecido como "mensalão".
Major Olímpio, líder do PSL no Senado, chamou a proposta de "criminosa" em seu Twitter e negou que o presidente Jair Bolsonaro (PSL) a tenha feito.
Procurados pelo UOL, a Casa Civil e o Planalto não se manifestaram até a última atualização deste texto para comentar sobre a veracidade da notícia.
Mas como funciona a relação entre Executivo e Legislativo na liberação de emendas? Todos os deputados têm de receber igualmente? Especialistas ouvidos pelo UOL argumentam que, por estarem previstas na lei e no orçamento, barganhas do Executivo não são ilegais, mas, dependendo da forma como forem feitas, podem ser imorais.
Direcionar emendas parlamentares não é ilegal
Toda emenda parlamentar está prevista no Orçamento da União, aprovado previamente pelo Congresso todos os anos. Isso significa que os repasses feitos pelo governo --sejam lá para quem for ou de que quantia-- estão registrados, foram autorizados e seguem certas regras.
Por isso, explica o advogado eleitoral Alberto Rollo, repassar valores maiores para determinado deputado ou grupo político não é um ato ilegal.
"Os trabalhos dos deputados não são iguais. Tem alguns que representam regiões que não têm nada, precisam de infraestrutura, saúde e tal, enquanto outros são de centros urbanos, têm outras necessidades. Não precisa dar [igual] para todo mundo", diz Rollo. "Faz parte do trabalho do Executivo direcionar o dinheiro, é da competência dele."
Todo parlamentar tem uma cota mínima de R$ 15,4 milhões para emendas anualmente. Logo, cada deputado ou grupo tem de articular com o Executivo quando precisa de mais verba para a sua região. Geralmente eles precisam.
Existe esta articulação necessária, o que é diferente de corrupção
Leandro Consentino, professor do Insper
"Trabalhar por emendas faz parte da natureza do parlamentar. Ele não tem orçamento. Se ele quer fazer um hospital novo, duplicar uma rodovia etc., vai batalhar por essas emendas, controladas pelo Executivo", afirma Rollo.
O problema, avaliam os especialistas, é fazer confusão entre o que é escuso e o que não é. "O Brasil é quase autofágico: o governo é criticado por não negociar e depois é criticado por negociar", afirma Fernando Schuler, cientista político do Insper. "Articular com deputados envolve atender a interesses legítimos desses parlamentares. Às vezes o governo tem de ceder."
"Tem de dialogar, só é preciso tomar cuidado com o que se chama de negociar. É legítimo que os deputados busquem seus interesses, suas propostas. Isso sempre existiu", afirma o cientista político Leandro Consentino, também professor do Insper.
Negociação também pode ser imoral
O problema, avaliam os especialistas, é condicionar esta competência a uma barganha. "Cabe ao Executivo avaliar quem precisa de mais verba. O que não pode é fazer isso na base do 'toma lá, dá cá'", afirma Rollo. "Tem de se pensar nas necessidades de cada região, e não [liberar dinheiro] por que aquele deputado votou a meu favor."
"Este tipo de troca não é nenhuma novidade. Já vimos diversas vezes. O problema central é que, quando um governo faz isso, pauta a fidelidade neste preço. Então esta participação não significa uma determinada força política, eles estão ali por outro motivo", diz Consentino.
Para ele, os governos se tornam mais bem-sucedidos quando criam uma base partidária que não depende de barganha. "E aí está o negociar, que é da política, é legítimo. Não significa que liberar emenda para alguém mais próximo é escuso. Naturalmente criam-se proximidades."
"É papel do Executivo negociar com o Congresso. É assim que se faz política, é republicano", diz Alberto Rollo.
Mas [é preciso] negociar nos termos da lei, vendo o que é melhor para o país e a população. Não é para usar o 'aprova o meu que eu aprovo o seu independente do que for melhor'
Alberto Rollo, advogado eleitoral
Por isso, Schuler critica o modo de emenda parlamentar individual. Para ele, parte do problema se resolveria ao ter emendas liberadas para projetos ou áreas.
"Não estou fazendo uma crítica a um político ou governo, é como é. Mas, se você destinasse as emendas a projetos específicos, seja seca ou infraestrutura, por exemplo, acredito que atenderia mais a critérios técnicos do que pessoais", diz.
Já Consentino vê o sistema de emendas parlamentares positivo, porque ajuda na regionalidade da destinação as verbas. Afinal, cada deputado conhece melhor sua região do que a União, que tem de olhar para o todo. "Só não pode tornar isso um interesse puramente pessoal."
Liberação de emendas é diferente do mensalão
O termo "Bolsolão" virou um dos "trending topics" no Twitter na última quarta. Muitas pessoas nas redes sociais argumentaram que a suposta promessa de liberação de emendas, R$ 40 milhões divididos em quatro anos, se igualaria aos mensalões petista ou tucano.
Rollo, professor de direito eleitoral pelo Universidade Presbiteriana Mackenzie, diz que são coisas que não podem ser comparadas.
"A emenda é sempre liberada por dentro. Os valores estão lá expostos, previstos no orçamento. O dinheiro vai para finalidade tal e entra na conta para pagar a obra. [Fazer barganha] não é o ideal, mas está na lei", afirma Rollo. "Já o mensalão/mensalinho é um pagamento por fora para que parlamentares votem sempre com o governo."
"O mensalão é dinheiro de corrupção. Era o desvio de verbas públicas para pagar um parlamentar, que se torna praticamente um empregado do governo, sem nada ficar registrado. Com emenda parlamentar, não: está tudo ali [contabilizado]."
Só viraria corrupção se um parlamentar direcionar uma emenda para uma certa região e a empresa que ganhou o consórcio lhe der uma porcentagem do contrato. "Aí sim, vira corrupção. Não é para ele receber nada", diz Rollo.
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