Sem apontar conversas forjadas, Lava Jato se contradiz ao aventar fraude
Durante os últimos dias, o ministro da Justiça, Sergio Moro, e procuradores da Operação Lava Jato prestaram explicações sobre o vazamento de mensagens de Telegram, algumas contraditórias.
Os diálogos entre o ex-juiz e o coordenador da força-tarefa Deltan Dallagnol indicam que o magistrado orientou como o Ministério Público deveria agir em sua estratégia investigativa e de comunicação com a sociedade. Em um deles, como mostrou o UOL, Moro disse que só 30% dos crimes da delação da Odebrecht deveriam ser apurados.
Basicamente, a estratégia da Lava Jato nesta crise tem sido:
- Não enfatizar o conteúdo das mensagens;
- Enfatizar a forma como as mensagens foram obtidas, apontando-a como uma invasão hacker e, às vezes, dizer que os próprios jornalistas se aliaram a criminosos
- Ao tratar do conteúdo, afirmar que as mensagens não indicam irregularidade criminal, moral ou ética praticada
- Levantar a hipótese de que os diálogos tenham sido adulterados
- Apesar disso, em oito dias, nenhuma mensagem, ou sequer um trecho delas, foi apontada como falsa ou adulterada
As mensagens foram reveladas pelo site "The Intercept Brasil" a partir da noite de 9 de junho. A autenticidade das mensagens não foi questionada de início. Mas, na quarta-feira (12), Moro e os procuradores passaram a enfatizar a suspeita de que "diálogos inteiros podem ter sido forjados".
Entretanto, passados oito dias, o ministro e os procuradores não apontaram conversas forjadas ou mesmo trechos delas.
Há contradições. De um lado, dizem que não podem confirmar a autoria das mensagens, afirmam que elas são comuns na relação entre magistrados e procuradores. Uma delas seria um "descuido", avaliou Moro.
Lava Jato precisa dar satisfação, mas se expõe, diz professor
Para o cientista político Murillo de Aragão, professor de política brasileira no mestrado em relações internacionais da Universidade de Columbia, em Nova York (EUA), a estratégia da Lava Jato e de Moro contém erros. Ele entende que "eles têm que dar uma satisfação à opinião pública" mesmo sem terem as provas de adulteração dos diálogos. "Isso faz parte do jogo", afirmou ao UOL.
No entanto, Aragão considera que o ex-juiz e os investigadores "titubearam no começo" quando admitiram o fato, endossando a existência das conversas. "Agora estão alegando possibilidade de adulteração. No fundo, pode haver porque não é prova periciada, mas é irônico porque vazamentos foram técnicas utilizadas [pela Lava Jato]."
Aragão destaca um apelo de Moro, em entrevista ao Estadão na noite de quinta-feira (13), quando o ex-juiz pediu que todos os diálogos fossem divulgados. "Por que não apresenta desde logo tudo?", questionou o ministro. A mesma preocupação está presente na primeira nota do Ministério Público Federal no domingo (9): "Não se sabe exatamente ainda a extensão da invasão, mas se sabe que foram obtidas cópias de mensagens e arquivos trocados em relações privadas e de trabalho".
Eles estão passando por um processo que aconteceu com investigados pela Operação Lava Jato. A imprensa ia vazando parte das investigações, e nunca se sabia a inteireza da acusação. É uma ironia a situação que eles estão passando porque não podem se defender porque não sabem a extensão dos vazamentos"
Murillo de Aragão, cientista político e professor
Aragão entende que um porta-voz ou advogado deveria responder por Moro e pelos procuradores. "Não que eles ficassem sendo expostos a dar explicações quase que diárias para o episódio. É um erro da defesa deles."
Ex-juiz defendia ouvir criminosos, mas diz que site é "aliado" de hackers
Quando era juiz, Moro defendia ouvir criminosos para se descobrir verdades ocultas. Enfatizava que "crimes não são cometidos no céu", como anotou em vários despachos e sentenças para justificar a tomada de depoimentos de delatores, réus confessos que aceitavam denunciar a si mesmos e a outros em troca de redução de suas penas.
Em outras palavras, crimes não são cometidos no céu e, em muitos casos, as únicas pessoas que podem servir como testemunhas são igualmente criminosos"
Sergio Moro, em sentenças de 17 de setembro de 2014 e de 13 de maio de 2018
No entanto, na sexta-feira (14) pela manhã, Moro criticou os jornalistas do Intercept por obter documentos com uma fonte que ele considera um "fora da lei". De acordo com o ministro, o site é "aliado a hackers criminosos".
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