Coaf não vaza informação e não protegeria Bolsonaros, afirma chefe do órgão
O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) continua seu trabalho sem se preocupar em abrir o sigilo de qualquer personagem investigado, mesmo que seja a família do presidente Jair Bolsonaro (PSL). Esta afirmação é do chefe do órgão, Roberto Leonel de Oliveira Lima. Os dados são tratados sob reserva e repassados apenas a autoridades investigadoras, completa.
"Se nós temos alguma preocupação? Não", respondeu ele em entrevista ao UOL no final da manhã de hoje. "Nós não temos nenhuma preocupação com qualquer cidadão, seja qual for a origem política, familiar, etc." A ação é técnica, continuou.
O senador e ex-deputado estadual Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente da República, é investigado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro desde que um RIF (relatório de inteligência financeira) do Coaf mencionou-o junto com o ex-motorista Fabrício Queiroz. O documento revelou que o assessor havia depositado R$ 24 mil na conta da primeira-dama, Michele Bolsonaro. As informações faziam parte de um relatório maior sobre deputados estaduais do Rio.
"Nunca houve vazamento no Coaf, nunca, nenhum vazamento", afirma Roberto Leonel. "O que os meios de comunicação divulgam são informações obtidas dentro de um processo criminal, em que o Ministério Público ou a polícia tiveram acesso a um RIF e anexou a esses autos essa informação."
O órgão funciona no Ministério da Justiça, respondendo ao ministro Sergio Moro, mas há um movimento no Congresso para levá-lo de volta à pasta da Economia. Moro e Oliveria Lima lutam para isso não aconteça.
O Coaf aumentou sua produção na gestão de Leonel, um auditor da Receita Federal que trabalhou junto com a Operação Lava Jato no Paraná. O número de relatórios feitos entre janeiro e abril, comparando-se com o mesmo período do ano passado, ficou 25% maior. Foram 2.735 RIFs. No sentido inverso, policiais e procuradores enviaram ou solicitaram informações 3.430 vezes, um aumento de 65%.
Veja os principais trechos da conversa.
UOL - Há alguma preocupação com o sigilo da família Bolsonaro?
Roberto Leonel - Se nós temos alguma preocupação? Não. Nós não temos nenhuma preocupação com qualquer cidadão, seja qual for a origem política, familiar, etc. O que nós recebemos aqui no Coaf, e trabalhamos tecnicamente como órgão de governo, são as comunicações dos entes obrigados, bancos, lojas, joalherias, mercado de capitais. Nosso trabalho é reunir essas informações, porque essa é a estratégia mundial de ter um órgão central único que recebe as informações, reúne-as, analisa-as e difunde-as a quem vai investigar, independentemente de aquele cidadão ali ser uma pessoa notória, pessoa qualquer, pessoa politicamente exposta, que seja investigado por narcotráfico, político, estudante, um criminoso sequestrador etc.
O sigilo da família Bolsonaro ficaria mais protegido no Ministério da Economia?
Nunca houve vazamento no Coaf, nunca, nenhum vazamento. O que os meios de comunicação divulgam são informações obtidas dentro de um processo criminal, em que o Ministério Público ou a polícia tiveram acesso a um relatório de inteligência Financeira (RIF) e anexaram a esses autos essa informação. Em questão de sigilo, nós nunca tivemos problemas.
Temos medidas de segurança, de controle de acesso, formas de elaboração do RIF. Só a pessoa que recebe o RIF tem aquele formulário. Temos formas de trabalho que nos permitem concluir que nunca houve vazamento dentro do Coaf.
O Coaf tem cumprido suas obrigações?
Apesar do reduzido número de funcionários, tem cumprido dentro dos parâmetros mundiais. Seu objetivo é receber, analisar e difundir as informações. Logicamente, como temos milhares de informações diárias [o Coaf recebe 3 milhões de comunicações de operações suspeitas por ano] dos entes obrigados, temos que melhorar alguns pontos. Para isso, necessitamos tanto de equipamentos como de pessoas que têm conhecimento de ciência e mineração de dados. Isso que estamos buscando.
Que melhoras seriam essas?
Melhorarmos as análises de dados. Tentarmos fazer melhores conexões entre os alvos investigados em algum caso específico. Criamos uma coordenação de operações especiais, que vai ficar próxima de alguns casos de maior interesse e sensibilidade. Ah, vamos direcionar o foco para essa organização criminosa em relação a determinado foco e precisamos obter informações em relação a alguns alvos específicos. Esse é o objetivo dessa coordenação: melhorar a qualidade. Muitas vezes nosso trabalho é mecânico. Você tem um rol de comunicações, e esse rol é repassado através de um relatório ao Ministério Público e à polícia. Esse rol muitas vezes envolve outras pessoas como alvos secundários, que pode eventualmente complicar o trabalho dos agentes de persecução [investigadores].
O senhor disse que há RIFs com personagens secundários. Foi isso que aconteceu com a família Bolsonaro?
Temos uma árvore de relacionamentos com diversos nós. Muitas vezes um destes nós envolve uma pessoa que está no terceiro, quarto, quinto nível de relação com o principal alvo. Pode ser qualquer um dos casos que tenham saído na mídia.
Foi isso que houve no caso Bolsonaro?
Não comentamos casos específicos.
Casos considerados secundários ficarão de fora dos relatórios daqui em diante?
O que se procura é não deixar uma determinada informação de determinado ramo da investigação armazenada no Coaf e que, de repente, interesse ao investigador. É uma grande dificuldade. Como saber que determinado ramo não interessa ao procurador investigador? Essa é nossa luta diária.
Nesse novo critério, como seria o RIF que implicou Flávio Bolsonaro?
Pode ser até que fosse a mesma situação. Depende. Quando a comunicação entra, ela recebe pontuação de risco. Se aquela pessoa já foi comunicada, se tem outros fatos envolvendo aqueles fatos, se aquele fato está sendo investigado, se já foi investigado. Ela passa por esse filtro. Conforme essa pontuação de risco, ela é analisada e remetida ao Ministério Público.
A revista Crusoé noticiou que, em 2015, o banco Mercantil não comunicou ao Coaf transações financeiras atípicas do presidente do STF, ministro Dias Toffoli. Que medidas foram tomadas?
Não sei. Banco que não cumpriu sua obrigação tem que ser punido pela instituição que o supervisiona. O Coaf não supervisiona instituição. Quem supervisiona bancos é o Banco Central. Quem deve adotar qualquer medida contra eventual falha de algum banco é o BC.
O senador Fernando Bezerra disse que não vai mudar o Coaf de local. O que isso significa?
A vinda do Coaf para o Ministério da Justiça trouxe para nós uma visibilidade natural em função do ministro [Sergio Moro]. Mas, em termos de aspecto operacional, nós não mudamos em nada nosso procedimento. O que tivemos foi aumento de estrutura, tivemos essa vantagem de termos funções [cargos para funcionários], pois não temos quadro próprio de servidores. Pretendemos fazer um concurso de analista de inteligência financeira. Ganhamos a prerrogativa de fazer requisição de servidores. Queremos manter a equipe, a quantidade de cargos, o apoio que temos recebido do Ministério da Justiça.
Se voltar para a pasta da Economia, o que significa para o ministro Sergio Moro, já que o sr. diz que ele deu até visibilidade ao órgão?
Deu maior visibilidade em função do ministro, que vem de uma área criminal, que vem de uma investigação grande.
Por que tanto esforço para manter o Coaf na Justiça?
O ministro [Sergio Moro] veio com a missão de combater, firmemente, a corrupção e as organizações criminosas. Para isso, temos que estar unidos e integrados também na área financeira. Onde está esse dinheiro usado e gerado nessas atividades? Para isso, o Coaf é uma peça importante.
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